TNR | Mudanças nas leis podem afastar trabalhadores e causar problemas às famílias, diz estudo

Melody Lu, professora do departamento de sociologia da Universidade de Macau, realizou um estudo sobre quanto custa a um trabalhador migrante viver e trabalhar em Macau. As conclusões revelam que as empregadas domésticas estão numa situação laboral mais vulnerável face aos trabalhadores não residentes que trabalham no sector do turismo ou da segurança privada. A investigadora alerta para o facto de as mudanças legislativas aumentarem os custos laborais, fazendo com que os trabalhadores migrantes venham a optar por outros destinos

 

[dropcap]T[/dropcap]rabalhar em Macau está a ficar cada vez mais caro para um trabalhador migrante e isso pode causar problemas numa sociedade altamente dependente das empregadas domésticas para manter estável a estrutura familiar. A conclusão é de Melody Lu, professora do departamento de sociologia da Universidade de Macau (UM), que realizou um estudo sobre os custos laborais para os trabalhadores migrantes em Macau.

Para Melody Lu, o facto de o Governo estar a rever a lei das agências de emprego, obrigando potenciais trabalhadores migrantes a entrarem em Macau já com um contrato de trabalho assegurado, vai aumentar os custos do processo, suportados pelos candidatos, bem como a burocracia.

Tal pode afastar uma potencial mão-de-obra do território e causar problemas às famílias que necessitam de contratar empregadas domésticas, pelo facto de estas receberem salários bem mais baixos do que outros trabalhadores não residentes (TNR). O facto de as empregadas domésticas ficarem arredadas da proposta de lei do salário mínimo universal também não ajuda.

“O Governo de Macau tem duas leis que estão em discussão e que vão piorar a situação das empregadas domésticas. Por um lado, estas ficam excluídas do salário mínimo universal, além de que se propõe que estes trabalhadores não podem vir para Macau com visto de turista, devendo candidatar-se a um emprego antes de chegarem ao território. Isso vai, provavelmente, aumentar muito mais os seus custos com as agências de emprego.”

Nesse sentido, o mais provável será “ficarem com dívidas, enveredarem por práticas ilegais, porque não sabem o que acontece no território antes de chegarem, ou podem simplesmente não querer vir para Macau, porque os custos são muito elevados e provavelmente irão para outro lugar”.

Para Melody Lu, esta desistência por parte dos trabalhadores migrantes “vai trazer uma grande pressão às famílias de Macau que estão muito dependentes das empregadas domésticas”. “Em primeiro lugar, podem ter de esperar muito tempo para poderem ter uma empregada, ou então nem vão conseguir uma. Estes processos legislativos podem trazer consequências que não estão a ser discutidas tanto na sociedade como na Assembleia Legislativa”, salientou a investigadora.

“Uma em cada seis famílias possui uma empregada doméstica. Uma vez que as empregadas possuem horários flexíveis e baixos salários, [a contratação de uma empregada] tornou-se numa forma fácil para as famílias cuidarem de crianças e idosos. A taxa de emprego das mulheres em Macau é uma das mais elevadas da Ásia pelo que há muito tempo que as empregadas domésticas são a solução mais viável”

Fracas condições

Melody Lu realizou cerca de 700 questionários para o seu estudo, tendo dividido a amostra em dois grupos, constituídos por trabalhadores migrantes que realizam trabalho doméstico e pelos que trabalham no sector do turismo, hotelaria ou segurança privada. As disparidades são evidentes.

“Em média pagam-se 12 patacas por hora, e por norma as empregadas domésticas trabalham durante longas horas, mais do o horário feito no sector da hotelaria e turismo, porque ninguém controla quantas horas fazem.”

Apesar disso, a situação laboral nos sectores da hotelaria e turismo está longe de ser a ideal. “A maior parte dos trabalhadores da hotelaria têm melhores condições de trabalho porque são recrutados directamente, têm um contrato justo e têm iguais condições face aos locais, trabalhando oito horas por dia. Mas os que trabalham nas empresas são contratados através de empresas de segurança ou de limpeza, por via do outsourcing, então nunca há garantias.”

Para este estudo foram ouvidos trabalhadores de países do sudeste asiático e da China. As variáveis analisadas passam pelos salários ganhos, os montantes enviados para as famílias que se encontram nos países de origem e os custos com alojamento e alimentação, bem como o número de horas de trabalho por dia.

Maior flexibilidade

A fim de reduzir aos poucos esta dependência da sociedade face ao trabalho desempenhado pelas empregadas domésticas, Melody Lu acredita que é necessário criar condições mais flexíveis e investimentos em infra-estruturas de apoio à família.

