João Ferreira, candidato à Presidência da República portuguesa: “Há campo para aprofundar cooperação com Macau”

Eurodeputado e candidato do Partido Comunista Português às eleições para a Presidência da República em Portugal, João Ferreira afirma que, caso vença o acto eleitoral marcado para o dia 24 de Janeiro, tudo fará para assegurar uma maior proximidade do Estado português à comunidade portuguesa residente em Macau. João Ferreira defende melhores serviços consulares e um maior aproveitamento da relação histórica com o território

 

Que significado tem a sua candidatura no contexto da diáspora portuguesa?

Esta é uma candidatura à Presidência da República que não pode deixar de ter presente na sua intervenção a enorme diáspora espalhada pelo mundo. É importante ter presente o que foram as motivações de muitos desses portugueses que foram procurar em outras paragens pelo mundo aquilo que muitas vezes não encontravam em Portugal. Estamos a falar de pessoas com vidas marcadas muitas vezes pelo desemprego, a falta de perspectivas de realização profissional e pessoal, precariedade. [O Presidente da República] deve ter presente no exercício dos seus poderes estas causas. Tenho contactado com muitos emigrantes de várias partes do mundo e há uma ideia generalizada de voltar ao seu país, mas encontrando aquilo que não encontravam quando saíram.

Mas nem todos os emigrantes pretendem voltar.

Há portugueses que ganharam raízes e aqui o Presidente da República tem alguma responsabilidade, que passa pelas relações do Estado português com outros países onde existam comunidades portuguesas. É importante construir relações a diversos planos, político, económico, social e cultural, que sejam mutuamente vantajosos e que defendam os interesses das comunidades portuguesas. A mensagem que posso dirigir a todos os portugueses na diáspora é que, se tiver a oportunidade de exercer os poderes de Presidente da República, terei presente estas preocupações na minha acção.

O Governo lançou algumas medidas para o regresso de emigrantes e para a atracção de investimento. São suficientes?

Aquilo que foi posto em prática é insuficiente, e a melhor demonstração disso é o facto de terem sido poucos aqueles que regressaram ao abrigo destas medidas. Há que garantir que as condições de emprego com direitos [são asseguradas], sem esquecer que muitos daqueles que hoje procuram na emigração oportunidades de realização profissional são portugueses muito qualificados, que têm um contributo muito importante a dar para o desenvolvimento do nosso país, e que infelizmente foram empurrados lá para fora por falta dessas oportunidades. Aqui as questões dos salários são incontornáveis. A nossa Constituição reconhece essa necessidade de protecção especial dos jovens no acesso ao primeiro emprego mas também garantir uma justa valorização dos salários e oportunidades de emprego. Isto exige uma intervenção do Presidente da República. Infelizmente a intervenção do Presidente da República não tem contribuído para isso. Aliás, muitas vezes tem desajudado.

Em que sentido?

Não me esqueço que o actual Presidente da República e agora candidato [Marcelo Rebelo de Sousa], há um ano estava a dizer que 635 euros era um valor razoável para o salário mínimo nacional. Ora este é um salário que obriga as pessoas a fazerem escolhas sobre as contas que têm para pagar.

Acredita agora numa nova vaga de emigração devido à crise gerada pela covid-19? Houve uma vaga entre 2008 e 2011 com a intervenção da Troika.

Infelizmente temos esse exemplo recente onde voltámos a ter valores de emigração como nunca tínhamos visto em democracia. Creio que uma situação destas não se pode repetir e que cabe ao Presidente da República tudo fazer para fazer com que ela não se repita, e eu tudo faria para a evitar. Agora, a situação não é clara ainda. Se a intervenção do Estado não estiver alinhada nesse sentido então podemos ter uma maior degradação da situação económica e social, que pode ter repercussão no crescimento da emigração. Se olharmos para sectores importantes da actividade económica, como o turismo e a restauração, é com grande preocupação que vemos não serem tomadas medidas que são essenciais.

Falando agora da qualidade dos serviços consulares. Que resposta é que o Estado português deveria fazer para melhorar o seu funcionamento?

A situação ao nível da rede de embaixadas e consulados é bem demonstrativa que os interesses das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo têm sido descurados. Temos também uma insuficiente valorização do ensino da língua e da cultura portuguesas no estrangeiro, que é um direito que a Constituição consagra. Além de se desinvestir na rede consular tem-se desinvestido das condições de trabalho dos próprios trabalhadores. Nada disso contribui para uma ligação do Estado português às comunidades que se quer mais estreita e regular. Até em situações como as eleições, [há constrangimentos que criam] dificuldades à participação eleitoral dos emigrantes.

Em Macau muitos eleitores têm passaporte português mas não falam a língua, e constituem um eleitorado representativo. Como deve ser feita uma aproximação a estas pessoas?

