Sida atingia 850 mil chineses no final de 2015

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]esde o primeiro caso, registado em 1985, que a doença não tem parado de crescer no país mais populoso do mundo. A discriminação e os preconceitos continuam a ser uma realidade

A China registou quase 110 mil novos casos de infecção com o vírus da Sida em 2015, elevando para 850 mil o número total de infectados, 0,06% da população, segundo dados oficiais revelados sexta-feira.

Encarada outrora na China como uma “doença de estrangeiros”, fruto de “um estilo de vida capitalista e decadente”, a sida fez a primeira vítima no país em 1985. Até ao final do ano passado, matou 177.000 pessoas na nação mais populosa do mundo, com cerca de 1.375 milhões de habitantes.

Considerado o mais antigo sobrevivente do vírus da sida na China, Meng Lin sabe o que é sentir-se culpado, abandonado, rejeitado, mas não o que é desistir, lutando hoje pelos direitos dos seropositivos no país.

Meng, que em 2006 fundou o China Alliance of People Living with HIV/AIDS (CAP+), organização não-governamental com sede em Pequim, foi diagnosticado VIH positivo há 21 anos.

Ao saber da doença, a família sugeriu-lhe que saísse de casa. Partiu depois de um último jantar, na véspera do Ano Novo chinês.

“Tive que lutar sozinho”, recorda à agência Lusa. “Na altura, não havia qualquer informação sobre a sida”.

“Os pacientes eram somente colocados em quarentena, como era procedimento com as restantes doenças infecciosas”, conta.

A história de Meng Lin, que sobreviveu mais de um quinto de século como seropositivo, ilustra as dificuldades do país em lidar com a doença.

Em 1996, aceitou servir de cobaia num teste clínico: durante quase cem dias foi mantido isolado num hospital de Pequim, com outros três pacientes.

Um deles suicidou-se; os outros dois morreriam meses mais tarde.

Meng não desistiu: vendeu a casa que tinha na capital chinesa e recorreu à terapia antirretroviral, com recurso a medicamentos importados dos Estados Unidos.

No total, terá gasto “cerca de três milhões de yuan”, até que, em 2009, a China legalizou aqueles fármacos.

O primeiro ‘boom’ da sida no país aconteceu em meados dos anos 1990, na província de Henan.

Centenas de milhares de camponeses pobres ficaram infectados, devido a um esquema ilegal de comércio de sangue.

O sangue de diferentes origens era misturado e, depois de extraído o plasma para ser vendido à indústria de biotecnologia, injectado de novo nos camponeses, para evitar anemias.

Até então, a maioria dos poucos casos oficialmente conhecidos na China dizia respeito a chineses que tinham trabalhado fora do país.

“Os portadores do VIH eram vistos como criminosos. E eu sentia também a consciência pesada. Ajudar outros na mesma condição era uma forma de aliviar o sentimento de culpa”, lembra Meng.

Crime sem castigo

A CAP+ tem hoje 109 afiliados em toda a China e conta com o apoio financeiro de organizações estrangeiras, como a Fundação Ford ou a Fundação Holandesa contra a Sida.

“O maior problema continua a ser a recusa dos hospitais em tratar os pacientes”, diz Meng Lin. Outra questão é o tratamento injusto por parte dos empregadores.

Meng quer um reforço na aplicação da lei que estipula que os hospitais não podem rejeitar pacientes seropositivos e que despedir com base na doença é ilegal.

“Os infractores raramente são punidos e a lei não prevê um castigo”, diz.

Em 2012, o Presidente chinês, Xi Jinping, criticou a “ignorância” e “preconceitos” sobre a doença, referindo-se aos seropositivos como “irmãs e irmãos”, que deviam “receber amor de toda a sociedade”.

Regulações e leis sugerem, porém, que o Governo chinês mantém uma posição contraditória.

Os candidatos à função pública chinesa, por exemplo, são sujeitos a um exame físico que inclui o rastreio do vírus, estando automaticamente desqualificados os seus portadores.

Em 2013, o Ministério do Comércio chinês elaborou mesmo um projecto de lei para banir seropositivos de frequentar casas de massagens e spas.

A normativa não foi aprovada, mas Meng considera que “estas situações aumentam os riscos de transmissão”.

“Devido à discriminação a que são sujeitos, muitos seropositivos optam por ocultar a doença, sendo forçados a viver na marginalidade”, diz.

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