Crimes, escapadelas e telemóveis (I)

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]lguma vez poderíamos imaginar que a professora que fotografou as perguntas de um questionário e as enviou do telemóvel através do “Whatsapp” não seria condenada em Tribunal? Pois acreditem que aconteceu e o caso está a chocar Hong Kong.

No dia 10 de Agosto, o Tribunal de Primeira Instância de Hong Kong recusou-se a anular a decisão do Tribunal de Magistrados, que tinha deliberado que as quatro professoras que usaram os telemóveis e os portáteis para divulgarem as perguntas de um questionário de selecção, não são culpadas de “aceder a computadores com intenção desonesta ou criminosa”.

Este caso conta-se em poucas palavras. Envolveu quatro rés, todas professoras do ensino básico. Três delas ensinavam na mesma escola. A quarta leccionava noutra escola, mas tinha sido colega de uma das outras.

A ocorrência deu-se em 2014. Como o número de vagas para a admissão de novos alunos no ano lectivo 2014 – 2015, na referida escola, era limitado, os candidatos tinham de ser seleccionados através de uma entrevista. As entrevistas tiveram lugar no dia 14 de Junho. Na véspera, o professor responsável pelas admissões dirigiu uma reunião preparatória. Na reunião, foi entregue a cada professor uma pasta de plástico contendo um conjunto de perguntas e de esquemas. As pastas foram devolvidas no final da reunião. As três rés que trabalhavam nesta escola estavam presentes na reunião.

Durante a reunião, uma delas fotografou com o telemóvel os conteúdos com as perguntas e enviou-os através do Whatsapp à colega que trabalhava na outra escola.

A segunda ré fotografou também este material e enviou as fotos à terceira, que estava atrasada para a reunião. Esta, depois de receber as imagens, utilizou o computador da sala de professores e introduziu num ficheiro Word as perguntas que, de seguida, reenviou por email às outras duas, nesse mesmo dia.

A quarta ré, que trabalhava fora desta escola, recebeu as perguntas no ficheiro Word por email. Em seguida fotografou o ficheiro com o telemóvel e enviou-o às amigas.

Foram todas acusadas de terem acedido a computadores com intenções criminosas ou desonestas, com o objectivo de obter lucros para si ou para terceiros. Este crime está inscrito na secção 161 (c) da Lei Criminal.

Os Magistrados não aceitaram a confidencialidades das perguntas das entrevistas, porque:

A primeira tirou as fotos antes de começar a reunião de preparação das entrevistas. A sua conduta não pode ser tratada como “desonesta”.

A segunda colocou os formulários na mesa e fotografou-os à vista de todos. À semelhança da primeira, a sua conduta não pode ser tratada como “desonesta”.

A terceira usou o computador da escola para introduzir o formulário num ficheiro Word. Pode tê-lo feito para proveito ilícito de terceiros, mas não para seu proveito pessoal. Contudo, usar o computador da escola não é ilegal.
A quarta quis ajudar a amiga e não conhecia o ficheiro com a cópia dos formulários.

Baseados nestes dados, é fácil de imaginar que o recurso para o Tribunal de Primeira Instância fosse dificilmente defensável. A acusação sublinhou o carácter confidencial dos questionários. O senso comum diz-nos que este material não deve ser sujeito a fugas, nem chegar ao conhecimento dos candidatos antes do momento próprio. E isto é verdade, independentemente de ter sido feito, ou não, um aviso sobre a confidencialidade dos materiais, antes da reunião preparatória.

Antes de discutirmos a decisão do Tribunal, é preciso lembrar que nos últimos anos, vários naturais de Hong Kong foram acusados ao abrigo da secção 161(1)(c), por um vasto leque de condutas ilegais. O caso mais conhecido foi a acusação contra Weslie Siao Chi-yung feita pela ICAC, Agência Anti-Corrupção de Hong Kong, a propósito da fuga de informação incluída nos questionários de exame do Ensino Secundário. Kris Lau Koon-wah, outro professor, foi igualmente acusado pelos mesmos motivos.

Tirar fotografias pornográficas constitui também crime ao abrigo da secção 161(1)(c). O agente Chu Ho, um polícia de Hong Kong, admitiu ter tirado fotografias pornográficas em 311 diferentes ocasiões, incluindo várias de uma colega, no interior da esquadra de Yau Ma Tei. Os investigadores encontraram 1.628 fotos e 290 vídeos de várias mulheres no smartphone de Chu Ho, em 2016.

A sentença de Chu deverá ser ouvida no próximo dia 13 de Dezembro, após o Vice-Magistrado Lau Suk-han ter concedido à acusação um tempo suplementar para fundamentar o processo.

Continua na próxima semana
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