Um volte face

[dropcap]O[/dropcap] general Wu Sangui (1612-1678), estacionado na Passagem de Shanhaiguan, tinha sobre o seu comando o único exército capaz de fazer frente, tanto ao dos rebeldes comandados por Li Zicheng, que com 60 mil homens cercava Beijing, como ao dos manchus, à frente do qual estava Dorgon, o Príncipe de Rui regente da manchu Dinastia Qing, que no outro lado da Grande Muralha esperava uma oportunidade para invadir a China. Após o Imperador Chongzhen se enforcar, encontrava-se o filho, o príncipe Zhu Cilang, prisioneiro de Li, que entrara triunfante na capital. Wu, que se recusara a enviar o seu exército para ajudar o imperador, agora negociava alianças, primeiro com Li, para este lhe entregar o herdeiro ming com o título de Príncipe e conceder-lhe o poder feudal sobre as províncias ocidentais, comprometendo-se a não o hostilizar quando como imperador subisse ao trono. Li convencido ter força bastante para derrotar Wu não aceitou e avançou para a guerra, mas o general fizera também um acordo com Dorgon e numa aliança, aceitou o título de príncipe feudal manchu, abrindo as portas da Grande Muralha em Shanhaiguan para o exército qing entrar na China.

Quando Li Zicheng iniciou o combate e de repente apareceu a cavalaria manchu percebeu ser melhor retirar-se para Beijing e cumprir o acordo, enviando o príncipe herdeiro a Wu Sangui. Este logo proclamou Zhu Cilang imperador e assumiu-se seu regente, negociando a paz com Li; permitiu-lhe ficar com o produto do saque, mas teria de se retirar de Beijing para as províncias do Oeste, dividindo a China entre os dois. Esta a solução mais conveniente para Wu pois, em vez de ser príncipe feudatário dos manchus, tornava-se regente do imperador ming.

Sem suspeitar do acordo entre Wu e Li, Dorgon preparava a invasão a Beijing, mas a retirada de Li da capital, levou-o a imediatamente seguir com o seu exército e cercar a cidade. Encontrava-se o acampamento de Wu nos arredores, fazendo-se os preparativos para no dia seguinte ser o Imperador Zhu Cilang colocado no Trono do Dragão. Sabendo de tal, o Príncipe de Rui proibiu o acesso do general Wu e do jovem soberano ao Palácio Imperial e no dia 6 de Junho de 1644 foi buscar ao acampamento o general e com ele seguiu para a Sala do Trono do Palácio, onde como regente do Imperador Shunzhi aceitou em nome deste o trono. O primeiro acto foi “conceder a Wu o principado prometido e logo a seguir ordenar-lhe que perseguisse e derrotasse Li e trouxesse de volta o tesouro roubado e o produto do saque de Pequim.”

Seguiam os revoltosos liderados por Li Zicheng para Oeste, a caminho de Shaanxi, quando as tropas manchus e ming unidas os perseguiram e onde hoje é a província de Hubei, Li foi morto numa batalha no Monte Jiugong, com a idade de 39 anos, encontrando-se o seu mausoléu no distrito de Tongshan. No entanto Gonçalo Mesquitela tem outra versão e refere, “Numa série sucessiva de acções, Li foi derrotado e teve que se refugiar na longínqua província de Shaanxi, depois de perder tudo de que se apropriara. Dois anos depois entrava para a vida monástica, no Sul de Hunan, no Monte Chia, em Au-Fu, onde se refugiara. Ali viveu mais 28 anos, como monge anónimo, até morrer em 1674.”

Fim da Dinastia Ming do Sul

Os manchus conquistaram a capital e capturaram os dois filhos do Imperador Chongzhen, fazendo-os desaparecer. Extinguia-se a linha directa do último imperador ming, mas tal não significou ficarem os manchus a controlar a China, pois muitos dos oficiais ming preferiram, em vez de colaborar com os usurpadores bárbaros e manter os privilégios, apoiar os descendentes da família real que pelo Centro e Sul ergueram a Dinastia Ming do Sul (1644-1662).

