Relatório | Falun Gong com “dificuldades” em arrendar espaços por pressão do Partido Comunista

Macau continua a figurar como uma espécie de oásis na Ásia no plano da liberdade religiosa. Do cenário positivo, descrito no mais recente relatório do Departamento de Estado norte-americano, destoam as dificuldades das Falun Gong em arrendar espaços para a realização de eventos por alegada pressão do Partido Comunista da China

 

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão só garante na teoria como cumpre na prática. É o que diz sobre Macau o mais recente relatório sobre a liberdade religiosa no mundo, elaborado anualmente pelo Departamento de Estado norte-americano. Não obstante o quadro positivo, Washington faz eco das “dificuldades” enfrentadas pelas Falun Gong em Macau devido a alegada “pressão” por parte do Partido Comunista da China.

Segundo o documento, divulgado na noite de terça-feira, membros das Falun Gong deram conta de “dificuldades” em arrendar espaços para a realização de grandes eventos, uma situação que suspeitam resultar de “pressão” do Partido Comunista da China (PCC). Não é referido, porém, se os espaços em causa são da propriedade do Governo ou de entidades particulares.

Esta constitui, com efeito, a única nota negativa a propósito, dado que, de acordo com Washington, as Falun Gong desenvolveram normalmente as suas actividades em 2017. A tranquilidade manteve-se mesmo aquando da visita, há um ano, de um alto representante do PCC, em concreto, do presidente do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional, ou seja, o “número três” da hierarquia política chinesa.

“Os membros das Falun Gong continuaram a realizar manifestações e montar expositores em locais públicos [como sucede, com frequência, junto à Igreja de S. Domingos] sem incidentes”, refere o documento. E, salienta, “uma organização da sociedade civil relacionada com as Falun Gong informou que, em Maio [de 2017], membros das Falun Gong participaram de um protesto público durante uma visita de Zhang Dejiang, um dos membros do Comité Permanente do Politburo do Partido Comunista da China”. As Falun Gong, que se estima que tenham 50 praticantes em Macau, consideradas uma “seita” por Pequim, encontram-se proibidas na China desde 1999.

Relativamente a outros grupos, o cenário foi diferente, de acordo com Washington: “Alguns grupos religiosos relataram que o Gabinete de Ligação do Governo Central apoiou as suas actividades e intercâmbios com os correligionários do interior da China”, enquanto “outros indicaram que o Governo reconheceu e não obstruiu o trabalho de caridade realizado no interior da China”. Em termos gerais, “os grupos religiosos afirmaram que mantiveram a sua capacidade de realizar actividades no interior da China, através de canais oficiais e igrejas oficialmente reconhecidas”.

Sem registo de casos de abusos ou discriminação com base em credos, o panorama descrito é positivo. Aos olhos de Washington, a liberdade religiosa em Macau encontra-se salvaguardada, desde logo na Lei Básica, sendo, além do mais, respeitada olhando às práticas governamentais.

“O Governo providencia apoio financeiro, independentemente da filiação religiosa, para o estabelecimento de escolas, centros de cuidados para crianças, clínicas, lares para idosos, centros de reabilitação e unidades de formação vocacional geridos por grupos religiosos”. A Diocese continua a ser a entidade que gere a maioria das instituições de ensino, atendendo que apenas dez de 77 escolas existentes no ano lectivo 2016/2017 eram públicas, de acordo com estatísticas oficiais.

Em paralelo, salienta o relatório, “o Governo também continuou a encaminhar vítimas de tráfico humano para organizações religiosas para a prestação de serviços de apoio”. Os Estados Unidos realçam, em particular, a própria atitude dos diferentes grupos religiosos, na medida em que “providenciaram serviços sociais a indivíduos de todos os credos”. Neste âmbito, o relatório assinala, porém, que “houve relatos de que estudantes do interior da China já não podiam frequentar seminários locais”, mas sem facultar pormenores.

Segundo estatísticas oficiais, que remontam a Julho, citadas no mesmo relatório, quase 80 por cento da população professava o budismo. Já os católicos romanos eram estimados em aproximadamente 30.000, mais de metade dos quais estrangeiros a residir no território, enquanto os protestantes ascendiam a 8.000. Os muçulmanos, por seu turno, auto-estimavam-se em 12.000, havendo ainda grupos religiosos de menor expressão como os Bahais, cujo número era calculado acima de 2.000.

Maior pressão em Hong Kong

O capítulo dedicado a Hong Kong traça um retrato idêntico, mas dá conta de uma acrescida pressão sobre as Falun Gong. Além de “contínuas dificuldades” em arrendar recintos – tanto privados como públicos – para encontros e eventos culturais, também atribuídas a uma alegada pressão por parte de Pequim junto dos proprietários dos espaços, o relatório elenca outras situações.

“A Associação das Falun Gong em Hong Kong afirmou que suspeita que o Partido Comunista da China financiou grupos privados que assediaram os seus membros em eventos públicos, cercando-os e gritando-lhes”, lê-se no relatório. Isto apesar de, à semelhança de Macau, as Falun Gong, que estima em 500 os praticantes em Hong Kong, terem indicado que, ao longo do ano passado, conseguiram operar abertamente na antiga colónia britânica, realizando nomeadamente exposições públicas ou distribuindo literatura sobre o movimento.

Em simultâneo, também levaram a cabo protestos públicos contra o tratamento a que são sujeitos os seus correligionários no interior da China. Numa dessas manifestações, aliás, por ocasião da visita do Presidente da China a Hong Kong, exibiram cartazes com mensagens a apelar a Xi Jinping para parar com a perseguição ao movimento e levar à justiça o antigo Presidente da China Jiang Zemin.

Além disso, segundo o relatório que cita o Epoch Times, que tem ligações às Falun Gong, as autoridades de Hong Kong impediram a entrada de 43 praticantes em Julho, ordenando-lhes que regressassem a Taiwan sem fornecer qualquer tipo de explicação. Os membros do movimento tentavam entrar no território vizinho para participar na parada realizada anualmente na antiga colónia britânica em protesto contra a perseguição das Falun Gong na China.

Em termos gerais, Washington considera que a liberdade religiosa é respeitada em Hong Kong tanto pelo Governo com pelos praticantes de diferentes credos. A título de exemplo, os Estados Unidos mencionam que uma mesquita promoveu uma troca de visitantes com uma sinagoga e ainda que líderes judeus organizaram eventos públicos de consciencialização sobre o Holocausto.

De acordo com o Departamento de Estado norte-americano, que cita dados oficiais, a ex-colónia britânica conta com aproximadamente dois milhões de budistas e taoistas, 480 mil protestantes e 379 mil católicos romanos. Já os muçulmanos estimavam-se em 300.000, os hindus em 100.000, os mórmons em 20.000, os sikhs em 12.000 e os judeus entre 5.000 e 6.000.

O quadro negro da China

A apreciação sobre as duas Regiões Administrativas Especiais encontra-se no capítulo do relatório dedicado à China, onde o cenário descrito é negro: “Continuou a haver relatos de que o Governo perseguiu, torturou, abusou fisicamente, deteve e condenou à prisão membros de grupos religiosos (registados e não registados) por actividades relacionadas com as suas crenças e práticas religiosas”.

“O Governo continuou a exercer controlo sobre a religião e a restringir actividades e a liberdade individual dos crentes quando os percepciona como uma ameaça aos interesses do Estado ou do Partido Comunista da China, de acordo com organizações não-governamentais e notícias publicadas pelos ‘media’ internacionais”, aponta o relatório do Departamento de Estado.

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