No Divã com o Sexo

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]pesar da psicanálise ter sido o grande impulsionador da teorização do desenvolvimento sexual e da saúde mental, hoje em dia são raros os psicoterapeutas que usam uma perspectiva estritamente psicanalítica.

Hoje, cada vez mais, os psicoterapeutas tentam incorporar as várias perspectivas psicológicas de como lidar com o sofrimento humano e com o(s) processo(s) de procura de bem-estar – mas como é que se lida com o sexo? Surpreendentemente ou não, somos todos humanos e todos temos vieses que nos podem tornar mais ou menos tolerantes quando discutimos a sexualidade. Os psicoterapeutas podem ter mais ou menos capacidade de explorar, com o seu cliente, identidades e formas de sexualidade menos prototípicas. Surpresa: nem todos nós encaixamos nos paradigmas ocidentais, que se baseiam, fundamentalmente, numa perspectiva evolutiva, cisgénero, heterossexual e onde o sexo serve unicamente os fins de procriação. A dificuldade em falar do sexo de forma saudável, é transversal a todas as categorias profissionais que, à partida, achamos nós, deveriam ter valores mais progressivos, ou que fossem, pelo menos, a favor do bem-estar individual e colectivo. Assim acontece quando continuamente assistimos à representação do outro – o que não encaixa na expectativa heterossexual – como silenciado, hiperssexualizado ou assexualizado.

Na formação psicoterapêutica começam a existir conceitos que nos auxiliam a pensar estas questões do sexo e uma delas é a do sexo-positivo. Considerem um espectro em que num extremo está o sexo-negativo e no outro o sexo-positivo. De um lado temos as dificuldades associadas à culpa e à vergonha do sexo, e da outra temos consciencializada a necessidade de considerar o sexo como parte integrante do nosso desenvolvimento saudável, nas suas várias expressões livres e consensuais. Muito para além das identidades sexuais como as entendemos, o sexo-positivo engloba o bem-estar físico e as experiências e relações de prazer.

Um psicoterapeuta sexo-positivo sabe que é necessária uma sensibilidade particular para lidar com as tendenciais mensagens e valores sociais de erotofobia que muitas vezes são trazidas para o processo terapêutico. A erotofobia, conceito ao qual eu sou relativamente nova, reforça que o medo do erótico, ou, medo de aceitar o nosso erotismo, está associado a outras formas de comportamento nefastas para a saúde, bem como uma diminuição da auto-estima. Até há bem pouco tempo, no manual de diagnóstico à doença mental (DSM-IV), ainda se encontrava listado como patológico o sadismo e masoquismo sexual (vulgarmente denominado por BDSM). Não tem sido fácil desfazer a ideia de que não existe uma ‘normalidade’ categórica do sexo. Tanto que ainda existem um número de assumpções sexo-negativas que associam as práticas BDSM a ‘traumas não resolvidos’ ou de desajuste social e sexual, em que (supostamente) há uma forte dependência nas relações de poder que se acreditam ser ‘perpetuadas’ na vida real. Esta estigmatização (e má informação), que acontece entre terapeutas e profissionais, parte da contínua confusão entre BDSM consensual e não-consensual, este último bastante associado à literatura forense.

Poderia dar muitos mais exemplos, ocorre-me por exemplo, as constelações poliamorosas que muito provavelmente, em contexto terapêutico, serão analisadas à luz de relações monogâmicas – o que não servirá de grande ajuda, muito pelo contrário. E porque estas coisas têm vindo a acontecer, existem vários apelos pelo sexo-positivo no sentido de valorizar a expressão e desejo sexual consensual, que ultrapasse a nossa necessidade de considerar patologia aquilo que – bem trabalhado e bem aceite – nos traz a uma relação saudável connosco próprios e com os nossos desejos e prazeres.

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