RPC, 70 anos | Economia, o sinuoso caminho da prosperidade

[dropcap]Q[/dropcap]uando se celebram sete décadas desde a fundação da República Popular da China, o Partido Comunista está a dobrar esforços para garantir que o desenvolvimento económico, principal fonte da sua legitimidade, alcança todo o país.
No remoto noroeste da China, longe das prósperas províncias do litoral, o chinês Xinwang anda há cinco anos a construir estradas, caminhos-de-ferro, pontes e túneis em regiões montanhosas, personificando os esforços de Pequim para erradicar a pobreza no país. A nova estação de comboios de Xining, capital da província de Qinghai, foi a primeira obra em que trabalhou.
Com uma população composta sobretudo por minorias étnicas, incluindo tibetanos, Qinghai é das províncias mais pobres e com menor densidade populacional da China, mas novas linhas ferroviárias de alta velocidade conectam agora a região às províncias vizinhas de Sichuan e Gansu.
“Desde então, fiquei por aqui”, conta Xinwang, 31 anos, à agência Lusa, enumerando as obras em que trabalhou a seguir: a linha ferroviária de alta velocidade entre as regiões de Gansu e Xinjiang ou uma autoestrada de 900 quilómetros que atravessa Qinghai de norte a sul.
Algumas destas obras de conectividade contrariam regras económicas básicas das ligações ferroviárias de alta velocidade, inventadas para percorrer distâncias relativamente curtas e por corredores densamente povoados.

Receitas não cobrem desenvolvimento

A receita anual da ligação entre Gansu e Xinjiang, que tem quase 1.800 quilómetros de extensão, por exemplo, nem sequer cobre os custos com eletricidade, segundo estimativas chinesas. Mas o Partido Comunista quer garantir que erradica a pobreza do país, quando se celebram sete décadas da sua governação, cuja promessa original foi garantir prosperidade para todos.
Segundo dados oficiais, nos últimos seis anos, o país mais populoso do mundo, com cerca de 1.400 milhões de habitantes, retirou da pobreza 82,39 milhões de pessoas, reduzindo para 1,7% a população a viver com menos de 2.300 yuan anuais – a linha de pobreza estabelecida pelo Governo chinês.
Longe do espectacular desenvolvimento económico que formou no litoral da China mega metrópoles, arranha-céus e uma classe média superior a 500 milhões de pessoas, o oeste da China permanece sobretudo pobre e vulnerável ao separatismo, sobretudo nas regiões do Tibete e Xinjiang.
O investimento massivo em infraestruturas tirou do isolamento várias comunidades, enquanto o projecto internacional lançado por Pequim “Uma Faixa, Uma Rota” tem reforçado as vias comerciais do oeste do país, com ligações ferroviárias e rodoviárias à Europa e Oceano Índico, cruzando Rússia e Ásia Central.
No entanto, o terreno montanhoso, clima inóspito e diferenças culturais tornam difícil erradicar e manter as comunidades fora da pobreza.

Da civilização

Para chegar a casa da família dos Chou, na povoação de Angsai, prefeitura autónoma tibetana de Yushu, é preciso percorrer quase 100 quilómetros por estreitas estradas de terra batida, entre curvas e contracurvas, e com os pneus a roçar desfiladeiros. A habitação, que consiste num aglomerado de três contentores, surge inclinada, face ao terreno acidentado, dando uma sensação inicial de desequilíbrio. A vida decorre ali como há cem anos.
As famílias passam o dia em tendas semelhantes aos ‘yurts’ mongóis: as mulheres, à volta do fogão, preparam refeições e chá de manteiga; os homens fumam e conversam durante horas a fio. Não há saneamento básico ou rede móvel.
Dong, o filho mais novo dos Chou, lembra à Lusa quando Angsai era uma terra “sem lei nem ordem”: discussões ou disputas por terrenos acabavam frequentemente “à facada”. Nos últimos anos, uma campanha contra o crime tornou a comunidade mais segura, conta.
Um projecto de ecoturismo permite agora às famílias locais hospedarem turistas, atraídos pela vida selvagem e singular paisagem do planalto Qinghai – Tibete. A quatro mil metros de altitude, largas planícies pontuadas por lagos encerram-se entre montanhas. Na natureza intacta, observam-se leopardos das neves, ursos pardos asiáticos, lobos ou linces.
Mas a fé budista dos tibetanos, num país oficialmente ateísta e cujo pragmatismo e devoção ao dinheiro configuraram grande parte da sociedade, parece disputar a visão de “progresso” promovida por Pequim.
A família dos Chou, por exemplo, tem quarenta iaques – os bovinos típicos da região dos Himalaias – mas grande parte dos lucros da criação dos animais remete para os matadouros e retalhistas. “A nossa fé não permite que matemos o animal”, explica uma tibetana. “Muitas famílias criam iaques, mas vendem-nos por pouco dinheiro, para que outros os matem”, diz.
João Pimenta, agência Lusa

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