Kou Meng Pok, candidato às eleições legislativas: “O Pearl Horizon é uma armadilha”

Não fosse a confusão em torno do empreendimento da Polytec e Kou Meng Pok jamais pensaria em tentar ser deputado. O presidente da União dos Proprietários do Pearl Horizon candidata-se ao sufrágio de Setembro para defender os interesses das pessoas que ficaram sem as casas que compraram. Se o caso mudar de figura, poderá desistir

 

É candidato às eleições legislativas deste ano. Como é que surgiu esta possibilidade?

Os membros da nossa união já tinham começado a falar da possibilidade de eu me candidatar no ano passado. Na altura, não tínhamos um plano concreto sobre como lutar pelas fracções do Pearl Horizon. Já era o nosso objectivo, mas não sabíamos como concretizá-lo, além das manifestações e reuniões que organizámos, bem como a constituição de uma associação. Tínhamos várias ideias, entre elas a possibilidade de uma candidatura à Assembleia Legislativa (AL). Não tenho experiência nesta área. Se conseguir ser eleito, vou ter de dedicar muito tempo a esse trabalho.

Em que momento é que a decisão foi tomada?

A 31 de Março, caiu por terra a nossa esperança de que fosse explicada a intenção legislativa do Governo. No final do ano passado, surgiu a possibilidade de podermos ouvir [o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas] Lau Si Io, o que acabou por não acontecer. Estávamos à espera que dissesse que, com a entrada em vigor da nova Lei de Terras, caso surgissem problemas, podia abrir-se uma porta para se resolver o assunto. O período de apreciação e aprovação da lei foi muito curto. O Governo fez com que a lei fosse aprovada rapidamente, o que se calhar foi uma armadilha para que os deputados assinassem a proposta. É óbvio que quem está envolvido no assunto precisa de resolvê-lo. Com a implementação da lei, os proprietários foram afectados. Se a nova Lei de Terras tivesse entrado em vigor dois anos mais tarde, o edifício ficaria basicamente construído. Não estamos aqui a julgar se a implementação da nova lei de terras é incorrecta, mas tem impacto para nós. Pensávamos que, depois de uma explicação sobre a intenção legislativa, o Governo e a AL iriam avançar com uma solução para o caso do Pearl Horizon. Macau é uma cidade onde houve uma transferência de administração, está num período de transição, ou seja, as pessoas têm de ter em consideração o que vem do passado. A sociedade tem ignorado este aspecto. Os processos do retorno de Hong Kong e de Macau são casos únicos, é algo que nunca tinha acontecido. Como o Governo português esteve aqui tantos anos, a sociedade tem de prestar atenção à herança histórica e à questão dos terrenos antigos, como é o caso do Pearl Horizon. Em relação à minha candidatura, depois de termos perdido a esperança de ouvirmos uma explicação sobre a intenção legislativa, decidimos tentar entrar na AL, para lutarmos pelo que nos falta. Temos todos o mesmo objectivo e os membros da união querem que seja eu a candidatar-me. Não tenho um interesse pessoal mas, atendendo às solicitações dos membros, vou fazer o meu maior esforço. Vivo em Macau há mais de 30 anos. De facto, tenho muitas ideias em relação a esta sociedade. 

A lista para as eleições já está definida?

Ainda não temos uma lista confirmada.

Acredita que vai conseguir ser eleito?

Como disse na manifestação do 1.o de Maio, se nos unirmos, temos mais de três mil famílias e não será difícil conseguir um assento na AL. A questão mais importante é a união. Se tivermos só mil ou dois mil apoiantes, não podemos fazer nada. Se isso acontecer, demonstra que as pessoas não querem saber.

Além da questão do Pearl Horizon, que outros assuntos quer discutir na AL?

