VozesGernika Leocardo - 2 Mar 2017 [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]assavam alguns minutos das dez da manhã do último dia 1 de Agosto quando saí da minha casa na Rua Urritibide, em Bilbau, e minutos depois estava na estação de Casco Viejo, onde menos de meia hora de metro me levaram à estação do ajuntamento de Gernika-Lumo. A cidade de Gernika, completamente destruída em Abril de 1937 pelos bombardeamentos da Luftwaffe nazi, tem hoje 16 mil habitantes, e um outro tanto de histórias para contar. Situada na região de Basturialdea, no vale do rio Oka, a cidade ficou imortalizada naquele que é provavelmente o quadro mais famoso de Pablo Picasso, “Guernica” – o seu nome em castelhano. Cheguei pouco antes da hora de almoço, e depois de me deliciar com algumas guloseimas na conceituada pastelaria Bidaguren, fui visitar um pouco da cidade, sentir-lhe o pulso, e depois de queimar as calorias do “brunch”, arranjei lugar para os deliciosos pimentos verdes de Gernika – os melhores do mundo, sem exagero. Era então altura de realizar um sonho de infância: ir ver a “Gernikako arbola” – o carvalho centenário de Gernika, símbolo vivo da identidade basca. A primeira “arbola” (“árvore”, em basco), conhecida entre os locais como “o pai”, foi plantada no século XIV, e ali ficou durante 450 anos, até dar lugar à “velha árvore”, cujo tronco se encontra rodeado de um pequeno gazebo perto da actual. A terceira, e provavelmente a mais famosa, foi plantada em 1860, sobrevivendo ao bombardeamento de Gernika e às tentativas das tropas falangistas de a destruir durante a Guerra Civil espanhola. Contudo não resistiu a um fungo, que acabaria por a matar já em 2004, mas o ajuntamento preservou algumas pernadas, entre elas a actual “arbola”, plantada em 2015. Quando cheguei às “juntas generales”, onde se encontra o carvalho de Gernika, deparei com o tal gazebo onde se encontra o tronco já ressequido e praticamente oco, e resolvi confirmar junto de um funcionário que se encontrava à porta do museu se era aquela a segunda encarnação da árvore. Não sei se me fiz entender, mas o simpático senhor colocou-me a mão no ombro, levou-me por uma pequena sala dedicada à heráldica basca, e deixou-me à porta do jardim onde se encontrava a “arbola”, dizendo em voz baixa, quase sussurrando: “esta é a nossa árvore, a original, e a alma do nosso povo”. Agradeci-lhe, e lá me deixou ali, completamente só, perante a famosa “arbola”, junto da qual e ainda hoje os mandatários do povo basco prestam juramento quando tomam posse de cargos públicos. Não me comovo com facilidade, e nem senti nada que se parecesse com um nó na garganta, mas antes uma espécie de apertão no peito: perante mim estava a árvore que um dia Adolf Hitler quis para si, crendo que possuía poderes mágicos. Foi um momento especial, e ainda mais sabendo que aguardei tantos anos até estar perante aquele pedaço do meu imaginário. Não sou muito dado a nacionalismos de nenhum tipo, mas simpatizo com a causa basca, pois é um pretensão que além de justificada pela História, é também inclusiva – na eventualidade de um dia ser criado o estado independente do Euskal Herria (País Basco espanhol e francês e Navarra), pode ser basco quem quiser, quem se sentir basco. Para quem ainda não o fez, recomendo a todos que incluam na lista de destinos a visitar enquanto ainda por cá andam a cidade de Gernika, e a sua “arbola”, o orgulho de um povo que resistiu às mais violentas intempéries da História. Denok Gernikako dira – somos todos cidadãos de Gernika.