Suicídios políticos à beira rio

[dropcap style≠’circle’]L[/dropcap]embro-me de há quatro anos atrás ter escrito um artigo durante o Festival Duanwu (Festival do Barco do Dragão). Quatro anos volvidos, a história repete-se por causa das eleições para a 6ª. Assembleia Legislativa, com data marcada para 17 de Setembro próximo.

Não tive oportunidade de aprender História com o Padre jesuíta Benjamim Videira Pires, mas dou aulas numa escola fundada por ele. Tendo sido historiador e director de um colégio, surpreendi-me quando soube que vestia roupas muito usadas. Levou uma vida modesta, marcada pela procura da Verdade, precisamente o oposto do que acontece com os políticos.

De todos os suicídios cometidos por causa da política, o mais surpreendente é sem dúvida o de Qu Yuan, que se atirou ao Rio Miluo. Qu foi governador do Estado Chu, mas perdeu os favores do Rei devido a intrigas urdidas por outros ministros. Vendo que o seu Estado estava à beira do declínio, e não conseguindo encontrar forma de o salvar, Qu optou por se suicidar o que, bem vistas as coisas, não é forma de salvar um país.

Uma outra história ocorreu dezenas de anos depois desta. Xiang Yu, que ficou do lado dos derrotados durante o Conflito Chu–Han, lançou-se ao Rio Wu. Na guerra, Xiang não tinha rival. Desenhou uma estratégia e levou a cabo um ataque muito ofensivo que o fez vencer o combate. Mas, apesar da vitória pessoal a sua facção foi derrotada e, com vergonha de enfrentar a corte imperial, decidiu matar-se em vez de aceitar o convite do barqueiro que se ofereceu para o levar para a outra margem do rio. Há quem diga que se ele tivesse atravessado o rio, talvez tivesse vencido a batalha. Na minha opinião e, baseado no que ele fez nas horas que antecederam o seu suicídio, acho que nunca teria conseguido aceitar a derrota. E, mesmo que tivesse atravessado o rio, a derrota dar-se-ia mais cedo ou mais tarde. Quando as pessoas não assumem as consequências das suas acções e decidem suicidar-se para fugir ao fracasso, serão dignas da nossa compreensão?

A última história passa-se em “Hou Kong” (Rio Hou)”, antigo nome de Macau. A vida é realmente enigmática. Um suicídio por razões políticas acontece em Macau, uma cidade sem rio.

A duração de uma vida política depende da capacidade de se saber lidar e valorizar as circunstâncias. Dois provérbios chineses, “tem a sabedoria de te retirares quando os problemas te submergem” e “retira-te quando tiveres conquistado o reconhecimento”, são adágios reconhecidos pelo valor das verdades que encerram. Eles ajudam as pessoas a lembrar-se que há um tempo para seguir em frente e lutar e um tempo para nos afastarmos. Só quando sabemos abrir mão de certas coisas é que podemos conservar o mais importante. Quando alguém se quer manter na mesma posição por demasiado tempo, sem aceitar avanços ou inovações, fica cada vez mais conservador e a sua carreira política termina mais cedo ou mais tarde. Acabará por perecer, às suas mãos ou às mãos de terceiros.

Quem gosta de História tem de conhecer o passado e antever o futuro. Macau está mergulhado em contradições devido ao seu rápido desenvolvimento económico, que se irão reflectir no processo eleitoral para a Assembleia Legislativa.

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