A outra face VozesEleições 2017 | Daqui ninguém sai vivo Carlos Morais José - 7 Set 2017 [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] campanha eleitoral já vai alta e sem grandes motivos de interesse. Afinal, a eleição de deputados directos pouco influencia a política real. Contudo, apesar de pouco estar em disputa, assistimos esta semana a canalhices políticas que não deixam de ser dignas de nota porque são ilustrativas do tipo de gente que se candidata à Assembleia Legislativa da RAEM. É o caso da deputada de Fujian Song Pek Kei. Senhora de discursos vazios ou interpelações fúteis na AL, durante o período em que já foi deputada, a senhora Song resolveu num debate com Pereira Coutinho invocar situações familiares menos agradáveis do deputado da Nova Esperança, inaugurando na política de Macau um capítulo ignóbil. E fê-lo com toda a clareza como se as palavras proferidas não fossem, para quem possui um mínimo de ética, lama que caiu em si própria. Julga a senhora Song que não tem telhados de vidro na sua casa e por isso atira verrinosas pedras a telhados alheios. Dela poder-se-ia dizer, por exemplo, que só existe porque serve o poderoso senhor Chan e porque o senhor Chan lhe deu a mão. Seria talvez injusto. Mas, pela sua actuação na AL, poder-se-ia, desta vez dizer-se com justiça e razão, que foi uma nulidade. Zero ideias originais, discursos vazios, interpelações frouxamente escritas, nenhum projecto de lei, atitude seguidista e em conformidade com os interesses instalados. Filha de emigrantes, se não emigrante ela mesma, não se coíbe nos ataques ao trabalhadores não residentes, os mesmos que fazem realmente funcionar esta cidade. Mas até aqui tudo bem. O disparate e mesmo a estupidez têm direito à expressão no segundo sistema. O pior é quando a senhora Song ultrapassa esses limites como fez esta semana, inaugurando um capítulo que, suponho, envergonhará a RAEM agora e no futuro. Trata-se de trazer a vida privada dos candidatos para a a discussão política. Será que a senhora Song quer que seja feita uma devassa à sua vida privada e, sobretudo, à dos seus companheiros de lista e de associação? Acharia bem que se referissem os parceiros de cada um, as suas tendências sexuais, ou mesmo o que membros da sua família andam a fazer? Será que a senhora Song tem a certeza de só ter na sua cozinha pratos completamente limpos? A verdade é que este tipo de comportamento é muito triste e anti-democrático. Joga com as emoções mais brutas dos cidadãos, apela à sua estupidez e intolerância. Se até aqui a política local tinha escapado a este tipo de ataques soezes, a partir de agora, graças à senhora Song, parece que vale tudo, incluindo usar a família, valor sagrado para a cultura chinesa. Mas o problema deste tipo de comportamento é que, na realidade, afasta as questões políticas de cima da mesa. Ao invocar o factor privado da vida de cada um, deixamos de dar relevância às acções concretas dos candidatos e às suas propostas, para cairmos no género de conversa que se tem no café ou no mercado. Baixa e incapaz de trazer algo de bom. A senhora Song devia pedir desculpa a Pereira Coutinho e ao eleitorado em geral por ter inaugurado a estratégia do golpe baixo na política da RAEM. E se não percebeu o que estava a fazer, a perigosidade deste caminho, então ainda é pior porque com isso demonstra que não tem inteligência ou bom senso para o lugar que pretende ocupar. Ao continuarmos por este caminho, que parece agora ser irresistível, em breve teremos devassas pessoais sobre todos os candidatos, incluindo os que pertencem ao grupo da senhora Song. E olhem, no limite, a continuarmos na senda inaugurada pela senhora Song, daqui ninguém sai vivo.