Estudo | Relatório do The Economist revela declínio global da democracia

O Índice de Democracia da unidade de pesquisa do The Economist revela que 2017 foi um ano negro para as aspirações democráticas no mundo inteiro. De acordo com o relatório, a Ásia foi das regiões que mais caíram no índice, numa tendência global de ataque à democracia e à liberdade de expressão. Em primeiro lugar do ranking ficou Noruega. O último lugar foi, sem surpresas, para a Coreia do Norte

 

[dropcap style≠’circle’]2[/dropcap]017 foi um ano negro para a democracia, uma asserção que não parece surpreendente se fizermos uma revisão do que se passou no ano passado, mas que ganha substância no Índice de Democracia do jornal The Economist. O relatório divide em quatro categoria os regimes analisados: Democracias completas, democracias com falhas, regimes híbridos e regimes autoritários.

O estudo baseia-se na análise de 60 indicadores que medem o processo eleitoral e o pluralismo, o funcionamento do Governo, a participação política, a cultura democrática e política e as liberdades civis. Logo à partida, o resultado é chocante, nomeadamente por demonstrar que apenas 5 por cento da população mundial vive numa democracia completa. Enquanto que quase um terço do mundo vive sob o jugo de regimes autoritários, com particular destaque para a China neste capítulo. Aliás, no geral, 89 países e territórios viram as suas pontuações descerem, registando a maior queda desde 2010, com os países asiáticos a liderar o declínio.

Não é, portanto, de espantar que nesta parte do globo os únicos países com pontuações que os colocam na categoria das democracias completas são a Austrália e a Nova Zelândia.

A Ásia foi o continente que sofreu o maior declínio em relação a 2016, além de registar a maior discrepância entre países. O bloco asiático obteve 5.63 de pontuação, ficando para trás em relação à América do Norte que atingiu os 8.56, a Europa Ocidental que teve 8.38 e a América Latina com 6.26.

A pontuação obtida pela Ásia em 2017 contraria os avanços registados nos anos anteriores.

“Foi um ano de retrocesso democrático na região e a pior performance desde 2010/2011 no rescaldo da crise económica e financeira global”, explica Duncan Innes-Ker, director da Ásia The Economist Inteligent Unit, a organização responsável pelo estudo. Duncan Innes-Ker salienta “como maiores razões para as tendências de regressão a consolidação do poder de alguns líderes chave da região, a crescente intolerância em relação a minorias e os atropelos à liberdade de expressão”.

As duas maiores democracias emergentes asiáticas, a Índia e a Indonésia, sofreram declínios acentuados nas respectivas pontuações. A Índia caiu da 32ª posição, que ocupava em 2016, para o lugar 42, enquanto a Indonésia desceu do lugar 48 para 68.

Um dos maiores reveses sofridos pelo Estado indonésio, que explicam a queda de 20 lugares no ranking, está relacionado com o município de Jacarta, após a prisão por blasfémia contra o Islão do antigo Governador, Basuki Tjahaja Purnama, um cristão de origem chinesa. O ex-governante foi condenado a uma pena de prisão de dois anos.

China na cauda

A ascensão das ideologias conservadoras e religiosas também afectaram a Índia. O fortalecimento das forças Hindus de direita levou ao aumento do número de melícias e vigilantes e da opressão de comunidades de minorias, em especial muçulmanas, e outras vozes dissidentes.

Cá pela região, Hong Kong caiu três lugares para o lugar 71, num total de 167 jurisdições. Macau não está incluída na lista do The Economist, porém, a pontuação obtida pela região vizinha é um bom indicador comparativo. Na análise de 2017, Hong Kong teve a mesma pontuação que a Namíbia e o Paraguai, ocupando a categoria das democracias com falhas, ficando atrás de territórios como Singapura, Mongólia, Malásia e Sri Lanka.

Neste aspecto é de referir que a China ficou no 139º lugar, entre 167 países e territórios, ocupando a categoria dos regimes autoritários, atrás de países como Zimbabué, Ruanda, Rússia, Cuba, Venezuela Angola, Moçambique e Iraque.

