EntrevistaMinistro do Petróleo diz que política em Timor-leste colocou “a carroça à frente dos bois” Hoje Macau - 30 Ago 2020 [dropcap]T[/dropcap]imor-Leste meteu “a carroça à frente dos bois” na estratégia para o sector petrolífero, com a política à frente das questões técnicas e de viabilidade económica, algo que tem agora de ser revertido, disse o ministro da tutela. “Temos primeiro de ouvir dos técnicos, ver o resultado da análise de viabilidade económica. Vamos aguardar por esse parecer. O Estado timorense comprometeu-se com povo com a ideia de que o gasoduto tem de vir para Timor-Leste. Se não for no Tasi Mane [costa sul] pode ser no Tasi Feto [costa norte]”, disse Victor Soares, ministro do Petróleo e Assuntos Minerais em entrevista à Lusa. “Mas, se não for viável não vamos perder dinheiro. Esse é o princípio do negócio. Isso é que vamos defender. O que ocorreu até aqui, foi colocar a carroça à frente dos bois: os políticos decidiram e os técnicos foram atrás dos políticos. Temos de reverter isso”, afirmou. No cargo há apenas dois meses e no intuito de imprimir esse novo cunho, Soares já levou a cabo uma ampla reestruturação na liderança das várias instituições que actuam no sector do petróleo, com mudanças no comando da petrolífera, a Timor Gap, da Autoridade Nacional de Petróleo e Minerais (ANPM) e do Instituto de Petróleo e Geologia (IPG). As equipas cessantes estiveram envolvidas no que foram, até agora, os passos mais amplos dados por Timor-Leste neste sector, incluindo a delimitação das fronteiras permanentes com a Austrália, o projecto de desenvolvimento da costa sul para o setor petrolífero e os poços do Greater Sunrrise, onde a Timor Gap comprou uma participação maioritária por 650 milhões de dólares. Todos trabalharam de perto com o líder timorense Xanana Gusmão, o principal arquitecto da política para o sector – incluindo o projecto Tasi Mane de desenvolvimento da costa sul e do gasoduto dos poços de Greater Sunrise para Timor-Leste. “Vi o desenvolvimento deste sector ao longo do tempo e considerei que era essencial fazer mudanças. Temos de fazer mudanças de forma estruturante, para responder às expectativas da população”, afirmou. “Este sistema foi montado há mais de 10 anos, mas não vejo que as coisas funcionem de acordo com as políticas decididas e sinto que é necessário fazer alterações tendo em vista uma nova estratégia”, afirmou. Soares é claro sobre o investimento no consórcio do Greater Sunrise: “Penso que foi um grande erro que o Governo fez”, disse. “Não deveria ter sido feito. Pagou para uma coisa que não é nada. Isso foi um erro. Não foi baseado na análise técnica da empresa ou dos técnicos. Foi uma decisão meramente política. Logo nas primeiras reuniões que tive com direcção da Timor Gap, da ANMP e do IPG, confirmamos que o projecto não foi feito com base num estudo de viabilidade”, explicou. Victor Soares sublinha a importância do sector petrolífero para o país: “É fundamental e vital para o progresso de desenvolvimento de Timor-Leste”. Questionado sobre os cenários técnicos e até económicos apresentados por Xanana Gusmão ao longo do tempo, o ministro considera que sempre assentaram “mais em questões políticas que técnicas”, não dando informações certas sobre as análises de viabilidade. Victor Soares disse ainda que o Governo está a debater solicitar uma auditoria externa a “todo o projecto” para ver o que foi feito, como foi feito, o que está certo ou não. Victor Soares é um dos elementos no Governo da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), o maior partido do país, que se juntou ao actual Executivo para o viabilizar no que resta de mandato, que termina a 2023. O partido votou contra o tratado de fronteiras marítimas e o projecto do Greater Sunrise e contestou a compra da participação maioritária pela Timor Gap. Publicamente, o partido não contesta a decisão de trazer para Timor-Leste um gasoduto do Greater Sunrise – talvez o assunto mais complexo e polémico de todo o projecto, que tem dividido timorenses e australianos e sido contestado pelas petrolíferas internacionais. Em privado, porém, dirigentes do partido questionam não só a viabilidade do gasoduto, mas até a localização da unidade de gás natural liquefeito a criar, admitindo a sua transferência da costa sul, como prevê o actual projecto, para a costa norte. Com a questão do gasoduto a ser politicamente colada ao tema da soberania nacional – posição vincada por Xanana Gusmão e defendida na política do actual Governo – o partido admite que apresentar uma versão contrária poderia ter um custo político ou eleitoral. Questionado pela Lusa sobre o facto de a Fretilin não admitir publicamente as suas reservas sobre o assunto, Victor Soares refere-se à “euforia” da população. “Esta política tem vindo a ser desenvolvida, e os timorenses ouviram e expressaram que a fronteira marítima devia ser definida e o gasoduto ou oleoduto devia vir para Timor-Leste. Isto foi consumo público e toda a gente está com esta