Curtos e sucessivos reinos ming foram criados, sendo o primeiro estabelecido em Nanjing e durou um ano, terminando no Verão de 1645, seguindo-se a conquista pelos manchus dos reinos de Shaoxing e de Fuzhou (Fujian), onde em Outubro de 1646 foi executado o Imperador Long Wu (Zhu Yujian, Príncipe de Tang). O seu irmão mais novo, Zhu Yuyue escapando de barco chegou a Guangzhou onde fundou um novo estado Ming, tendo a 11 de Dezembro de 1646 ficado com o título de reinado Shao Wu. Mas em Zhaoqing, capital da província de Guangdong e Guangxi, já se encontrava Zhu Youlang como imperador. Guerreavam-se ambos pelo trono quando em Janeiro de 1647 o exército manchu liderado por Li Chengdong tomou Cantão e matou Shao Wu.

Sobrava Zhu Youlang (1623-1662), Príncipe de Yongming e neto de Wanli (14.º imperador ming entre 1573 e 1620), que desde 18 de Novembro de 1646 ostentava o título de Imperador Yong Li (1646-1662) e fora para Zhaoqing devido ao suporte de Qu Shisi, oficial militar ming com o cargo da defesa dessa província. Era também ajudado por três mandarins convertidos ao Cristianismo, assim como pelo eunuco Pang Tianshou, baptizado em 1628 pelo jesuíta Longobardi em Beijing, que o acompanhou sempre com grande fidelidade.

Li Chengdong, ex-comandante da Dinastia Ming do Sul que liderava um grupo de tropas Qing, após capturar Cantão seguiu para Zhaoqing, de onde Yong Li se retirou e fugiu para Guilin. Em auxílio do imperador Macau enviou 300 soldados portugueses, sobretudo artilheiros, comandados por Nicolau Ferreira e ajudados por missionários jesuítas, que conseguiram acabar em Julho com o cerco feito desde Março de 1647 à cidade de Guilin. Expulsos os manchus, esta vitória foi o sinal para a revolta geral na China e não somente em Guangdong.

Os manchus tinham deixado nos postos os governadores ming que se lhes submeteram, mas estes colocaram-se ao lado do Imperador Yong Li quando se começou a acreditar ser possível voltar a restabelecer a Dinastia Ming. Até 1649 os governantes de sete províncias (Yunnan, Guizhou, Guangdong, Guangxi, Hunan, Jiangxi, Sichuan) e de três províncias no Norte, Shaanxi, Shanxi e Gansu, assim como Fujian e Zhejiang, juntaram-se ao Imperador. Às suas forças aliaram-se ainda as do exército armado de camponeses que integrara o grupo de Li Zicheng e as tropas ming, até então associadas com as dos manchus.

Em Guilin, o jesuíta alemão André Koffler baptizou em 1648 a Imperatriz Helena, esposa de Yong Li, assim como Ana, a mãe deste e o filho herdeiro, Constantino.

Em 1650, os manchus atacaram de novo Cantão com dois exércitos, capitaneados por Geng Jimao e Shang Kexi, cercando-a durante nove meses. A cidade foi conquistada em 25 de Novembro, morrendo mais de cem mil pessoas e três dias mais tarde, os manchus tomavam e saqueavam Guilin. Nos finais de 1651 estava Yong Li reduzido às províncias de Yunnan e Guizhou e mesmo aí perseguido.

Em 1656 o general Sun Kewang quis ocupar o lugar de Yong Li, sendo este protegido pelo general Li Dingguo que, após uma batalha, o levou para Yunnan. Derrotado, Sun Kewang passou com o seu exército para o lado dos manchu e perseguiu o imperador, que teve de fugir para Burma. Em 1661, Yong Li foi entregue aos manchus e por ordem do general Wu Sangui estrangulado em Yunnan a 11 de Junho de 1662.

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