Reportagem | Pequim seduz jornalistas de países emergentes para contrariar narrativa ocidental

Por João Pimenta, da agência Lusa 

 

[dropcap]O[/dropcap] brasileiro Thiago Copetti é um de milhares de jornalistas estrangeiros que, nos últimos anos, participaram em “intercâmbios” na China, suportados pelo Governo chinês, num esforço para desafiar a narrativa ocidental no mundo emergente.

“Eles precisam que alguém fale por eles”, explica à agência Lusa o repórter do Jornal do Comércio, com sede no estado brasileiro do Rio Grande do Sul. “E somos nós, que estamos aqui, a fazê-lo”, descreve.
Durante seis meses, Copetti viveu num condomínio de luxo em Pequim e viajou por toda a China, com outros sessenta jornalistas oriundos da América Latina, Ásia e África, num programa organizado pela agência noticiosa chinesa Xinhua, cujo presidente, Cai Mingzhao, é membro do Comité Central do Partido Comunista Chinês (PCC).

Também o Diário do Povo, jornal oficial do PCC, ou as publicações estatais Global Times e China Daily, têm promovido programas do género, que, nos últimos anos, trouxeram à China milhares de jornalistas estrangeiros, sobretudo oriundos dos países em desenvolvimento.
Estes “intercâmbios” são parte de uma ambição mais ampla de Pequim, que há muito se queixa que a empresa ocidental domina o discurso global e alimenta preconceitos contra a China.

Muda a táctica

O regime chinês tem investido milhares de milhões de dólares para convencer o mundo de que o país é um sucesso político e cultural.

A Xinhua ou a televisão estatal CGTN contam já com centenas de delegações e estúdios no exterior e têm agressivamente procurado parcerias em todo o mundo, visando publicar conteúdo aprovado pelo PCC sob o selo de órgãos de comunicação independentes.

O retorno desse investimento, no entanto, estará aquém das expectativas, face às dificuldades dos órgãos oficiais chineses em escolher ângulos e uma linguagem apelativos para audiências estrangeiras, levando a uma nova estratégia: moldar a visão dos jornalistas estrangeiros sobre o país.
Só em África, as autoridades de Pequim “treinaram”, nos últimos três anos, 3.000 profissionais de órgãos locais, incluindo dezenas de jornalistas oriundos de Angola e Moçambique.
Copetti admite que a China tem um “problema” com a comunicação: “Ela fala e não é entendida ou, quando é entendida, não difunde bem”.

“Mas quando nós falamos pela China, as pessoas vão ver de forma diferente, porque eu vou falar com a dona de casa também. Não vou ser um político falando com outro político”, acrescenta.
No programa em que Copetti participa, a selecção dos jornais e repórteres passa pela Xinhua e pela embaixada chinesa.

“A Xinhua selecciona os veículos que acha interessantes, o veículo escolhe o repórter, que depois tem que ser aprovado pela embaixada”, descreve.

Outros olhos

O brasileiro admite que as autoridades chinesas “sentem desgosto pelo trabalho [dos jornalistas] europeus e norte-americanos”.

Três décadas de trepidante crescimento económico e modernização converteram a China numa potência capaz de disputar a liderança global com os Estados Unidos. Centenas de milhões de chineses saíram da pobreza, enquanto as cidades do país estão hoje dotadas de infraestruturas de última geração.

As percepções sobre o país asiático continuam, no entanto, dominadas pela degradação ambiental, censura, desrespeito pelos direitos humanos ou produção manufatureira barata.
No caso do Brasil, Copetti concorda que existe uma visão da China “completamente distorcida da realidade”.”Acha-se que é só produto ruim, que não há tecnologia, e que o trabalho ainda é escravo”, descreve. “Já não é assim: eu vejo mais classe média, e quem é pobre não é tão pobre”.

Thiago Copetti observa que os esforços da imprensa estatal chinesa estão a começar a dar frutos.
“Dentro da imprensa brasileira está a começar a tendência de pegar a matéria das agências norte-americanas ou europeias e fazer o contraponto com o que a Xinhua escreve”, explica.
“Há pessoas da Xinhua que visitam os jornais para divulgar o trabalho da agência. A Xinhua está a tentar penetrar nos nossos jornais”, diz.

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