“O Governo de Macau tem investido em infra-estruturas para crianças, penso que neste momento a oferta para creches está acima do número de nascimentos, mas o problema principal é a localização. Temos de ver se é viável para uma família colocar o seu filho nesta ou naquela escola porque depende dos transportes e locais de trabalho.”

Para Melody Lu, é necessário “partilhar o local de trabalho com os filhos”, sendo que isso passa pela flexibilidade de horários e por um encorajamento junto dos homens para que partilhem as tarefas familiares.

“Devemos encorajar os empregadores e grandes empresas a ter infra-estruturas para crianças perto dos locais de trabalho. Aí será mais fácil para os pais, os custos seriam mais reduzidos se houver uma concepção em termos de localização dessas estruturas.”

Melody Lu acredita que esta seria uma medida difícil de pôr em prática por parte das Pequenas e Médias Empresas (PME), que possuem uma menor viabilidade financeira face às grandes empresas.

“Se olharmos para todo o pacote implica uma mudança de mentalidades a vários níveis. Por exemplo, a lei laboral não é má, mas não há como verificar se está a ser cumprida ao nível dos contratos que são assinados entre patrões e empregados migrantes. Não há monitorização quanto ao pagamento do salário, há um problema de implementação da lei e não na lei em si.”

Falta de informação

Melody Lu acusa o Governo de não ouvir grupos que defendem os trabalhadores migrantes e de não providenciarem informação sobre o assunto. “Não sabemos muito bem o que está a acontecer porque não há uma consulta sobre o assunto. Queria que tanto os deputados, como os governantes e as famílias tivessem consciência de que isto trará consequências, porque a necessidade de uma empregada doméstica ou de um cuidador é muito elevada.”

“Se ninguém ajudar as mães estas não conseguem trabalhar fora de casa, e é uma necessidade com a qual temos de lidar no imediato. Se criarmos um sistema onde se tem de esperar muito tempo por um trabalhador migrante, não será viável para a sociedade de Macau”, salientou a responsável, que fala ainda de falta de coordenação por parte das entidades governamentais.

“Todos estes problemas são geridos por diferentes departamentos do Governo, então não há cooperação. Eles [departamentos governamentais] pensam que não é um problema deles cuidar dos trabalhadores migrantes. Cada vez que há uma mudança legislativa estes nunca são ouvidos. Temos vários grupos em Macau muito activos, mas são excluídos dos canais oficiais de consulta, uma vez que os documentos estão apenas em chinês e português.”

Melody Lu é, ela própria, patroa de uma empregada doméstica, e fala das zonas cinzentas do diploma em vigor. “Quando me candidatei a uma quota, disseram-me que tinha de ter um contrato, mas ninguém foi verificar se tinha um contrato ou não, e nem nos serviços de imigração verificaram, porque não é da sua responsabilidade. Então penso que há uma grande falha na implementação da lei.”

Esta terça-feira Vong Hin Fai, deputado que preside à terceira comissão permanente da Assembleia Legislativa responsável pela discussão na especialidade da proposta de lei das agências de emprego, garantiu aos jornalistas que as associações que representam os trabalhadores migrantes serão ouvidas no hemiciclo. Em Fevereiro, num encontro histórico, várias associações sediadas em Macau reuniram com a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais sobre as más condições de trabalho das empregadas domésticas e a necessidade de inclusão na proposta de lei do salário mínimo, mas os resultados da reunião estiveram longe de satisfazer as demandas.

Hong Kong | Sindicato publica documento sobre leis e políticas de Macau

Fish Ip, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos de Hong Kong, disse ao HM que o problema da falta de informação sobre políticas e leis em vigor em Macau é tão grande que a entidade resolveu criar um documento informativo, em inglês, sobre aquilo que está a ser implementado no território.

“Descobrimos que o Governo de Macau não tem informado os grupos de trabalhadoras domésticas sobre as suas políticas e revisões de leis, e tudo está em chinês e português. Por isso fizemos esta investigação ao nível das leis e políticas em vigor, para que fique claro o que está a acontecer.”

Questionada sobre as propostas de lei relativas ao salário mínimo universal e à regulamentação das agências de emprego, Fish Ip assegura que “estão a diminuir os direitos”. “A punição para as agências é muito baixa e não é providenciado um bom mecanismo para que os trabalhadores possam queixar-se. Além disso, a proposta de lei do salário mínimo universal exclui os trabalhadores migrantes e vai proibir-se a entrada em Macau com visto de turista. Isso vai criar mais desafios aos trabalhadores migrantes”, concluiu.

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