Caso Sulu Sou | Deputado considera julgamento nulo e ilegal

A juíza Cheong Weng Tong condenou deputado por um crime que não constava na acusação do Ministério Público. A defesa de Sulu Sou considera que suspensão de imunidade não é um “cheque em branco” e que a AL tinha de ser informada para votar uma nova suspensão. Contudo, Neto Valente considera que os tribunais agiram dentro da legalidade.

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] deputado Sulu Sou considera que não podia ter sido condenado pela prática de um crime de manifestação ilegal, uma vez que a Assembleia Legislativa apenas suspendeu a sua imunidade para ser julgado pela prática de um crime de desobediência qualificada. Ao HM, Sulu Sou diz que ainda não tomou a decisão sobre se vai recorrer da condenação mas, com base na opinião do seu advogado, considerou a sentença da juíza Cheong Weng Tong ilegal e sem efeito.

“Fui suspenso pela Assembleia Legislativa para que a minha imunidade enquanto deputado fosse levantada, de forma a ser autorizado a ser julgado pela alegada prática de um crime desobediência qualificada perante uma ordem da polícia”, começa por explicar Sulu Sou, em comunicado.

“No entanto, não fui considerado culpado nem julgado por este alegado crime. […] Sabemos que o tribunal julgou-me e condenou-me por um crime diferente: organização de manifestação ilegal. Os deputados estão protegidos por imunidade e não podem ser julgados sem uma deliberação da AL”, sustenta.

O poder da AL

Para o deputado, o levantamento da imunidade não é um cheque em branco para que os tribunais possam condenar um membro da AL por qualquer crime. Sulu Sou defende mesmo que se o crime apresentado aos deputados na altura de suspensão fosse diferente, que a discussão seria diferente e haveria outros factores a considerar.

“A deliberação [de suspensão do Plenário AL] é limitada à acusação [de desobediência qualificada] e ao conteúdo da carta do tribunal. Se o tribunal queria mudar o tipo de crime, deveria ter informado a AL e esperar que a minha imunidade fosse levantada face a esse crime. O levantamento da imunidade não é um ‘cheque em branco’”, defende Sulu Sou. “Os legisladores têm poder discricionário sobre a suspensão ou não de um colega. E eles votam à luz do crime que é mencionado, como ficou demonstrado no debate [sobre a suspensão na AL]. Diferentes crimes expressam condutas censuráveis diferentes”, sustenta.

Sulu Sou considera que o julgamento devia ser anulado: “Não houve uma deliberação da Assembleia Legislativa a levantar a minha imunidade para ser julgado pelo crime de organização de manifestação ilegal. Neste contexto, o meu advogado informou-me que o julgamento violou a lei, sendo por isso nulo e sem efeito, porque eu estava protegido pela imunidade contra todos os crimes, à excepção do crime sobre o qual os outros deputados tinham votado”, é sublinhado.

Neto Valente discorda

Por sua vez, o presidente da Associação dos Advogados de Macau afirmou ao HM que discorda da leitura da defesa de Sulu Sou. Segundo Neto Valente, os juízes têm uma liberdade “muito grande” para alterarem o crime pelos quais os arguidos são acusados.

“Não. A AL não tem nada de se pronunciar. Não interessa saber se o crime é A, B ou C. O que interessa é a pena aplicável. Portanto com base nisso a deliberação está tomada e não é preciso alterar nada”, disse Jorge Neto Valente, ao HM. “Por esse prisma, não vão [defesa] a lado nenhum”, frisou.

“Os juízes têm uma liberdade muito grande na alteração da qualificação. Em matéria de Direito, o tribunal é que sabe. Se ficam provados factos que não são exactamente os que estavam na acusação, ou se têm outro contorno, o tribunal tem a faculdade de alterar a qualificação. Isto não tem problema nenhum”, acrescentou.

O presidente da AAM admitiu também estar à vontade com o cenário de, no plano teórico, poder haver uma acusação por um crime mais grave a um deputado, que depois resulta na condenação por um crime mais leve. “No caso de um deputado ser acusado por homicídio e depois ser condenado por ofensas à integridade física? Tudo bem, o tribunal pode fazer isso. Não pode é de surpresa agravar…não pode agravar factos que são objecto de determinada acusação”, considerou.

“É um assunto que não é jurídico, não vale a pena estarmos a pensar nisto. É um processo com contornos claramente políticos, e a AL não tem de se mexer e o tribunal não tem nada a ver com a AL. A AL depois tirará as suas conclusões”, justificou.

Estatuto do deputado em risco

Contudo, a opinião de alguns especialistas em Direito ouvidos pelo HM, que preferiram não ser identificados, difere da de Neto Valente e o facto da juíza ter alterado o crime levanta dúvidas legais. Em causa está o facto dos deputados, na altura de tomarem uma decisão, só estarem informados sobre a possível prática de um crime de desobediência qualificada. Em teoria, se a acusação tivesse sido de manifestação ilegal, a decisão do Plenário poderia ter sido outra.

“É preciso muito cuidado com este caso para proteger o estatuto de independência dos deputados. Se a situação não for bem analisada, no futuro e em tese, nada impede um deputado de ser acusado pelo crime A, que é altamente detestável e garante o voto de suspensão dos outros legisladores. Contudo depois esse deputado é condenado pelo crime B, que é menos repugnável”, explicou uma das fontes ouvidas pelo HM.

“A diferença é que se fosse acusado desde o início pelo crime B, os outros colegas não o suspendiam. Esta situação poderá ser uma mancha no Estatuto dos deputados”, considerou.

Ho Iat Seng sem comentários

Este é igualmente um dos argumentos de Sulu Sou no comunicado partilhado durante o dia de ontem: “Antes de haver uma alteração do tipo de crime, segundo a lei, a defesa tem de ser informada, assim como a AL. Ao não ter sido feito, não só os meus direitos como arguido, mas também a autonomia e autoridade da AL foram desrespeitadas, uma vez que o poder para haver julgamento de um deputado sobre determinada ofensa está na Assembleia Legislativa e não nos tribunais”, sublinhou o deputado suspenso.

O HM entrou em contacto com o presidente da Assembleia Legislativa, mas Ho Iat Seng não quis fazer qualquer comentário sobre o caso, enquanto o processo nos tribunais. O HM tentou igualmente ouvir as opiniões do presidente e secretário da Comissão de Regimento e Mandatos da Assembleia Legislativa, Kou Hoi In e Vong Hin Fai, mas sem sucesso. Os dois são responsáveis pela comissão que propôs a votação da suspensão de Sulu Sou.

Apesar de estar acusado pelo crime de desobediência qualificada, Sulu Sou foi condenado a 120 dias de multa pelo crime de manifestação ilegal, em co-autoria com Scott Chiang. Ainda decorre o prazo para a apresentação do recurso, que se prolonga até 18 de Junho.

 

Coutinho | Tribunal devia ter ouvido deputados

Para José Pereira Coutinho, o tribunal devia ter perguntado à AL se os deputados levantavam a imunidade para o crime de manifestação ilegal. Ao HM, o deputado sublinha que é fundamental garantir a “independência” dos legisladores da RAEM. “O tribunal substituiu-se à AL em violação princípio sagrado de que os deputados só podem ser julgados relativamente a crimes em que os outros deputados os deixam ser julgados. Isto é para proteger a independência dos deputados”, frisou. “ [Os deputados] suspenderam-nos para ser julgado por desobediência: já foi e não foi condenado por este crime, mas por outro sobre o qual a AL não se pronunciou”, apontou.

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