Jogos Olímpicos de Inverno: Como a China se mostra “um poder em ascensão”

Esta semana o vice-primeiro-ministro chinês, Han Zheng, declarou que os Jogos Olímpicos de Inverno, agendados para 4 de Fevereiro de 2022, irão acontecer dentro do calendário previsto pelas autoridades chinesas. No contexto de uma pandemia e depois da recepção dos Jogos Olímpicos de 2008, a China tem agora a sua oportunidade de se mostrar como um “poder em ascensão”, onde a segurança sanitária será “um dos maiores trunfos”, defende Emanuel Júnior, investigador da Universidade de Aveiro

 

Há 13 anos a China recebia, pela primeira vez, uma edição dos Jogos Olímpicos (JO) e com isso mostrava-se ao mundo como uma economia emergente, abrindo um capítulo na aposta forte no desporto como ferramenta de soft power. Desta vez o país prepara-se para receber os Jogos Olímpicos de Inverno, que deverão arrancar a 4 de Fevereiro de 2022.

Esta terça-feira o vice-primeiro-ministro chinês, Han Zheng, declarou que serão feitos “esforços contínuos” para garantir que os JO de Inverno de 2022 “irão decorrer conforme programado”. Citado pela agência estatal Xinhua, Han Zheng falou à margem de uma reunião com o grupo de trabalho responsável pela organização dos Beijing 2022.

O vice-primeiro-ministro disse que a preparação do evento entrou “num período crítico”, tendo apelado “a um grande sentido de responsabilidade, missão e urgência para prosseguir com os trabalhos preparativos”. Han Zheng disse também que é importante que os Beijing 2022 aconteçam de uma forma “simples, segura e maravilhosa”, a fim de eliminar eventuais riscos.

Um dos exemplos apontados pelo vice-primeiro-ministro passa por “aprimorar infra-estruturas” e garantir que “os espaços para os eventos de não competição fiquem completos dentro do prazo previsto”.

Relativamente à covid-19, o dirigente declarou que é importante “estabelecer um sistema eficiente para as operações dos Jogos, organizar testes com flexibilidade e medidas de contenção”. É também importante, para Han Zheng, “praticar a frugalidade e prevenir a corrupção para que a nação receba uns JO de Inverno limpos”, frisou. O Governo chinês promete agora promover a prática do desporto de inverno junto da população.

Uma nação poderosa

Emanuel Júnior, investigador da Universidade de Aveiro (UA) e autor de vários trabalhos sobre a relação do futebol chinês com a diplomacia, defendeu ao HM que os Beijing 2022 vão mostrar ao mundo um país que já está num patamar completamente diferente em relação aos JO de 2008.

“Em 2008 a China transmitiu ao mundo a mensagem de uma nação rejuvenescida, modernizada, em claro e indiscutível desenvolvimento e com solidez económica (em um contexto global de recessão devido à crise).

Enquanto que em 2022 a China já não precisa se apresentar meramente como uma economia emergente, mas tem condições de se mostrar ao mundo como um poder em ascensão, uma força na geopolítica global.”

Sem certezas sobre como será a evolução da pandemia da covid-19 até 2022, a China irá fazer de tudo para passar uma boa imagem na forma ao nível da gestão da saúde pública. “Se parte do sucesso destes Jogos passa pela mensagem de controlo sobre o vírus da Covid-19, é fundamental que a organização seja impecável em todos os aspectos das medidas de contenção, afinal, a segurança sanitária vai ser um dos maiores trunfos da China na promoção da sua imagem.”

A organização dos Beijing 2022 “propícia à China a oportunidade de transmitir ao mundo uma imagem de uma nação que conseguiu controlar a pandemia, servindo de promoção da eficácia do sistema de saúde do país, mostrando à audiência global estádios e arenas lotados de espectadores vacinados e sem máscaras, em um claro sinal de poder”, frisou o investigador.

Os estádios de 2008

Para os Beijing 2022, a China vai recorrer às cinco infra-estruturas construídas para os JO 2008, incluindo o Estádio Nacional de Pequim, também conhecido como Ninho de Pássaro. Mas Emanuel Júnior recorda que o país vai mostrar “ao mundo um novo e moderno complexo desportivo, em Zhangjiakou, na província de Hebei, além de evidenciar a eficiência de seu sistema, baseado no planeamento, como a construção da linha de alta velocidade Pequim-Zhangjiakou.”

Em 2008 Hu Jintao, ex-Presidente chinês, aproveitou os JO para “fazer da China uma potência do desporto mundial”, mas só com Xi Jinping essa seria uma realidade. “Xi entende como necessário à China explorar o seu soft power, no sentido de que o país precisa ter uma boa narrativa sobre sua imagem e comunicar melhor a mensagem da nação ao mundo. Em Janeiro, Xi visitou vários dos equipamentos desportivos dos Jogos 2022 e deixou clara a importância do sucesso deste evento para o país e seu povo”, exemplificou Emanuel Júnior.

Os preparativos

A Xinhua realizou uma reportagem sobre tudo o que já está a ser preparado para o país receber os Beijing 2022, incluindo um programa de testes à covid-19 adaptado para as zonas de competição de Yanqing e Zhangjiakou. No total, seis espaços de competição e três equipas de operação estão a testar cenários de implementação de medidas de combate à covid-19.

“Não é fácil. Temos vindo a preparar-nos há muito tempo e enfrentado uma série de dificuldades e desafios”, declarou Mu Yong, director-geral do Centro Nacional de Salto de Esqui.

Em Zhangjiakou, a capacidade dos espaços de competição tem sido analisada por especialistas estrangeiros. “Este teste constitui um passo fundamental para que os eventos ocorram de forma bem sucedida. Para mim, mesmo agora, estes testes têm corrido muito bem, não apenas ao nível do desporto [mas também] nas operações de montanha”, disse Davide Cerato, especialista na concepção de percursos.

Além dos inúmeros testes vão também ser adoptadas medidas de distanciamento social, nomeadamente na realização de entrevistas. Os jornalistas terão de estar afastados em cerca de dois metros dos atletas na zona de imprensa. “Todas as situações relacionadas com a covid-19 têm sido tidas em conta, mas seria muito mais fácil irmos mais além. A Organização Mundial de Saúde fala de uma distância de dois metros, e cada uma destas barreiras tem dois metros, então na verdade duplicámos a distância recomendada”, disse Joe Fitzgerald, membro da organização e um antigo coordenador da competição de esqui em estilo livre.

Apesar do discurso das autoridades, a China tem enfrentado algumas críticas, uma vez que mais de 180 associações de defesa dos direitos humanos já vieram exigir um boicote aos Beijing 2022. Numa carta aberta tornada pública no passado dia 3, associações alertaram para a questão dos direitos humanos na China, apelando aos governos dos países participantes que se “comprometam com um boicote diplomático aos Jogos Olímpicos de Inverno de 2022, para garantir que o evento não é utilizado para encorajar violações dos direitos humanos, que têm sido cometidas pelo governo chinês”.

Os signatários da carta consideram que desde a atribuição dos Jogos Olímpicos de Inverno a Pequim, em 2015, o “presidente Xi Jinping desencadeou uma repressão implacável contra as liberdades fundamentais e direitos humanos”. O porta-voz do ministério das Relações Exteriores da China considerou, entretanto, “irresponsável querer interromper ou obstruir os preparativos e a realização normal dos Jogos Olímpicos por motivos políticos”. “Esta iniciativa não vai obter o apoio da comunidade internacional e está condenada ao fracasso”, disse Wang Wenbin.

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