O auto didacta botânico e naturalista Alfredo Augusto de Almeida

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]lfredo Augusto de Almeida (1898-1971) é das poucas pessoas que em Macau tem, ou teve, uma estátua. Mas quem reconhece o seu nome? Não foi político, nem exerceu nenhum cargo de governação, assim como não era rico, nem esteve ligado ao comércio. Era um humilde funcionário público, homem autodidacta que gostava de saber, de aprender e ensinar, que se especializou em botânica e com quem muitos estrangeiros, que vinham a Macau, gostavam de falar. Também a ele se deve a recuperação de muitas das pedras pertencentes à História da cidade, atiradas para o lixo depois de partidas.

Tetraneto do Primeiro Barão de Porto Alegre, um dos comerciantes de ópio mais ricos de Macau nos inícios do século XIX, Alfredo Augusto de Almeida nasceu em Macau a 21 de Janeiro de 1898 e aqui faleceu a 13 de Novembro de 1971. Era o sexto filho de Carlos Eugénio de Almeida e de D. Adelaide Maria Marques, tendo-se casado na Sé no dia 26 de Julho de 1925 com D. Rosalina Maria Boyol, mas não deixou descendência. Segundo o que refere Jorge Forjaz, “não herdou a fortuna dos seus antepassados e, por isso, foi toda a vida um humilde funcionário público e municipal. Mas herdou as suas virtudes, a sua grandeza de alma e um nobre coração. Filho de Macau, da mais ilustre aristocracia macaense, este homem foi sempre leal e honesto, nobre e respeitador no trato social e amigo da sua terra como poucos. A este botânico e naturalista, os jardins de Macau devem-lhe muito e o da Flora deve-lhe quase tudo, inclusivamente a classificação científica de todas as plantas e animais que lá existiam. Apaixonado pela floricultura e pela ornitologia”, reconstruiu o jardim da Igreja de S. Lourenço em 1935, sob as indicações da Sra. D. Laura Lobato.

Depois da II Grande Guerra Mundial, Alfredo Augusto de Almeida, ao serviço do Leal Senado, renovou e transformou o espaço verde do Jardim da Flora, introduzindo novas espécies de flores, árvores de fruto e até uma pequena fauna.

“Era um homem que se fez a si mesmo, um self made man, lia e consultava as autoridades em botânica e na arqueologia; por isso o Prof. Williams, de St. Francis Xavier College, perito em botânica, nunca vinha a Macau que não fosse a sua casa; o mesmo fez sempre o brigadeiro e historiador Sir Lindsay Ride, que tinha por ele o maior apreço; o então Governador Jaime Silvério Marques (1959-1962) correspondia-se frequentemente com este funcionário, a quem tanto apreciara e elogiara durante o seu Governo de Macau”, segundo refere o Padre Manuel Teixeira.

Museu Arqueológico de S. Paulo

Terminamos o artigo da semana anterior com a transferência das lajes sepulcrais, que foram removidas do chão do átrio do edifício do Leal Senado e colocadas no Museu Arqueológico das Ruínas de S. Paulo, instituído pelo então Governador Jaime Silvério Marques (1959-1962), nele se empenhando com todo o interesse o Sr. Fernando da Silva Amaro. Muito mais tarde, a esposa do então Governador Nobre de Carvalho disse ao presidente da Câmara que removesse as pedras do recinto de S. Paulo para outro local, onde não estivessem expostas às intempéries do tempo. “O presidente deu as suas ordens aos assalariados da Câmara e estes, achando as pedras enormes e muito pesadas, desconhecendo o seu valor histórico, pegaram em marretas e partiram-nas em vários pedaços e lançaram-nas para a doca de Lamau”, como refere o Padre Manuel Teixeira, dizendo ter-lhe sido tal relatado pelo amigo Alfredo de Almeida, que sabia melhor que ninguém o que se passara.

