Entrevista EventosCarlos Ramos, programador do IndieLisboa: “Macau está mais sólida” Andreia Sofia Silva - 29 Abr 20191 Mai 2019 Os 20 anos da transferência de soberania de Macau para a China celebram-se este ano na tela graças ao festival de cinema IndieLisboa, que tem início no próximo dia 2 de Maio. Carlos Ramos destaca a contemporaneidade dos filmes escolhidos e a evolução do cinema de Macau, sem esquecer a busca pela diversidade daquilo que se vai filmando na Ásia [dropcap]O[/dropcap] que levou o Festival a homenagear os 20 anos da transição de Macau? Este é o terceiro ano consecutivo em que trabalhamos com o Turismo de Macau, devido às várias ligações que existem entre o IndieLisboa e Macau, não só ao nível de alguns programadores do festival que viveram em Macau, mas também devido a um conjunto de filmes que passamos do Ivo Ferreira ou do Guerra da Mata, por exemplo. Com essa colaboração mostramos uma nova cinematografia de Macau, algo que tem funcionado ao nível de sessões de cinema, com conjuntos de curtas e longas metragens que seleccionamos da produção anual de Macau. Já o ano passado queríamos fazer um programa que juntasse o novo filme do Ivo Ferreira, mas houve agora oportunidade de o fazer, dado o mote da transferência de soberania e dos 20 anos. O Ivo também vai estar no júri. Temos a oportunidade de mostrar o foco de alguém que viveu em Macau, e o filme fala um pouco sobre isso, dessa passagem de Macau de Portugal para a China. Por outro lado, queremos mostrar o que se está a fazer de novo em Macau. Estas sessões têm sido muito bem recebidas no Indie. Todos os filmes que vão estar em exibição foram feitos em 2018. Como chegaram a estes realizadores? Recebemos anualmente um conjunto de filmes desenvolvidos pelos vários apoios que existem em Macau para a produção cinematográfica. Um dos critérios é a diversidade do que é feito, porque o Indie é um festival generalista e isso tem eco na programação de Macau. A ideia é ir do documentário à ficção e animação. Temos algumas animações que funcionam por desenho e formato digital, mas depois temos o documentário “The Cricket Dinasty” que fala da luta de grilos que ainda se faz em Macau e na China e que é uma tradição que se tem vindo a perder. O programa complementa-se depois com duas ficções. Uma delas é bastante divertida e fala de um grupo de avós que se juntam, embora o que está por detrás disso seja sempre uma coisa universal, um capitalismo algo latente, pois estas avós não têm meios e juntam-se para assaltar um banco. Depois há outro filme que fala de jovens que trabalham em entregas e que têm de recorrer a outros meios para sobreviver. Há uma linha que mostra a nova cinematografia de Macau, mas que endereça também questões sociais globais. São filmes que mostram uma Macau contemporânea. O filme do Ivo fala-nos deste hotel Império que existia ainda no tempo português, e que depois resistiu e se mantém, e fala também um bocadinho destes fantasmas e de como os vestígios da presença portuguesa vão desaparecendo. Por outro lado, faz-se um contraponto com umas curtas que mostram Macau hoje em dia. A cinematografia de Macau está pouco desenvolvida se compararmos com o que se faz na China e em Hong Kong. Nota, ainda assim, alguma evolução? Macau já tem uma cinemateca, por exemplo. Nota-se alguma evolução. Consegue notar-se alguma evolução nestes filmes em relação aos primeiros, e acho que isso é fruto, por um lado, dos apoios que estão a existir, e por outro do trabalho da Cinemateca Paixão, com quem nós também colaboramos e que é um dos pontos de ligação do Indie com Macau. Trazemos a Lisboa os realizadores macaenses, mas depois levamos umas curtas portuguesas para Macau para mostrar um pouco a contemporaneidade do cinema português. Esse trabalho da cinemateca tem sido muito importante para desenvolver o cinema em Macau e também a forma como ele é feito. Lembro-me que, da primeira vez que vimos algumas películas para programar para o festival, havia alguma dificuldade na obtenção dos filmes e que também não havia muitos disponíveis. Este ano foi completamente diferente. Macau ainda está longe dessas cinematografias de que falou e tem algumas fragilidades, mas está mais sólida. FOTO: IndieLisboa Que realizadores são mais representativos do cinema de Macau dos dias de hoje? Ivo Ferreira e Tracy Choi são fundamentais. Mostrámos a longa da Tracy Choi na primeira edição e ela veio ao IndieLisboa. Queremos promover o contacto profissional entre os realizadores de Macau e os meios dos festivais europeus. E a Tracy é uma das pontas de lança do cinema em Macau. Na altura, os contactos que se fizeram foram muito importantes. O que é que o público pode esperar dos restantes filmes asiáticos? O festival tem sempre um maior pendor europeu mas procuramos sempre ter uma diversidade regional. Este ano destacaria alguns filmes, como por exemplo uma longa-metragem na secção de competição internacional que estreou na Holanda este ano, intitulada “Present Perfect”, e que é um documentário muito contemporâneo que retrata seis ou sete pessoas que vivem nas suas casas e nos seus quartos e transmitem toda a sua vida pela Internet. É uma reflexão sobre os dias de hoje, mas também sobre a solidão que a tecnologia pode trazer à vida das pessoas. Destacaria também três curtas metragens. Uma delas é uma animação delirante, com personagens que andam num autocarro e galinhas que gostariam de ir para o exército. É uma coisa muito surreal. Temos um filme do Camboja que tem uma ligação com os filmes de Macau, porque também fala de uma transição e de uma região que existia e que deixa de existir para se tornar num campo de golfe. O filme vive no presente, passado e futuro. A curta-metragem “A Fly in the Restaurant” é também um conto de animação, mas o mais interessante neste filme é mesmo a parte formal, porque funciona como se fosse uma câmara que roda à volta de si própria e as histórias vão acontecendo de forma circular. Como descreve o cinema do sudeste asiático, por comparação com o cinema chinês? Este já é mais conhecido na Europa, o que se faz no sudeste asiático começa a despertar mais interesse? Sempre despertou interesse. A questão é que num festival como o Indie vamos sempre à procura de novas cinematografias em todo o mundo. A China, também por causa da sua dimensão e por estar mais cimentada no cinema internacional, tem uma maior oferta. Mas não olhamos para a China como algo diferente do sudeste asiático, vamos é à procura de novas vozes e gerações de realizadores. No cartaz Na categoria “Especial Macau 20 anos” será exibido “Foco Macau – 20 anos depois” de Lou Ka Choi, bem como “The Cricket Dynasty”, de Chang Seng Pong, ambos de 2018. O cartaz conta também com a película “G.D.P.: Grandmas’ Dangerous Project”, de Peeko Wong, e “Rabbit Meets Crocodile”, de Sam Kin Hang, um filme de animação também produzido em 2018. “Sheep”, de Mak Kit Wai, também do mesmo ano, encerra o cartaz dedicado ao cinema local. O IndieLisboa leva também um pedaço do cinema asiático a Lisboa, com as curtas-metragens chinesas “A Fly in the Restaurant”, de Xi Chen e Xu An, bem como “Wong Ping’s Fables 1”, de Hong Kong. “A Million Years”, uma curta de Danech San, em representação do Cambodja, será também exibida. O IndieLisboa acontece entre os dias 2 e 12 de Maio em vários locais da capital lisboeta e contará com mais de 50 filmes portugueses, presentes em toda a programação, entre estreias mundiais, estreias nacionais e primeiras obras. Há 17 filmes na competição de curtas-metragens.