Exposição | Konstantin Bessmertny apresenta “Intermissão” no Clube Militar

A mais recente mostra de Konstantin Bessmertny, “Intermissão”, está patente no Clube Militar de Macau até 29 de Novembro. Os 25 trabalhos, entre pinturas e instalações, são o resultado do exílio a que a pandemia obrigou. Entre trópicos coloridos de Henri Rousseau e festins mórbidos de Bruegel, a linguagem de Bessmertny é a vacina artística de que o mundo precisa

 

[dropcap]“I[/dropcap]ntermissão” é a mais recente exposição de Konstantin Bessmertny que se encontra patente no Clube Militar até domingo, 29 de Novembro. Poder-se-ia dizer que é o melhor sintoma da pandemia, num ano marcado pelo terror, a crise e o isolamento. “Intermissão” foi o resultado de um exílio provocado microbiologicamente, que afastou o artista russo do seu estúdio “principal” em Hong Kong.

“Fiquei aqui preso. Tudo o que está exposto, foi feito aqui este ano, ou acabado este ano. Com excepção de dois trabalhos, que achei que encaixariam bem”, contou Konstantin Bessmertny ao HM.

Uma dessas excepções é um conjunto de quadros que transferem o exílio de Napoleão Bonaparte para a ilha tailandesa de Koh Samui. Partindo da familiaridade histórica rumo ao absurdo, o artista coloca o imperador francês num contexto tropical e balnear. “Como umas férias, com peste, que duram muito tempo. Foi também como me senti, como se a quarentena acontecesse no ambiente perfeito, com tempo para pensar bem sobre o que fizemos ao planeta e a nós próprios”, conta o artista.

Esta série, composta por sete trabalhos, mostra Napoleão a observar o pôr-do-sol (com um violino a servir de tela), entre outras representações balneares do líder militar a espiar um retiro de ioga, uma mulher em topless ou mergulhado em luxuriante vegetação, numa aproximação estilística à linguagem do francês Henri Rousseau.

Bessmertny serve-se do tropicalismo para conferir colorido numa mostra concebida num ano cinzento. “Tentei acrescentar algumas cores, alguma energia positiva aos quadros, como a evocação de uma terra sonhada”, refere ao HM.

Na série sobre o exílio de Napoleão, coroada com uma medalha por cumprir quarentena em Koh Samui, o artista explora a Era do culto das celebridades, algo que já vem de trabalhos anteriores.

Múltiplas leituras

Apesar da primeira abordagem de leitura facilmente apreensível, de rasgo cómico e absurdo, também as obras de “Intermissão” revelam significados em série numa observação mais cuidada. Um deles é “The Other Mountain”, uma obra que enche a tela de luz e flores coloridas. No centro da narrativa está uma representação dos Alpes, com os Himalaias no fundo. “Através da meditação, tentei que este trabalho abrisse uma realidade totalmente diferente”.

A expressão criativa de Bessmertny usa frequentemente referências, ou citações, de outros artistas, slogans revolucionários e imagens familiares. “Intermissão” tem uma abordagem ao clássico “O Triunfo da Morte”, de Pieter Bruegel. “Comecei esse trabalho bem antes do vírus, mas no início deste ano tudo surgiu de repente e continuei o quadro”, explica. O ponto de partida foi “um dos quadros mais horríveis produzidos pela arte ocidental nos últimos 2000 anos. É algo difícil de aceitar, sente-se a presença da morte, é deprimente, como uma parada mórbida”, conta o artista, acrescentado que tentou dar outra perspectiva ao clássico de Bruegel.

“O quadro chama-se ‘O Triunfo da Vida’, é uma narrativa completamente diferente. Não citei nada do original, talvez uma ou duas figuras possam ter relação, mas mantive a composição”.

Nas palavras de Konstantin Bessmertny, “O Triunfo da Vida” coloca duas partes em antagonismo, em choque frontal, algo que, para si, advém do dever de criar. “Acho que é a responsabilidade dos artistas responder às mudanças dos tempos e pensar filosoficamente a arte, a cultura e a influência na sociedade. No mundo da arte, com a excepção da moda, as correntes não são lineares, mas circulares, num movimento entre arte e anti-arte. Neste momento, estamos num ciclo anti, não-arte. Todos são artistas, tudo é arte. Nestes trabalhos tentei não fazer uma abordagem vulgar, para destruir, mas com a intenção de ligar o velho e o novo, de encontrar conexões e trazer desenvolvimento”.

Como noutras séries de trabalhos, “Intermissão” oferece a possibilidade de várias leituras. Por vezes, por trás de cores vivas e situações absurdas, existem verdades que cortam fundo, realidades negras ou pesadelos quiméricos. “Se nos aproximarmos, os detalhes fazem-nos parar e pensar, às vezes vão contra aquilo que vimos primeiro e são mais conceptuais do que a superfície aparenta. Quanto mais profundo a pessoa analisar as imagens, formas e cores, espero poder conduzi-la a um labirinto, a descobrir coisas escondidas. Sempre fui assim. Procuro não me repetir, apesar de seguir a minha linha. Mas, este ano, acho que acrescentei uma outra coisa.”

Essa outra coisa, sobressai das obras de Konstantin Bessmertny, que podem ser visitadas no Clube Militar de Macau, até ao próximo domingo.

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