A influência da pintura ocidental na literatura chinesa

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] leitura de Lu Xun (1881-1936), o maior escritor chinês de todos os tempos, limpa e sara a mente, especialmente quando viajamos através da China, o que tem sido ultimamente o meu caso.

Em 1936 Lu Xun escreveu:   “中國的人民,是常用自己的血,去洗权力者的手,使他又变成洁净的人物的。”

O povo chinês usa muitas vezes o seu próprio sangue para lavar as mãos do opressor e fazer dele um santo sem mácula.

Hoje não vou falar da China nem do povo chinês. Em vez disso, quero salientar o lado pictórico da escrita de Lu Xun.

Poucas pessoas sabem que Lu Xun desenhou muitas das capas dos seus livros e que era um amante da pintura. Para ele, a arte plástica ocidental libertava a mente e dava asas à criatividade. “As cores do Céu e da Terra mudam e, na nossa limitação, descobrimos de repente que existe um caminho libertador.”

Vamos agora ler um excerto do conto Nuwa Vai Consertar o Céu (1922). Atentem na beleza estranha e cheia de sensualidade da sua paleta cromática.

“No céu rosado, passam volteando nuvens de um verde cinza, que escondem o brilho pulsante das estrelas. Nos limites do céu, o Sol brilha por detrás das nuvens cor de sangue como uma bola de fluido dourado, envolta na lava de terra ancestral. Um luar frio atravessa o céu, de um branco pungente.”

A heroína da história lembra ao leitor as mulheres de Van Gogh.

“… Uma luz deslumbrante envolvia-lhe o corpo amplo, sensual. Foi andando até ao mar, flanqueada pelo Céu e a Terra em matizes cor de carne, as suas curvas desapareciam num mar de luz pétala, até não ser mais do que um filamento do mais puro branco.”

Lu Xun foi claramente influenciado pelo esplendor e pelo olhar inovador dos impressionistas e pela melancolia e inquietação modernistas. A beleza que nasce do desespero é a cura que a sua escrita me proporciona.

Aqui vão mais algumas passagens:

“Talvez me lembre de ter atravessado a vagina da montanha num barquito. Vi melros, vi colheitas, flores silvestres, galinhas, cães, vi arbustos e troncos de árvores mortas, vi cabanas, torres e margens de rios. Sob o azul ultramarino, os lavradores, as suas mulheres e filhas estendiam as roupas ao sol. Os monges e os seus hábitos, as nuvens do céu e os bambus reflectiam-se na água lúcida, a que cada movimento dos remos trazia um raio de luz …”.

  • A Hora do Conto

O céu inquietante, de um azul profundo, tremeluzia como o rosto de um fantasma, como se quisesse abandonar o mundo dos vivos, deixar a solitária jujuba, conservando para si apenas a Lua.

  • Noite de Outono

O fogo está morto. As formas ardem, mas as chamas estão frias, congeladas, como sólidos braços de coral. As extremidades deixam escapar um fumo compacto, negro.

  • Fogo morto
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