euforia de ter esta soberania e a nossa riqueza, mesmo a qualquer custo”, disse. “As pessoas mais formadas que conhecem a área e que têm acesso às informações específicas sabem que não é totalmente viável. Mas como a política já foi decidida, temos de ter cuidado com o partido. O nosso eleitorado não são todos políticos, não têm conhecimento de nível alto. Vamos ter esse cuidado”, admitiu. Independentemente disso, insiste, o importante é que os técnicos da Timor Gap e da ANMP concluam “uma análise de viabilidade económica de todo o projecto”, tendo em conta vários cenários para o preço do crude e os novos “parâmetros” no quadro do impacto da covid-19. “Temos de tomar uma decisão dependendo do estudo de viabilidade económica”, disse. “Mas estamos a pensar agora fazer um ajustamento, definir uma nova estratégica. Deixemos os técnicos do Timor Gap, os parceiros do consórcio e outras partes envolvidas no projeto, que vejam se é viável ou não, se é lucrativo ou não. E depois disso apoiaremos a escolha”, referiu. O Governo, explicou, partiu dessa base de que o gasoduto tem que vir para a costa sul do país, porém, sublinha Soares, essa opção terá necessariamente impacto naquela que é uma das principais zonas de agricultura do país, sector de que vive a ampla maioria da população. Motivo pelo qual, disse, a política tem que também ter em conta um adequado plano territorial que analise as melhores localizações possíveis. Empresa estatal na calha O Governo timorense quer criar uma empresa estatal, equivalente à petrolífera Timor Gap, para os minerais, e uma autoridade específica que permita regulamentar adequadamente o sector, adiantou também o ministro da tutela. “Tem de haver uma empresa estatal, como a Timor Gap. Vai haver discussão do código mineiro na especialidade e com certeza vai passar. Mas depois temos que elaborar os regulamentos e estabelecer uma autoridade específica para o sector dos minérios”, referiu. Actualmente a responsabilidade regulatória recai na Autoridade Nacional de Petróleo e Minerais (ANPM) que, segundo Victor Soares, vai ser dividida em duas, para que a nova entidade “possa fazer regulamento mais específicos para toda as actividades mineiras”. O governante garante que “várias empresas locais e internacionais expressaram intenção de investir nessa área” e que, para isso, há que terminar toda a regulamentação necessária. No cargo há apenas dois meses e no intuito de imprimir esse novo cunho, Soares já levou a cabo uma ampla reestruturação na liderança das várias instituições que actuam no sector do petróleo, com mudanças no comando da petrolífera, a Timor Gap, da Autoridade Nacional de Petróleo e Minerais (ANPM) e do Instituto de Petróleo e Geologia (IPG). Um dos elementos centrais do trabalho no sector é o futuro Código Mineiro, aprovado no final de Julho na generalidade no Parlamento e que vai agora ser analisado na especialidade, eventualmente com o apoio de técnicos especializados. Em preparação há vários anos, o código suscitou amplas diferenças de opinião entre partidos, interpretações sobre como o sector deve ser gerido, questões sobre licenças ambientais e até sobre a criação ou não de uma empresa pública para o sector. Uma primeira proposta apresentada ao Parlamento caducou, dado o fim da legislatura – Timor-Leste teve eleições legislativas em 2017 e antecipadas em 2018, tendo a versão aprovada na generalidade sido apresentada em julho de 2019, assinada por deputados do Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT), do Partido Libertação Popular (PLP) e do Kmanek Haburas Unidade Nacional Timor Oan (KHUNTO) – que integravam a anterior coligação do Governo – e ainda do Partido Democrático (PD). No sector, um dos projectos que se arrasta há vários anos é o da unidade de produção de cimento em Baucau, o TL Cement, onde têm havido avanços e recuos e onde se está prestes a esgotar o prazo da valência de um ‘depósito’ de 50 milhões de dólares, pelo Governo, como parceiro no projecto. Victor Soares explica que têm havido contactos com a empresa, mas que depois dos fundos já investidos pelo Governo é preciso que a empresa “contribua com o seu capital”. Igualmente em curso continua o projecto, no sector do petróleo ‘onshore’, da empresa Timor Resources, na zona sul do país. “Estivemos com os representantes timorenses, fizemos uma vídeo-conferência com a CEO [directora executiva] e o diálogo foi muito positivo. Estão interessados em continuar a investir e pediram o apoio político, da ANMP e Timor Gap para que possam continuar”, referiu. Em termos gerais, Victor Soares sustenta que Timor-Leste está “bem”, com um Governo “em pleno funcionamento e um parlamento com ampla maioria” e que a viabilidade está garantida. “Os investidores e os nossos parceiros não devem ter anseios e dúvidas e desconfianças porque Timor está bem e vamos trabalhar até ao fim do nosso mandato. Sempre encorajo todos a que devem confiar neste Governo”, disse. “Devem acreditar que Timor está no rumo certo” afirmou.