Preparava Sir Lindsay Ride, ex-Chanceler da Universidade de Hong Kong, a obra The Voices of Macao Stones e pediu ao Padre Manuel Teixeira que fizesse a revisão. Foi então que este padre, encontrando grandes lacunas por faltarem as pedras do Museu Arqueológico de S. Paulo, descobriu terem estas daí desaparecido. Procurou o Sr. Alfredo de Almeida e ele, após contar o que ocorrera, levou-os à Doca de Lamau onde andaram à procura das pedras quebradas em 1966. Passaram vários meses nessa tarefa, andando Alfredo de Almeida também a recolhê-las pelas valetas da cidade. Sir Lindsay Ride, em conjunto com o Padre Manuel Teixeira, reuniram pedaço por pedaço até as reconstituir e Almeida incumbiu-se de os cimentar. Mas muitas pedras tinham desaparecido. A 5 de Maio de 1969 fizeram um Ofício ao Governador da Província Nobre de Carvalho onde dão a Voz das Pedras de Macau. “E elas falaram e pediram que transmitisse a V. Exa. o seu pedido: queixam-se de que estão votadas ao abandono, parte na Flora e parte na doca do Lamau, onde se vêem em risco de serem destruídas e levadas para construção de casas”.

Assim a pedido do Padre Manuel Teixeira, o Governador de Macau mandou, no início de 1971, colocar na Fortaleza do Monte as pedras históricas recuperadas e o Museu ficou na parada da Fortaleza, à direita de quem entra.

Das muitas pedras que Alfredo de Almeida conseguiu salvar, encontrava-se a cabeça de leão, por onde jorrava a água da Bica do Nilau (Fonte do Lilau), no sopé da Colina da Penha. Devido à sua remodelação daí fora retirada, mas agora está ela de novo desaparecida, restando dessa fonte a cabeça de Neptuno, hoje incrustada no muro do jardim da Casa Garden. Também a estátua de granito dum holandês, que se encontrava na Fortaleza da Guia, foi levada para o Museu Arqueológico das Ruínas de S. Paulo. O corpo aí se manteve, mas a cabeça foi encontrada pelos funcionários das Obras públicas no esgoto da Calçada do Botelho. Almeida reuniu de novo a cabeça ao tronco e a estátua foi para o Jardim da Flora, passando depois para os Jardins da Casa Garden, encontrando-se hoje no Museu do Oriente, em Lisboa.

Assim Macau deve bastante a Alfredo de Almeida pela recuperação de muitas das pedras de alto valor arqueológico pertencentes à História da cidade, atiradas para o lixo depois de partidas pois, conseguiu salvar da destruição inúmeras delas.

“Oseo Acconci, que tanto o estimava, moldou o seu busto, um mês antes da sua morte, o qual foi colocado no passeio central do Jardim da Flora, com a seguinte legenda: <A Alfredo Augusto de Almeida que em vida tanto amor dedicou a este jardim 1898-1971>”, segundo refere o Monsenhor Manuel Teixeira.

Lembro-me de ver esta estátua ainda em 1994 e quando dela de novo me recordei, não a encontrei. Por indicação do Eng. Agrónomo António Paula Saraiva, ela encontrava-se agora no Jardim do NAPE. Bem a procurei, mesmo nas arrecadações do jardim, mas nada, a estátua desaparecera e ninguém sabe dela.

NOTA: Antes de encerrar o ano do Macaco no calendário chinês, deixamos aqui corrigido o lamentável erro publicado no artigo de 18 de Novembro de 2016 com o título Gincana de automóveis na Feira de Macau. O primeiro automóvel a circular em Portugal foi adquirido pelo Conde Jorge Avillez que, em Outubro de 1895, (e não em 11 de Outubro de 1914, como por lapso fizemos referência), na sua primeira viagem, que demorou três dias, feita entre Lisboa, onde tinha ido buscar o Panhard and Levassor e a sua casa, em Santiago do Cacém, este aristocrata conduzindo-o a 15 km/h, entre várias peripécias, atropelou um burro, causando-lhe a morte.

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