Sexo Bipolar

[dropcap]O[/dropcap] que dizer da semana em que o estado do Alabama passou a proposta lei do aborto mais restritiva e Taiwan tornou o casamento homossexual uma possibilidade legal? Choramos e celebramos recuos e avanços na mesma semana – para nos sentirmos profundamente confusos. Avanços e recuos num movimento perpétuo.

O estado bipolar sexual em que vivemos provém da confusão que são os nossos sistemas sócio-políticos. Temos testemunhado movimentos que começaram a deixar para trás o pensamento progressista que julgávamos carregar. Têm-se construído barreiras discursivas e simbólicas para deslegitimar o que são lutas e visibilidades absolutamente necessárias. A 17 de Maio celebrou-se o dia internacional da luta contra as fobias de género e de orientação sexual – e é com insatisfação que me apercebo que o dia terá que continuar a existir por muito tempo. Quando os partidos em Portugal para as eleições europeias fazem uso do termo ‘ideologias de género’ para deslegitimar a naturalidade do nosso ser, devíamos preocuparmo-nos. Mas depois temos Taiwan, o orgulho dos nossos olhos neste grande continente Asiático. Há esperança – se calhar há.

No Alabama – e sobre o aborto que é agora punido com 99 anos de prisão – a contestação é criativa e eficaz para desmascarar os supostos valores pela vida. Valores que carregam mais raivas silenciosas contra os corpos detentores de útero do que outra coisa. Um país que se recusa a regular as armas para regular os úteros – torna ainda mais visível a bipolaridade patriarcal em que vivemos. O valor da vida de um embrião é exageradamente tido como o de um bebé. Só que por alguma razão o valor da vida da mulher que é violada (no cenário mais negro) é discutível. A pena é mais alta para quem faz um aborto do que para quem viola uma mulher. Esta lógica não chegou às pobres cabeças que provavelmente nunca tiveram educação sexual, mas que tomam decisões sexuais. Não sabendo dos corpos e dos processos apelam-se a valores universais da vida em contraste com a morte (o assassinato!) e controlam-se os corpos dos outros por consequência.

Houve quem sugerisse greve sexual para reforçar que os úteros, as vaginas e as vulvas são de quem as têm. Mas nem sei se isso irá funcionar porque o problema está na ausência de respeito centenária por quem os têm.

Depois temos Taiwan que muito nos emocionou nesta semana. Foi tão bom apreciar as fotografias das gentes que na rua manifestaram a felicidade de um amor que agora pode ser legalmente reconhecido. Outros direitos virão. Outras lutas por esta Ásia fora serão travadas – certamente. Em Taiwan mostrou-se que a liberdade para sermos quem somos pode coexistir com o sentido de compreensão social. Ainda que os direitos não sejam plenos, como os da adopção, já é um começo.

Vivemos em sociedades que usam e abusam do quão bipolar somos – entre responsabilidade individual e social, usam-se estratégias ideológicas a nosso bel-prazer. O corpo é de quem? Nosso ou de todos? Como é que se equilibra os valores liberais com solidariedade e respeito mútuo? A síndrome bipolar sexual vive desta indecisão. A forma como escolhemos justificar este dilema pode legitimar ou deslegitimar os outros. Em Taiwan, a prioridade foi a liberdade de identidade e de expressão sexual e no Alabama a lógica da vida por nascer é romanceada em contraste com as vidas que, de pele e osso, se sujeitaram ao pecado mortal. Nem quando essa vida é fruto de um incesto a liberdade prevalece. Quando queremos um mundo justo, vemo-nos confrontados com a dispersão de dificuldades e posições sociais. Talvez possa ser feliz em Taiwan e talvez nunca precise de ir ao Alabama. Mas e a nossa responsabilidade em criar um mundo menos bipolar e mais preocupado com os direitos humanos?

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