Isso deve ser salvaguardado através de relações bilaterais entre o Estado português e o Estado chinês que valorizem a existência de uma história e património comuns e o papel da comunidade portuguesa residente em Macau. Tal consegue-se através de um fortalecimento de laços de solidariedade no plano cultural, social. Depois através de uma presença consular e diplomática que deve valorizar todos os aspectos da participação dessa comunidade na vida do país, mesmo que à distância. As visitas de Estado podem ter aqui um papel importante, pelo sinal que dão.

Em Macau sempre houve uma grande abstenção nos actos eleitorais. É sinal de que o Estado está a falhar nesta proximidade com os eleitores?

Creio que sim. Esse crescente afastamento, infelizmente, não é uma realidade apenas em Macau. Tem havido um certo desinvestimento na relação entre o Estado português e as comunidades emigrantes espalhadas pelo mundo e acho que esse desinvestimento desse ser contrariado.

Como?

Devemos iniciar um caminho no sentido inverso, que procure reforçar laços, re-aproximar e com isso também incentivar uma maior participação da comunidade.

A nível empresarial, Macau constitui uma ponte de ligação com a China. Deveria ser uma plataforma com maior visibilidade?

Há campo para aprofundar a cooperação com Macau e com a China em várias áreas. Seria positivo que se pudessem aproveitar esses laços históricos e culturais existentes e que pudesse haver esse reforço da cooperação no plano económico que permitisse também uma afirmação mais ampla dos interesses portugueses nessa região do mundo. Acho que essa proximidade histórica e cultural que temos com Macau é um factor que não deve ser desperdiçado.

São necessários maiores apoios para as empresas que queiram ir para Macau e para a China?

Pode haver essas condições de apoio às empresas e é bom que sejam garantidas no quadro da presença do próprio Estado português. Há que reforçar um enquadramento institucional que pode contribuir para facilitar esse crescimento e actividade.

Como deve ser feito o relacionamento entre Portugal e a China?

Portugal deve tendencialmente ter relações com todos os países e deve orientar essas relações no sentido de cooperação para emancipação e progresso da humanidade. A China é hoje um país de grande importância na comunidade internacional e é uma relação que deve ser aprofundada e reforçada nos seus variados planos. O Presidente da República deve ter um papel na promoção dessa relação e no contributo que pode dar para o aprofundamento de laços. Temos uma comunidade chinesa importante no nosso país, uma comunidade portuguesa importante na China e devemos ter com a China uma relação que se deve basear nos princípios que a Constituição portuguesa aponta.

Fala de…

Falo dos princípios da independência nacional, os direitos humanos, igualdade entre Estados, a resolução pacífica dos conflitos internacionais, o princípio da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos para o progresso da humanidade. Tanto Portugal como a China podem dar um contributo importante para este progresso e acho que é de toda a utilidade que Portugal reforce os laços com a China.

Há alguns meses o embaixador norte-americano em Lisboa deu uma entrevista ao semanário Expresso onde colocou, de certa forma, Portugal entre a espada e a parede no seu posicionamento diplomático entre a China e os EUA. Com a vitória de Joe Biden, essa questão está ultrapassada?

Foi uma postura inaceitável, violadora do que são os princípios que regem as relações entre os Estados, de princípios que regem o Direito internacional e de um assunto que só a Portugal diz respeito. É uma ingerência condenável e não deixou de ser assinalada pelas autoridades portuguesas, nos termos que eu desejaria que tivessem sido mais vigorosos e veementes.

Refere-se à posição de Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros?

Sim. Mas de qualquer forma foi uma intromissão inaceitável.

Espera um bom resultado em Macau?

Espero que exista a possibilidade na campanha e nas eleições de apresentar e confrontar os vários projectos que se apresentam. O que espero é que os valores e princípios desta candidatura possam ser conhecidos e que, no fim, a comunidade portuguesa residente em Macau faça o seu julgamento sobre aquela pessoa que pode estar em melhores condições para desempenhar o cargo. Espero recolher a adesão e o apoio de muitos portugueses em Macau.

A 20 de Dezembro celebrou-se o aniversário da RAEM. O Estado português tem estado atento à questão da defesa dos direitos, liberdades e garantias da população tendo em conta a Lei Básica?

Desejaria uma maior proximidade do Estado português a essa comunidade. Uma maior atenção à sua realidade, ao seu dia-a-dia, uma valorização dos laços histórico-culturais que nos unem ao território. Caso seja investido das funções de Presidente da República tudo farei para que isso aconteça.

Através de que medidas?

Desde logo pela defesa da reversão de uma certa degradação da presença portuguesa em vários pontos do mundo e também na RAEM. Reverter uma certa degradação da rede consular. É também importante o papel que podem ter as visitas de Estado, para dar sinais de um potencial que existe por concretizar de um pleno aproveitamento e valorização de um passado comum.

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