O direito à propriedade privada deve ser respeitado e protegido. Isto é importante, uma sociedade não é só composta por pessoas da classe baixa, mas também das classes média e alta. Não se deve ignorar a classe média. Há muitos funcionários públicos que também adquiriram fracções do Pearl Horizon, mas não têm coragem de falar. Não sei se é por causa do Governo ou se acham que estão numa posição delicada. Por isso, temos sido nós a lutar pelos seus direitos. Se não estivermos aqui, essas pessoas vão ter de enfrentar uma situação muito difícil, porque não podem dizer nada. Fui contactado por vários funcionários públicos que compraram casas no Pearl Horizon. Quem imaginaria que isto pudesse acontecer? O caso do Pearl Horizon é realmente uma armadilha. Não faço ideia se há um grupo das pessoas que decide do destino dos terrenos não aproveitados. Nós consideramos que esta sociedade é muito obscura, não sabemos o que podemos fazer. Em 2011, comprámos fracções de um edifício em construção e, em 2013, a nova Lei de Terras foi implementada. O Governo não deve tratar de todas as questões da mesma forma, sem ter em conta as situações especiais.

Por isso, se conseguir entrar na AL, quer discutir principalmente questões relacionadas com a propriedade…

A protecção do direito à propriedade privada e respeitar o que vem do passado. Digo sempre que a vida de uma pessoa tem muito que ver com a procura de um companheiro e de uma casa. Não há nada mais importante do que isto. Não estou a desvalorizar aqueles que acabam por se candidatar a uma habitação pública, mas todos nós temos uma cabeça, duas mãos e dois pés. Por que razão consigo comprar uma ou duas fracções, enquanto outros não conseguem? A sociedade não me oferece condições especiais, que me beneficiem. As pessoas precisam de rever o que fizeram.

Porque é que decidiu investir no Pearl Horizon?

Tinha confiança no grupo Polytec, que está em operações há mais de 30 anos e que construiu vários empreendimentos. O apartamento onde moro actualmente, no Villa de Mer, também foi da responsabilidade da Polytec. Também comprei esta fracção quando estava ainda em construção. Tenho quatro filhos. Sou da província de Fujian. Por uma questão de tradição, cuidamos do futuro dos nossos descendentes, ou seja, queremos deixar-lhes algo ou comprar-lhes uma casa. Por isso, decidi comprar um apartamento no Pearl Horizon. Posso dizer-lhe que muitos compradores do Pearl Horizon são chineses de Fujian. A casa em que investi é grande e fica numa excelente localização. Há pessoas que dizem que comprámos casas para especular, mas isto é um investimento. A lei permite que seja feito.

Sente que o caso do Pearl Horizon teve consequências ao nível psicológico?

Tenho o apoio da minha família. Sou o presidente da união. Todos acham que isto não é nada razoável, porque investimentos o nosso dinheiro, agimos de forma legal e cumprimos os procedimentos, mas não temos as nossas casas. É isso que causa o nosso descontentamento. O Governo precisa de assumir a responsabilidade, em vez de fazer contas aos custos e aos benefícios. Os compradores encontram-se numa situação muito complicada. Aqueles que têm de pagar uma prestação mensal sentem-se irritados porque não sabem se é adequado continuarem a fazer os pagamentos ao banco. A Lei de Terras teve consequências que são uma tragédia para a sociedade. 

Que análise faz ao desempenho do Governo nos últimos anos? O Governo representa as pessoas de Macau?

O Governo não fez os esclarecimentos que devia em torno da nova Lei de Terras. A maioria das pessoas de Macau não está muito atenta à política, o que é uma situação diferente da que se vive em Hong Kong. Quando se fala em reaver terrenos que estão nas mãos dos ricos, toda a gente concorda. Mas as pessoas não sabem o que é que realmente está a acontecer. E o Governo não fez os devidos esclarecimentos. Quando acontece algo desagradável, as pessoas começam logo a queixar-se. Antes das manifestações, já dizíamos que o Governo não desempenhava bem a sua função: além de não assumir responsabilidades, é tudo muito confuso.

