Mulheres depois dos Setenta (anos da República Popular da China)

[dropcap]Q[/dropcap]ual o estado da igualdade de género na República Popular da China, depois de setenta anos? A revolução tirou as mulheres da cozinha e pô-las a carregar a bandeira do proletariado, longe do patriarcado feudal. Ainda há pouco tempo foi divulgado o white papers onde discutiam o desenvolvimento notável da expressão e participação das mulheres no domínio laboral e público, para além de melhores condições de vida. Os números mostram que tudo está a melhorar.

Mas nestes setenta anos o regime também tem assistido a algum descontentamento popular porque as medidas pela igualdade de género parecem precisar de uma actualização. Desde o movimento do coelho de arroz (que em mandarim se lê ‘mi tu’) para denunciar a normalização do assédio sexual em vários contextos, às feministas que foram presas por distribuir autocolantes a incentivar denúncias de assédio, à divulgação do problema sério que é violência doméstica (que só em 2015 viu leis a serem postas em prática), à pressão para rejuvenescer a população, contribuindo com dois filhos, que muitas não querem participar – em geral a situação não vai assim tão bem. O regime parece estar melindrado com a imposição de valores ocidentais hostis (mi tu = metoo) e assim evita discutir que igualdade de género é, afinal, esta. A preocupação com o envelhecimento da população e a queda da política do filho único em 2015, já levou o actual Presidente a insinuar que as mulheres devem voltar a dedicar-se a cuidar dos mais novos e dos mais velhos. A política do filho único que, de alguma forma, contribuiu para o investimento nas meninas (aos que, desgostosamente, não tinham um filho) fê-las mais letradas, e mais competitivas no mundo do trabalho. Só que agora parece que a mensagem é: ‘Já chega, já podes voltar a ser a mãe de família’. As universidades estão com tantos homens como mulheres só que a igualdade fica por ali. No mundo do trabalho a primazia do homem é evidente, que, aliás, sempre foi, com a quantidade de abortos e infanticídios ditados pela preferência que a criança tivesse um pénis em vez de uma vulva. E como uma socióloga referiu numa reportagem feita à Aljazeera sobre o tema, com o comunismo as mulheres podem ter saído da cozinha, mas os homens não entraram lá.

Já para não falar que a conversa, por este lado do mundo, continua binária e heterossexual (sempre com a feliz excepção de Taiwan). Os direitos LGBTQ+, que nem fizeram parte dos objectivos originais da revolução, precisam de ser incluídos depois de setenta anos a serem quase ignorados. Estes vêm acoplados com as preocupações de igualdade de género populares. Muitas activistas da área dizem ter esperança porque a contestação existe: nas redes sociais e em formas mais subtis do que manifestações públicas de reinvindicação. A visão exterior até pode ser de que a tradição está acima de tudo, mas na prática vemos uma flexibilidade não declarada, formas criativas de expressão de identidades de género e sexuais e até famílias (poucas) que aceitam a saída do armário sem grandes dramas – flexibilidade essa que esperamos um dia ver oficializada com políticas mais inclusivas, garantido mais direitos aos chineses que durante estes setenta anos se sentiram nas franjas do protagonismo nacional.

Vivem-se tempos curiosos para esta China globalizada que se mantém fiel à recusa dos valores tidos como ocidentais. Uma China septuagenária que diz que defende e preza a vontade das suas pessoas. Feliz aniversário pelos seus setenta anos de existência.

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