A menoridade e a doação de órgãos

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap] semana passada o site de notícias SCMP de Hong Kong, anunciou que a jovem Michelle, de 17 anos, solicitou à Autoridade Hospitalar de Hong Kong autorização para ser submetida a exames médicos, porque queria doar parte do fígado à mãe. Michelle só completa 18 anos daqui a três meses – a idade legal para se poder ser doador. A mãe de Michelle, Tang Kwai-sze, cujo fígado deixou praticamente de funcionar, estava na Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital Queen Mary, em Hong Kong, entre a vida e a morte. Se não se encontrasse com urgência um doador compatível, poderia ter apenas alguns dias de vida.

Mas, de repente, o milagre aconteceu. Ah Yan, uma jovem de 26 anos residente em Hong Kong, voluntariou-se para doar parte do fígado a Tang. A operação, que teve lugar no passado dia 13 e durou 13 horas, foi bem-sucedida. Na altura em que este artigo foi escrito, Tang e Ah Yan encontravam-se bem.
Este caso desencadeou um debate em Hong Kong em torno da doação de órgãos. Nesta cidade o Regulamento de Transplante de Órgãos Humanos impede a Autoridade Hospitalar de efectuar transplantes de órgãos de menores. Segundo o Regulamento, não existem excepções. A lei é rigorosa para proteger os menores. Os doadores têm de ter pelo menos 18 anos.
Kwok Ka-ki, médico e deputado do Civic Party, afirma que a lei de Hong Kong está a atrasar os processos e não vai ao encontro da posição oficial do Governo, que encoraja a doação de órgãos. Na Escócia não existe limite de idade para doadores e em Alberta, no Canadá, os menores são autorizados a doar órgãos e tecidos.
No entanto, este assunto é muito questionável. A lei pretende proteger os menores quando impede que existam doadores com menos de 18 anos. Michelle tem 17 anos e 9 meses. Está a três meses de completar os 18. Em termos de idade a diferença é praticamente nula. Além disso a destinatária da sua doação seria a mãe. Alguém com quem tem uma relação muito estreita. Michelle expressou a sua vontade perante a opinião pública de doar parte do fígado para salvar Tang. Neste caso não pode haver suspeitas de pressão psicológica. Só podemos concluir que Michelle desejava salvar a mãe por vontade própria. A doação era uma forma de afirmação de amor filial.
No entanto, devemos compreender que a lei é a lei. “18 anos” é a idade mínima legal para se ser doador de órgãos. Com esta idade existe maturidade legal. A pessoa tem capacidade de tomar decisões e é responsável pelas suas acções.
Desta forma podemos concluir que, se Michelle fosse autorizada a doar parte do fígado a Tang, não só seria ilegal, como se veria privada de protecção jurídica.
A lei em Hong Kong é diferente da de Macau. Em Macau, os menores não podem assumir qualquer responsabilidade pelos seus actos. A responsabilidade civil está totalmente a cargo dos pais. Contudo, em Hong Kong, têm autonomia para tomar algumas decisões legais. Podem, por exemplo, celebrar contratos de compra e venda de bens destinados ao seu consumo. Esta possibilidade está consignada na secção 4 do Regulamento de Compra e Venda.
De acordo com a jurisdição do Direito Comum, o menor é protegido por diversos mecanismos. O exemplo típico é o que se refere ao casamento. Se um menor se casar, dentro de um certo prazo, pode anular a união após completar os 18 anos. E que duração tem esse prazo? A lei não específica. Varia de caso para caso. Mas o casamento de um menor está dependente da autorização paterna.
Outro exemplo é a criação de uma sociedade comercial. Se um menor for sócio de uma empresa comercial terá de beneficiar da sua parte dos lucros, mas, caso haja prejuízos, não será responsabilizado pela sua parte das perdas, o único responsável será o sócio adulto.
A mesma lógica vai aplicar-se se um menor comprar acções ou propriedades. É por este motivo que as seguradoras de Hong Kong não aceitam cobrir negócios que envolvam sócios menores. Para o fazerem todos os envolvidos terão de ter mais de 21 anos.
Podemos assim constatar que, perante o sistema jurídico de Hong Kong, os menores têm algumas capacidades, mas não a capacidade plena para tomar decisões legais. Para proteger os seus interesses, a lei estabelece alguns limites. A doação de órgãos encontra-se para lá desses limites.
No entanto, o Governo da RAEHK anunciou que irá proceder a uma consulta pública sobre esta matéria. A possibilidade de os menores doarem órgãos vai ser debatida no seio da sociedade de Hong Kong. Para já, ninguém sabe quais vão ser as conclusões deste debate. Mas uma coisa será certa, mesmo que os menores venham a ser autorizados a doar órgãos, essa autorização vai estar restrita a situações muito especiais. A protecção aos menores consignada na lei não poderá ser afectada por um novo regulamento.

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