VozesSem racionalidade não há segurança rodoviária Sérgio de Almeida Correia - 8 Mar 20198 Mar 2019 [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 1 de Março, na Av. Marginal Flor de Lótus, ocorreu mais um acidente rodoviário que custou a vida a uma jovem de apenas 22 anos. Aparentemente, a motorizada em que aquela circulava foi embatida por uma carrinha que não respeitou o sinal de paragem obrigatória (stop) e a regra da prioridade que militava a favor da malograda motociclista. Entretanto, tomei conhecimento de que por causa disso foi convocada uma manifestação para o dia 9 de Março, por parte de um conjunto de deputados, visando protestar contra o reconhecimento mútuo de cartas de condução entre a RAEM e a RPC. São coisas diferentes. Não estando em causa o legítimo de exercício do direito de manifestação e indignação relativamente a essa decisão, nem o aproveitamento político que lhe possa estar subjacente, considero que seria importante voltar a reflectir sobre as razões para que num espaço tão pequeno como é Macau ocorram tantos acidentes e tão graves. Começando por aqui, seria bom que se tivesse presente o quadro abaixo, elaborado a partir dos dados disponibilizados pelos Serviços de Estatística e Censos (DSEC), relativamente aos últimos anos: * – Fonte: dados obtidos online na página da DSEC Creio que o número total de vítimas da DSEC se refere a pessoas envolvidas quer em acidentes de viação quer em transgressões às leis de trânsito, visto que se não sendo o resultado a soma de feridos e mortos não se vê de onde vem tal número. Mas independentemente das dúvidas que possam resultar desse indicador, os números dos acidentes de viação, transgressões às leis do trânsito, de mortos e feridos seria mais do que suficiente para fazer soar todos os alarmes. Há pouco mais de dois anos, neste mesmo jornal, deixei umas “Notas Rodoviárias” em que foram abordadas algumas questões atinentes a este assunto. Volto hoje ao tema. O reconhecimento mútuo de cartas de condução entre a RAEM e a RPC, que de novo está na ordem do dia, é apenas uma ínfima parte de um problema maior. Esse reconhecimento poderá contribuir para um maior congestionamento do trânsito e um agravamento da actual situação, mas em nada ajuda a combater a atitude irresponsável de muitos condutores, sejam eles de automóveis ligeiros, motociclos ou pesados, públicos, de concessionários ou privados, e de peões. Repare-se que condutores com carta de condução da RPC ou de qualquer outro país, e alguns até sem habilitação para a condução, já circulam pelas estradas de Macau sem dificuldades de maior, como se viu pelo acidente de 01/03/2019 e também já acontecera com um condutor do interior da RPC, com licença coreana, que em 31/01/2019 provocou um acidente por circular em contramão. Portanto, o problema não está no reconhecimento mútuo. Com ele ou sem ele temos milhares de acidentes num território mais pequeno que uma herdade alentejana de produção de bovinos que há dias esteve na razão da assinatura de um acordo entre a CESL-ASIA e o Banco da China, numa cerimónia com o Secretário para a Economia e Finanças. Quem circula pelas estradas da RAEM já se apercebeu da forma imponderada e à margem dos regulamentos como por aqui se conduz. A qualquer hora. Não obstante o esforço feito pelas autoridades, continua a ser vulgar ver circular nas pontes veículos pesados na via de circulação mais à direita. Não só veículos pesados. Muitos automóveis ligeiros, motociclos e ciclomotores também circulam encostados à direita da faixa de rodagem, ainda quando o lado esquerdo se encontra desimpedido. O mesmo acontece fora das pontes em qualquer faixa de rodagem que tenha mais do que uma via no mesmo sentido (Istmo de Coloane, novas avenidas do Cotai). Por vezes vão pela via central. E isso acontece quer com condutores profissionais, quer com amadores, residentes ou não-residentes, e até com veículos ao serviço de entidades oficiais. Resumindo o que diariamente vejo na estrada, diria que se faz o possível para não se parar nas passadeiras, sendo que os piores são os condutores de veículos com dupla matrícula. Por outro lado, fazem-se tangentes aos peões nas passadeiras, havendo peões que se atiram literalmente para as zebras, outros atravessam o Cotai passando por cima dos canteiros centrais, saltam vedações, colocam em risco a sua segurança e a de quem circula. Vêem-se inversões de marcha nos locais mais inacreditáveis, por vezes com circulação em contramão, como na Estrada de Seac Pai Van, junto à gasolineira, e nas imediações da Urbanização One Oasis. Muda-se de direcção e pára-se de repente sem se sinalizar a manobra, apenas para se conversar com outro condutor (caso dos táxis) ou falar ao telemóvel, ignorando-se a existência dos sinais luminosos e dos outros que circulam. Há ainda quem faça inversão de marcha e aborde cruzamentos esquecendo que as regras da prioridade aqui não são iguais às da RPC, e os que conduzindo autocarros param a meio das rotundas e em vias com prioridade para deixarem entrar os colegas, perturbando a circulação e obrigando a parar quem não tem que parar. Há, por isso, necessidade do Governo da RAEM, designadamente através das Secretarias para os Transportes e Obras Públicas e da Segurança, apostar numa melhor formação de condutores e de peões, desencadeando acções de natureza pedagógica. Numa primeira fase recorrendo a campanhas de sensibilização, com especial incidência sobre os condutores que vêm do interior da China, que pensam que em Macau as regras são as mesmas, razão pela qual circulam sistematicamente pela direita e violam prioridades, bem como sobre os motoristas de táxi, condutores de autocarros e instrutores de condução. Será seguramente mais económico e fácil distribuir panfletos em chinês nas fronteiras a quem se dirige à RAEM, ou levar a efeito campanhas na rádio e na televisão, do que pagar indemnizações e acudir a quem perde os seus entes queridos ou os vê ficarem incapacitados para a vida. Essas acções pedagógicas devem abranger polícias com responsabilidade no trânsito, que deviam ser os primeiros a dar o exemplo na circulação pela esquerda e no uso de sinais luminosos. Depois, num segundo momento, será necessário autuar forte e feio, mobilizando mais agentes para a estrada do que para a verificação de parquímetros, onde até hoje ninguém morreu ou ficou marcado para o resto da vida. Estas acções devem ser acompanhadas de uma melhoria das condições de circulação estradal, designadamente junto às bermas, nivelando-se as tampas, tapando buracos que dão cabo de jantes, pneus e suspensões, melhorando o alcatrão, em suma, introduzindo-se racionalidade e programação adequada nas intervenções nas vias públicas. Não é por se impedir as inversões de marcha no Cotai ou não se reconhecer as cartas da RPC que o problema se resolve e os números melhorarão. Não havendo uma cultura rodoviária e pedonal de respeito pelos outros e de cumprimento da lei, com mais ou menos manifestações por causa das cartas de condução, apesar dos limites de velocidade baixíssimos, continuará tudo na mesma. A segurança na estrada não pode ser uma arma política. A insegurança rodoviária já está cá dentro há muito tempo, não vai ser agora importada. Exijam-se as medidas adequadas ao Chefe do Executivo e ao Governo da RAEM.