O Expresso da Política

A Assembleia Legislativa de Macau esteve no início do mês focada no debate das linhas de acção sectoriais das Linhas de Acção Governativa, com a presença dos secretários e respectivos directores de serviços. Acredito que quem tiver prestado atenção às transmissões directas da TDM ou às notícias dos jornais, deverá concordar comigo que, mais do que debates, estas sessões são sobretudo trocas de perguntas e respostas entre os deputados e os membros do Governo. Nota-se a ausência de debates interactivos e acalorados e paira no ar um consenso geral. Em comparação com os confrontos que se verificam no Conselho Legislativo de Hong Kong, a relação entre o Executivo e a legislatura na Assembleia Legislativa de Macau é muito harmoniosa. A Assembleia Legislativa assemelha-se a um carro que leva passageiros à boleia, ou seja, os deputados que desta forma completam a jornada de quatro anos desta legislatura. Esta viagem termina em Agosto de 2021, mas não houve melhorias na política ecológica de Macau, a vida parlamentar na Assembleia tem permanecido tão calma e imperturbável como o Lago Nam Van, que acabará por secar ou tornar-se um depósito de águas estagnadas e pestilentas.

Se a Assembleia Legislativa de Macau é um carro que leva passageiros à boleia, o Conselho Legislativo de Hong Kong é um comboio expresso. A Chefe do Executivo, Carrie Lam, pediu que o Governo Central interpretasse a Lei Básica da RAEHK, o que causou a anulação do mandato de quatro deputados do campo pró-democracia. A anulação destes mandatos provocou a demissão de todos os deputados pró-democratas, numa manifestação de protesto contra esta decisão. A situação deixa o Conselho Legislativo de Hong Kong sem representantes da oposição. Apesar disso, Carrie Lam foi ao Conselho Legislativo apresentar o seu programa como se nada tivesse acontecido. Na aparência, a relação entre o Executivo e a legislatura de Hong Kong melhorou consideravelmente, com todas as propostas de lei apresentadas pelo Governo aprovadas sem qualquer problema. Este “comboio expresso” é bom ou mau para Hong Kong? Um comboio expresso sem travões acaba por ter um acidente e provocar a morte dos passageiros, sobretudo se o maquinista insiste em continuar a alimentar a “fornalha”.

Para fazer uma boa viagem à boleia é preciso conseguir um carro que vá na nossa direcção, causar boa impressão ao condutor e seguir as suas instruções, só desta forma conseguiremos chegar ao nosso destino sem problemas. Para viajar num comboio expresso não existem tantas condições. Só precisamos de comprar o bilhete e mostrar o nosso documento de identificação. Depois de mostrar o bilhete ao revisor, passamos a cancela, entramos no comboio e ocupamos o lugar na carruagem que nos está destinada, depois é só seguir viagem sem paragens pelo meio. No decurso de uma viagem no comboio expresso já não podem entrar mais passageiros até ao destino final. E o que é que acontece a quem não conseguiu apanhar boleia e tem de viajar de comboio expresso? A experiência de Mahatma Gandhi na Índia pode servir de exemplo.

Quem viu o filme “Gandhi” deve lembrar-se que este estadista, que ao tempo exercia advocacia, foi expulso de um comboio na África do Sul devido à cor da pele. Gandhi viajava em primeira classe, e possuía um bilhete válido, mas por não ser branco não lhe foi permitido ocupar aquele lugar. Mas, na altura, ninguém ia imaginar que a história do Império Britânico e do Hindustão iria mudar a partir do momento em que Gandhi saiu do comboio.

Muitas pessoas enfatizam constantemente a importância da segurança nacional, e eu acredito que o homem que expulsou Gandhi do comboio nunca pensou que na verdade estava a praticar um acto que iria pôr em risco a segurança nacional. Numa sociedade sem igualdade, sem justiça, abertura e probidade, a segurança nacional acaba inevitavelmente por ser posta em risco. Imaginem se sempre que o comboio pára numa estação, só podem entrar aqueles que estão acostumados a apanhar boleia e os que de alguma forma têm acesso privilegiado ao expresso, o que vos parece que os que ficam de fora vão fazer? Quem fala de patriotismo sem ter noção da situação no seu todo, acaba por prejudicar o país.

Em Setembro do próximo ano, vão realizar-se eleições para o Conselho Legislativo de Hong Kong e para a Assembleia Legislativa de Macau. Esperemos que para o efeito, se perfilem candidatos com capacidade, aspirações e ideais, e que as eleições decorram num ambiente de igualdade, justiça, abertura e livres de corrupção, para que os eleitos possam vir a falar em nome do povo, supervisionem e prestem assistência ao Governo, para tornar a sua acção mais eficaz. Só desta forma se pode garantir a segurança nacional, sem temer que ela possa ser posta em causa por um pequeno círculo de pessoas com interesses instalados.

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