Memória | Urso Bobo morreu aos 35 anos e vai ser embalsamado

Era para ter terminado no prato de um restaurante, mas quis o destino que fosse salvo e colocado no Jardim da Flora. Ao longo de mais de 30 anos, o urso Bobo foi uma das principais atracções dos passeios de domingo para várias gerações. Mas ontem, com 35 anos, foi declarado morto devido à degradação da sua saúde

 

[dropcap]O[/dropcap] urso Bobo morreu ontem de manhã, depois de quase 35 anos a viver no Jardim da Flora, onde era a principal atracção para as crianças. Na segunda-feira à noite o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) já tinha emitido um comunicado a alertar para a degradação de saúde do animal, que já mal conseguia comer, e ontem confirmou a sua morte, que ocorreu por volta das 11h00.

“O nosso urso-asiático Bobo morreu esta manhã [ontem] às 11h00 e tal. O urso-asiático normalmente vive 30 anos, mas o nosso morreu com 35”, disse Isabel Jorge, administradora do Conselho de Administração do IACM. “Nos últimos dias a situação de saúde dele piorou e ficou mais fraco. Os nossos tratadores e veterinários acompanharam de perto a situação, mas esta manhã faleceu”, acrescentou.

Em cima da mesa está agora a possibilidade de Bobo ser embalsamado, numa medida para sublinhar a importância das espécies em vias de extinção. O urso-preto asiático é uma espécie considerada vulnerável, a categoria menos grave das espécies ameaçadas.

“Queremos continuar com o trabalho da protecção e conservação dos animais, e em princípio o corpo do nosso urso vai ser embalsamado. Depois vamos colocá-lo num jardim, mas ainda não sabemos qual”, explicou a responsável.

Em relação ao Jardim da Flora, o espaço vai continuar a receber animais, mas de pequeno porte. Segundo Isabel Jorge entre as espécies consideradas para continuar a levar as crianças ao jardim está o porquinho-da-índia.

Muito bem acolhido

Foi em 1984, segundo os registos do IACM, que o urso Bobo foi salvo. Na altura, o ursinho tinha menos de um ano e estava numa pequena jaula, à porta de um restaurante, na Rua da Felicidade. Harald Bruening, director do jornal Macau Post Daily, deu o alerta às autoridades.

“Nos meados dos anos 80, estava com um grupo de jornalistas, o ex-director do Va Kio, Chiu Iu Nang, e Adam Lee, que na altura era o correspondente no South China Morning Post. Estávamos a passar na Rua da Felicidade e a certa altura vimos uma concentração de pessoas à frente de um restaurante, porque estava ao pé da porta uma jaula muito pequena com um ursinho bebé”, recordou Bruening, ao HM. “Era uma atracção, mas todos sabíamos que o destino dele ia ser a cozinha. Por isso, e devido às condições em que estava a ser mantido, havia muita gente chocada”, relatou.

Como o alemão domina a língua portuguesa, na altura Chiu e Adam pediram-lhe para falar com as forças de segurança locais. Foi o que Bruening fez, embora o que se seguiu não tivesse sido simples. Isto porque em 1984 não havia uma lei de protecção dos animais, e Bobo só pode ser apreendido devido ao facto do restaurante não ter licença para importar animais daquele género.

“Falei com as forças de segurança, que me explicaram que não podiam fazer nada. Só que no mesmo dia prometeram-me que iam falar com o Leal Senado. Depois disso, não houve novidades nos dias seguintes, mas mais tarde o ursinho foi colocado no Jardim da Flora”, contou. “Se bem me recordo, o animal pode ser apreendido pelo IACM porque o restaurante não tinha licença de importação”, recordou.

Foi também no Jardim da Flora que o pequeno urso ganhou o nome de Bobo. Era esta a forma de tratamento das crianças que o visitavam e que com o tempo foi adoptada.

Jaula maior e companheira

Com o passar dos anos, as condições para o urso Bobo melhoraram, principalmente em 2000. Além de um espaço maior, com um lago para nadar, o urso recebeu igualmente uma companheira vinda do Interior da China. O casal nunca procriou e a fêmea acabaria por morrer após alguns anos, devido a dificuldades em adaptar-se às condições do clima de Macau.

Agora, com 35 anos, foi a vez do urso-negro asiático morrer, numa altura em que já muito raramente aparecia no exterior da sua jaula. A partir de hoje, o IACM vai manter uma zona junto à jaula de Bobo para que as pessoas façam as suas despedidas. Já ontem tinham sido instaladas flores brancas junto à estátua de Bobo.
Após ter sido revelada a morte do urso, o HM ouviu alguns residentes que se encontravam no Jardim da Flora. “Quando era nova via sempre o Bobo, agora como tenho uma filha também costumava levá-la de vez em quando para o ver”, disse Cheang, funcionária, com cerca de 30 anos, de uma loja de roupa à entrada do jardim, ao HM. “Não posso dizer que tenha um sentimento muito especial em relação ao Bobo, mas claro que lamento a sua morte. Também acho que a população costumava visitá-lo, mas não se pode dizer que o apreciasse verdadeiramente”, acrescentou.

Para Lei, moradora local com 50 anos, o urso Bobo está muito presente no imaginário de Macau. “É verdade que ele nos últimos tempos já não aparecia muito do lado de fora da jaula. Mas muita gente fazia questão de visitá-lo, quando passavam no jardim. Acho que faz parte da memória das pessoas que vivem em Macau”, considerou.

Opinião semelhante foi partilhada pelo jovem Wong, com cerca de 30 anos: “É uma notícia triste. O Bobo faz parte das memórias de infância das pessoas que cresceram em Macau. Ele acompanhou o crescimento de várias gerações e eu não fui excepção”, contou, ao HM. “Quando era pequeno vinha sempre aqui para visitá-lo e por isso hoje sinto-me triste com esta notícia”, finalizou.

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