Tem apoios financeiros para a sua candidatura à AL?

Vamos realizar em breve uma actividade de angariação junto dos proprietários. Não vamos usar os recursos financeiros da nossa união. Por isso, vamos pedir ajuda aos amigos e proprietários, que têm uma atitude muito positiva em relação à minha candidatura.

Defende a implementação do sufrágio universal para a eleição do Chefe do Executivo?

Compreendo que o território é um local onde se aplica o princípio “Um país, dois sistemas”. Acho que a noção “um país” deve servir como base e depois há aquilo que fazemos dentro do território. Como sou um cidadão de Macau, apoio a ideia. Mas, em primeiro lugar, não é adequado desafiar os poderes do Governo Central. Não tenho experiência de política, por isso falo à vontade. Temos de amar o país e o território, fazendo aumentar a qualidade de vida dos cidadãos e o seu grau de felicidade. As pessoas podem não ser felizes mesmo que ganhem 50 mil patacas por mês. Antigamente, quando ganhavam só três mil patacas, sentiam-se felizes, porque a vida era simples e confortável, sem grande stress e competição. Sobre o modo como elegemos os membros do Governo, a decisão deve representar a maioria das pessoas. Mas agora o território tem problemas ligados à habitação e aos transportes, o trânsito é muito mau e o metro ligeiro está ainda por desenvolver. Em termos de construção da habitação pública, o Governo precisa de ter um planeamento e garantir mais instalações para os residentes. O Governo precisa de analisar a situação de Macau, por exemplo, se são mesmo necessários tantos shuttle bus dos casinos.

No protesto do 1.o de Maio, falou-se da possibilidade de realizar uma conferência de imprensa em Taiwan e em Pequim sobre o caso Pearl Horizon.

É uma ideia de alguns membros da união e já existe há muito tempo. Entre os compradores muitos deles são de Taiwan, do interior da China, de Singapura e de Hong Kong. Mas não queria que fosse essa a política, embora o incidente passe a ser cada vez mais político. Tinha de controlar a situação e pensava que não precisávamos de ir nesse sentido para resolver o assunto.

E começa agora a sentir essa necessidade?

São as pessoas que pensam que existe essa necessidade, não sou eu que defendo a ideia. Mas não estou propriamente contra. Antigamente não concordava nada com essa possibilidade.

Uma conferência de imprensa no interior da China poderá ser então o caminho?

Tem-se falado numa petição dirigida a Pequim. Actualmente, em Pequim há uma entidade que recebe queixas de pessoas com dificuldades. Assim podemos pedir ajuda ao Governo Central, uma vez que não tivemos nenhuma solução do Governo de Macau.

Se não fosse o caso Pearl Horizon seria candidato à Assembleia?

Não. E não era capaz de imaginar que este incidente ia avançar até este ponto, ter estas consequências.

Vamos imaginar que, de repente, é encontrada uma solução para o problema. Continuará a ser candidato?

Tenho de fazer um esclarecimento: esta candidatura não partiu de uma ideia minha. São os membros da união que querem que eu me candidate. Tudo o que fazemos é decidido depois de realizadas reuniões e as decisões são tomadas com base nos votos da maioria das pessoas. Se o caso for resolvido em pouco tempo, é claro que será um resultado muito satisfatório. Sendo assim, se os membros entenderem que a candidatura não faz sentido, vou deixar de ser candidato. Se eles insistirem – para, por exemplo, fiscalizar os trabalhos das obras e gestão na zona no futuro –, continuarei a ser candidato.

Foi divulgado um vídeo nas redes sociais que mostra alegadamente pessoas a receberem dinheiro para participarem nas manifestações do 1.o de Maio. É verdade?

Não, não pagámos para ter mais participantes na manifestação. Em todas as manifestações que organizámos, nada é obrigatório. Por exemplo, se os participantes quiserem sair mais cedo, não há qualquer problema. Nunca pagámos aos participantes.

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