O resultado chinês foi influenciado pela consolidação do poder de Xi Jinping, algo que teve o seu apogeu na inscrição do pensamento do presidente sobre a Nova Era de socialismo de características chinesas na constituição do Partido Comunista Chinês. Além disso, a pontuação chinesa também foi influenciada pela aceleração do estado de vigilância trazido pelas políticas de Pequim no que toca à ciber-segurança e pela perseguição e prisão de activistas dos direitos humanos e líderes religiosos.

Apesar de terem características políticas completamente diferentes, também o Japão e as Filipinas viram os seus líderes consolidarem o poder. O Primeiro-Ministro Shinzo Abe assegurou o quarto mandato à frente dos destinos do Japão, depois de uma vitória esmagadora do seu partido, o Partido Democrático Liberal, que mantém a posição dominante na legislatura.

No que diz respeito às Filipinas, que ocupa o lugar 51, o país desceu a sua pontuação devido à pouco precisa declaração de lei marcial na parte sul de Mindanao e pela actuação autoritária do presidente Rodrigo Duterte.

Imprensa livre

Um dos factores de análise da equipa de investigação do The Economist é a liberdade de imprensa e de expressão. Nesse domínio, a editora do relatório, Joan Hoey, explica que a liberdade de expressão enfrenta uma tripla ameaça. “Tanto nos regimes democráticos como autoritários, o crescimento do uso de processos por difamação, a prevenção do terrorismo e as leis de blasfémia são entraves à liberdade de expressão”.

As ameaças à liberdade de expressão não são oriundas apenas das estruturas de poder político. “Entidades privadas, onde se incluem militantes islâmicos, gangs criminais e interesses instalados usam a intimidação, ameaças, violência e homicídio para limitar o discurso livre. Aqueles que argumentam pelo direito de não se sentirem ofendidos estão a exigir “espaços seguros”, “avisos de ofensas” e leis e regulamentos para trazer o “discurso odioso” nas redes sociais de forma a limpar a vida pública de conteúdos alegadamente ofensivos”, explica a editora.

De acordo com o índice respeitante à liberdade de imprensa, o estudo revela que apenas 30 países, do universo de 167 estudados, estão classificados como “completamente livres”. Esta parcela representa apenas 11 por cento da população mundial. Na categoria de parcialmente livre estão 40 países, onde vive 34,2 por cento da população mundial.

De resto, 97 países do Índice de Liberdade de Imprensa tiveram notas que os colocaram na categoria de “sem liberdade”.

Pilares tremidos

Apesar dos maus resultados, 2017 é um ano que traz alguma esperança, pelo menos no contraste com o ano anterior. De acordo com os autores do relatório, “se 2016 teve uma notável insurgência de populismo contra políticos e partidos mainstream em democracias desenvolvidas na Europa e na América do Norte, 2017 foi marcado pela resposta a este populismo evidente nos movimentos de oposição ao Brexit e à administração Trump”.

No Estados Unidos, o estudo realça a polarização política, que tem vindo a crescer ainda mais desde que Donald Trump ocupa a Casa Branca, intensificando clivagens entre republicanos e democratas em temas como a imigração, economia e políticas ambientais. “As crescentes divisões entre os dois pólos políticos ajudam a explicar o porquê das dificuldades de governação da Administração Trump, apesar de os republicanos controlarem ambas as câmaras do Congresso”, lê-se no relatório.

Face a este cenário não é de estranhar que os Estados Unidos tenham sido classificados como uma democracia com falhas, uma classificação que abrange também a grande maioria dos países europeus como, por exemplo, Portugal, Itália, França, Grécia e Bélgica.

O último classificado na lista de países com democracias completas é a Espanha, que viu o seu lugar posto em causa devido à forma como Madrid lidou com a questão catalã. A equipa do The Economist não deixou passar em claro as tentativas de parar o referendo pela independência da Catalunha, nomeadamente a forma como foram invadidas assembleias de voto, se encerraram portais de internet e se perseguiram eleitores.

A maioria dos países europeus classificados como democracia com falhas situam-se na Europa de Leste, com a Roménia à cabeça desta lista, ocupando o número 64 do ranking. De acordo com o relatório, “a Europa de Leste tem tradicionalmente pontuações baixas no Índice de Democracia devido à fraca cultura política, transições políticas para a democracia e dificuldades na salvaguarda da lei e contra a corrupção”.

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