Xi Jinping e Trump reúnem-se num clima de relações dúbias

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s Presidentes dos Estados Unidos e China, Donald Trump e Xi Jinping, respectivamente, reúnem-se entre quinta e sexta-feira, num período de incerteza quanto ao futuro das relações bilaterais e aparente inversão de papéis no cenário internacional.

A visita de Xi aos EUA era tida como pouco provável até há cerca de dois meses, quando Trump suscitou protestos em Pequim devido às suas afirmações de que poderia vir a deixar de reconhecer a política “Uma Só China”, vista pela República Popular como uma garantia de que Taiwan é parte do seu território.

Numa chamada telefónica realizada em meados de Fevereiro, porém, Trump voltou atrás e disse reconhecer aquele princípio, abrindo portas à visita, que decorrerá entre 6 e 7 de Abril, no resort de Trump em Mar-a-Lago, na Florida.

A imprevisibilidade demonstrada pelo líder norte-americano terá, contudo, deixado os chineses apreensivos.

“Os chineses temem que Trump crie uma situação embaraçosa para Xi Jinping. Temem a sua imprevisibilidade”, comentou um diplomata europeu em Pequim.

A cautela chinesa não é novidade, mas encontra no contexto atcual motivos reforçados.

Manobras de Xi

Xi Jinping imprimiu uma nova dinâmica na política externa chinesa, defendendo a globalização e o livre-comércio, em contraste com Trump.

Sob a sua liderança, a China lançou iniciativas como a nova Rota da Seda, um gigante plano de infra-estruturas que abrange a Ásia, África e Europa, e – sinal dos tempos – é comparado por alguns analistas ao norte-americano ‘Plano Marshall’, lançado a seguir à Segunda Guerra Mundial.

“Adoptar o proteccionismo é como uma pessoa fechar-se num quarto escuro. O vento e a chuva ficarão lá fora, mas o quarto escuro bloqueará também a luz e o ar”, afirmou, em Janeiro passado, numa inédita intervenção no Fórum Económico Mundial de Davos.

Aquele discurso foi feito poucos dias antes de Donald Trump tomar posse como Presidente dos EUA.

Fala Donald

No seu discurso inaugural, Trump avisou: “Um novo capítulo na grandeza americana está agora a começar”.

“Não irei permitir que os erros das recentes décadas definam o curso do nosso futuro. Por muito tempo, observámos a nossa classe média encolher, à medida que exportámos postos de trabalho e riqueza para outros países”, disse.

A redução do défice comercial que Washington tem com a China (347 mil milhões de dólares) é uma prioridade para o líder norte-americano, que culpa o país asiático pela destruição de emprego nos EUA.

Por outro lado, Pequim está a encetar uma transição no seu modelo económico, visando maior preponderância do consumo interno, em detrimento das exportações e do investimento público.

Uma alteração brusca na política do seu principal parceiro comercial – e Trump ameaçou já aumentar os impostos sobre as importações oriundas da China – levaria a uma subida do desemprego, que poderia afectar a estabilidade social no país asiático.

O primeiro encontro entre os dois chefes de Estado terá também a Coreia do Norte em pano de fundo.

Trump acusa a China de não fazer o suficiente para travar o controverso programa nuclear de Pyongyang, visto ser o mais importante aliado comercial e diplomático do regime liderado por Kim Jong Un.

Porém, a China afirma que a sua influência sobre o país vizinho é limitada.

A diplomacia chinesa já indicou que o encontro tem como objectivo permitir aos dois lideres conhecerem-se melhor, reservando questões sensíveis para reuniões posteriores.

Trump, por seu lado, prevê uma reunião “muito difícil”.

“A reunião na próxima semana com a China deve ser muito difícil. Não podemos continuar a ter enormes défices comerciais (…) e perdas de emprego. As empresas americanas devem procurar outras alternativas”, escreveu na sua conta na rede social Twitter.

Especialista espera “tom conciliatório” no encontro de Presidentes

O especialista norte-americano Andrew Nathan defendeu ontem que o Presidente dos EUA, Donald Trump, deverá adoptar um tom mais conciliatório no seu primeiro encontro com o Presidente da China, Xi Jinping.

Especialista em China da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, Andrew Nathan disse à Lusa que “é difícil saber” como vai decorrer o encontro, “porque Trump tem falta de ‘staff’ e de disciplina pessoal”, mas que espera “um tom mais conciliatório” por quatro razões.

“Trump está focado em problemas domésticos e não precisa de uma crise com a China; parece estar muito sob a influência de Jared Kushner, que favorece uma linha conciliatória; foi esse o tom que [Rex] Tillerson adoptou na sua recente viagem à China e, finalmente, o lado chinês é muito experiente em relações transaccionais, e acho que preparam Trump para esse tipo de negociação”, disse.

Os chineses, explica Andrew Nathan, “vão querer discutir Taiwan e procurar o apoio dos EUA para a política de uma China”, segundo a qual o Tibete, Hong Kong, Macau, Xinjiang e Taiwan são parte do seu território, e tentar “reduzir o apoio diplomático e venda de armas para Taiwan.”

O Presidente chinês deve pedir também uma redução da presença dos EUA no Mar do Sul da China, uma zona rica em recursos e uma importante rota de comércio sobre a qual o país reclama “soberania indiscutível”, bem como uma redução das restrições de produtos do seu país por empresas americanas.

Os americanos, por sua vez, devem pedir apoio para pressionar a Coreia do Norte, como de costume, mas Donald Trump não deve falar sobre violações de direitos humanos, algo que os Presidentes americanos fazem habitualmente.

“Os americanos normalmente levantariam a questão dos direitos humanos, mas Trump não o deve fazer. Os seus pontos principais estarão relacionados com a economia, como um maior acesso ao mercado chinês e procura de investimento chinês na infra-estrutura dos EUA”, explica o professor universitário.

Receios e fraquezas

Andrew Nathan, que já escreveu mais de uma dezena de livros sobre a China e é membro da Comissão Nacional EUA-China, espera “um posicionamento menos confrontante com a China do que aquele que houve durante [os mandatos de] Obama” e teme o que isso significa para o sistema internacional.

“Receio que, com o pouco entendimento que Trump tem da complexidade dos assuntos asiáticos, ele enfraqueça a posição estratégica dos EUA na Ásia em troca de concessões económicas que acabarão por beneficiar mais a China do que os EUA”, conclui o americano.

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