Modern Love

[dropcap]V[/dropcap]ivemos em tempos que privilegiam a vontade individual. Certamente já se confrontaram com o individualismo que co-existe com a tentativa de vivermos em paz e harmonia social. Somos egoístas, competitivos, invejosos (talvez porque nos é exigido) e ainda é suposto sabermos relacionarmo-nos com o(s) outro(s). Este individualismo exacerbado que coloca a meritocracia num pedestal (todos são capazes de tudo) peca em dar conta das fragilidades individuais e de como precisamos dos outros para ultrapassá-las. O grande segredo para a felicidade são os outros – e a partilha e conforto que nos possibilitamos nessas relações.

Nas relações amorosas em particular, que pressupõe uma partilha de fragilidades, um sobrepor de existências, de alegrias e de medos, vemos a fórmula 1+1=3 para dar conta da complexidade de uma relação íntima. O sucesso de uma relação depende de uma combinação entre eu, tu e nós como entidades que existem e co-existem, com limites às vezes mais claros, outras vezes menos. A complicação desta fórmula assenta precisamente na tensão entre ser individual e colectivo e de perceber que limites precisamos de estabelecer. Ninguém ainda definiu um equilíbrio saudável entre o que é a gestão emocional individual e dar conta das dificuldades em conjunto. Ao que damos prioridade? A nós próprios ou ao outro?

O amor como literatura bem que enfatiza a entrega completa. A entrega que nos faz dissolver com o outro e onde os limites do que nós somos e por onde vamos ficam completamente confusos. Ficamos à mercê das nossas emoções e dos nossos apetites, esquecemo-nos de nos individualizarmos e isso não precisa de ser mau. Mas não fica para sempre assim. Isso seria consumirmo-nos e deixarmos de existir por completo. A possibilidade de individualizarmo-nos nem aparece na literatura porque talvez não seja romântico. A gestão emocional que pressupõe continuar a ser quem somos, não totalmente como éramos, mas uma nova versão de nós próprios, é o grande segredo do amor. Um segredo que não é desvendado com uma solução perfeita. É daqueles segredos que é explorado por tentativa e erro, em todas as relações que temos, e com todas as partilhas que deixamos que aconteçam. Talvez os mais românticos sejam os que se atiram de cabeça sem olhar para os seus umbigos, talvez os mais práticos sejam mais exigentes com os seus limites. Há muitas formas de amar. Só que a coisa relacional funciona se o amor próprio e o amor pelo outro constituírem sistemas de alimentação interligados, mas não dependentes um do outro. Onde o cuidado é co-partilhado e co-responsabilizado e não é de exclusiva responsabilidade de qualquer das partes.

As sociedades ditas individualistas e colectivistas provavelmente apresentam expectativas muito distintas de amor romântico e do significado de ‘nós’. Como um jogo de necessidades, sociedades que pressupõem ligações mais próximas ou distantes devem alterar as expectativas do amor romântico também. Não saberemos bem como, porque a natureza do amor romântico continua a ser um segredo, um mistério que por mais reflexão literária e investigação científica continua a ser absurdamente incompreendido. Em tempos de exaltação do auto-cuidado, do mindfulness e da gestão individual das nossas emoções e dificuldades num ocidente neoliberal, corremos o risco de não ver para além de nós próprios. Podemos até chegar a extremos onde o outro deixa de existir por completo. Só que o amor não é uma seta de cupido num vácuo social.

O amor fazemo-lo sempre acompanhados.

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