h | Artes, Letras e IdeiasAinda o Jornal Único José Simões Morais - 1 Jun 2018 [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ara sair a 20 de Maio de 1898, o Jornal Único, quando chega o dia de comemorar o Quarto Centenário da Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia, apresenta apenas as duas primeiras páginas do jornal. A sua publicação vai sendo adiada e os primeiros exemplares saem da tipografia provavelmente a 23 de Maio, sendo distribuídos à medida que as fotografias ficam prontas e coladas. Os primeiros a receber são as entidades da cidade, depois os órgãos de comunicação, que a 5 de Junho já o têm e só mais tarde, a 15 de Junho é que terá sido posto à venda, custando ele cinco patacas. De capa dura, a apresentação da publicação bilingue, em português e mandarim, é óptima e Dr. José Gomes da Silva tem um papel de vulto na elaboração desse jornal com 55 páginas. “A qualidade da impressão, feita na tipografia de N. T. Fernandes e Filhos e Noronha e Ca., graças à competência de Secundino de Noronha e Jorge Fernandes, era notória. A capa, um desenho aguarelado feito por António Rodrigues Belo, foi litografada e impressa, bem como a ante-capa da autoria dos senhores Fernandes e Noronha. Além de uma interessante colaboração na parte escrita, apresenta onze fotografias de Macau realizadas por Carlos Cabral e coladas no papel do jornal. Consta haver alguns exemplares desse Jornal Único com fotografias diferentes às estabelecidas. O Director das Obras Públicas, Eng. Augusto César d’ Abreu Nunes, a quem se devia a ideia e construção da Avenida Vasco da Gama, escreve no Jornal Único sobre essa avenida referindo, “veio preencher uma grande lacuna, que havia na cidade formada de ruas estreitas e de muitos becos sem saída, dando um desafogo aos habitantes de Macau.” Na publicação colaboraram também com artigos entre outros Wenceslau de Moraes e Camilo Pessanha, que apresenta o poema “San Gabriel”, o nome da nau que transportara Vasco da Gama à Índia. Publicação em Lisboa O Porvir de 25 de Junho de 1898 refere ter recebido a magnífica revista ilustrada de Portugal e do estrangeiro, Occidente cujo número 697 trata sobre as comemorações do centenário. Vem com 16 páginas e impresso a cores, tendo na parte ilustrada as seguintes gravuras: Paço real d’ Évora, onde El-Rei D. Manuel contratou com Vasco da Gama a sua primeira viagem à Índia; Sines, local onde segundo a tradição, existiu a casa em que nasceu Vasco da Gama; Fortaleza de Sines; Igreja de Nossa Senhora das Sallas, vista exterior e interior; Vidigueira, jazigo dos Gamas: Túmulo onde estão os restos mortais de Vasco da Gama, no Mosteiro dos Jerónimos; e um esplêndido retrato de Vasco da Gama, baseado sobre documentos de família e que representa o grande Almirante das Índias na idade em que ele empreendeu a sua primeira viagem à Índia, este retrato é uma verdadeira novidade. A parte literária compõe-se dos seguintes artigos: Chronica Occidental, por D. João da Câmara. O retrato de Vasco da Gama, por Brito Rebello; Ilha dos Mortos, por J.C.; Vasco da Gama e a Vidigueira, por A.C. Teixeira de Aragão; Exposição da Imprensa por Silva Pereira; etc. Um mês antes tinha O Porvir (jornal português de Hong Kong) recebido o Jornal Único e feito a sua apreciação dizendo, “Declara a redacção ter-se deleitado imensamente com a sua leitura e mais se deleitaria se “os srs. Pedro Nolasco e Horácio Poiares não destoassem do concerto colaboratório do jornal inserindo neste umas puerilidades impróprias dele, e as quais, apesar do brilhantismo das produções literárias dos outros colaboradores, e principalmente dos belos artigos do Sr. conselheiro Galhardo e do Revmo. Bispo D. José Xavier de Carvalho, muitos descoram o jornal, com o qual parece que os srs. Nolasco e Poiares quiseram brincar. Estimaríamos sumamente que o tivessem tomado mais a sério e que com algo mais sério tivessem contribuído para ele. (…) Podiam e deveriam ter empregado o seu tempo e a sua ilustração em assuntos de mais interesse e utilidade do que aqueles que preferiram, talvez irreflectidamente”. Ao Echo Macaense não agradou a apreciação feita pel’ O Porvir do artigo do Sr. Pedro Nolasco sobre patois macaense e do conto ‘pueril’ do Sr. Dr. Poiares. Fotógrafo profissional O Porvir acha as imagens publicadas no Jornal Único, pouco limpinhas vistas fotográficas. Tal se deve à comparação com as oferecidas ao jornal pelo talentoso e habilíssimo artista Joaquim António, distinto fotógrafo português estabelecido em Bangkok que, na sua passagem por Macau tirou uma série de esplêndidas fotografias instantâneas de alguns dos mais belos edifícios de Macau e dos pontos mais pitorescos da cidade. <Devemos, porém, declarar que se grande é o nosso prazer por tão apreciável mimo, grandessíssimo é o nosso dissabor por não vermos figurar esse trabalho do nosso distinto compatriota, no Jornal Único. Joaquim António, que, após muitos anos de ausência em Bangkok, veio passar alguns meses em Hong Kong e Macau, sua terra natal. Durante a sua permanência em Macau executou vários trabalhos fotográficos, que foram muito apreciados pelo então Governador de Macau Eduardo Galhardo, que lhe passou um atestado onde certifica que o Sr. Joaquim António, proprietário do The Charoen Krung Photographic Studio em Bangkok, português, natural de Macau, de passagem por esta cidade me prestou e à minha família os seus serviços como fotógrafo, ficando nós muito satisfeitos com a perfeição e nitidez dos seus trabalhos assim como com a modicidade da remuneração por ele exigida; obtendo também dele bastantes provas fotográficas de diversos monumentos, lugares e costumes de Siam e de Macau, que revelam o seu gosto e mérito artístico, pelo que o recomendo a todos os estrangeiros que visitarem o seu estabelecimento em Bangkok, e, especialmente aos meus compatriotas residentes ou em trânsito pela capital de Siam. Macau, 1 de Junho de 1898, assinado Eduardo Augusto Rodrigues Galhardo. “Apraz-me ainda registar que este nosso compatrício que tão desprotegido era quando residia em Macau, está hoje vivendo muito bem em Bangkok, onde encontra meios de vida e é muito apreciado, porque o Sr. António não é só fotógrafo, mas um bom desenhador, e como tal esteve há muitos anos para cá empregado nas Obras Públicas de Macau, tendo também acompanhado o Sr. Adolpho Loureiro nos estudos a que S. Exa. procedia sobre o assoreamento do porto de Macau”, n’ O Porvir de 18 de Junho. Dez dias antes de Joaquim António regressar para Bangkok, o que ocorreu no dia 22 de Junho, O Independente refere serem “raríssimos os casos de peste que se dão em Macau”. Na data da sua partida está já a cidade livre da epidemia, provavelmente pelas muitas preces dos chineses e dos católicos na Igreja de S. António a S. Sebastião, advogado contra a peste. “Podemos considerar, felizmente, de todo extinto este terrível flagelo, que trouxe por alguns meses sobressaltada esta cidade”. Termina o anual ciclo da peste, a poder estender-se a Julho, Agosto e iniciado em Fevereiro com o despertar da Natureza, quando se recomeça a ouvir à noite os insectos.