China / ÁsiaSida atingia 850 mil chineses no final de 2015 Hoje Macau - 5 Dez 2016 [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]esde o primeiro caso, registado em 1985, que a doença não tem parado de crescer no país mais populoso do mundo. A discriminação e os preconceitos continuam a ser uma realidade A China registou quase 110 mil novos casos de infecção com o vírus da Sida em 2015, elevando para 850 mil o número total de infectados, 0,06% da população, segundo dados oficiais revelados sexta-feira. Encarada outrora na China como uma “doença de estrangeiros”, fruto de “um estilo de vida capitalista e decadente”, a sida fez a primeira vítima no país em 1985. Até ao final do ano passado, matou 177.000 pessoas na nação mais populosa do mundo, com cerca de 1.375 milhões de habitantes. Considerado o mais antigo sobrevivente do vírus da sida na China, Meng Lin sabe o que é sentir-se culpado, abandonado, rejeitado, mas não o que é desistir, lutando hoje pelos direitos dos seropositivos no país. Meng, que em 2006 fundou o China Alliance of People Living with HIV/AIDS (CAP+), organização não-governamental com sede em Pequim, foi diagnosticado VIH positivo há 21 anos. Ao saber da doença, a família sugeriu-lhe que saísse de casa. Partiu depois de um último jantar, na véspera do Ano Novo chinês. “Tive que lutar sozinho”, recorda à agência Lusa. “Na altura, não havia qualquer informação sobre a sida”. “Os pacientes eram somente colocados em quarentena, como era procedimento com as restantes doenças infecciosas”, conta. A história de Meng Lin, que sobreviveu mais de um quinto de século como seropositivo, ilustra as dificuldades do país em lidar com a doença. Em 1996, aceitou servir de cobaia num teste clínico: durante quase cem dias foi mantido isolado num hospital de Pequim, com outros três pacientes. Um deles suicidou-se; os outros dois morreriam meses mais tarde. Meng não desistiu: vendeu a casa que tinha na capital chinesa e recorreu à terapia antirretroviral, com recurso a medicamentos importados dos Estados Unidos. No total, terá gasto “cerca de três milhões de yuan”, até que, em 2009, a China legalizou aqueles fármacos. O primeiro ‘boom’ da sida no país aconteceu em meados dos anos 1990, na província de Henan. Centenas de milhares de camponeses pobres ficaram infectados, devido a um esquema ilegal de comércio de sangue. O sangue de diferentes origens era misturado e, depois de extraído o plasma para ser vendido à indústria de biotecnologia, injectado de novo nos camponeses, para evitar anemias. Até então, a maioria dos poucos casos oficialmente conhecidos na China dizia respeito a chineses que tinham trabalhado fora do país. “Os portadores do VIH eram vistos como criminosos. E eu sentia também a consciência pesada. Ajudar outros na mesma condição era uma forma de aliviar o sentimento de culpa”, lembra Meng. Crime sem castigo A CAP+ tem hoje 109 afiliados em toda a China e conta com o apoio financeiro de organizações estrangeiras, como a Fundação Ford ou a Fundação Holandesa contra a Sida. “O maior problema continua a ser a recusa dos hospitais em tratar os pacientes”, diz Meng Lin. Outra questão é o tratamento injusto por parte dos empregadores. Meng quer um reforço na aplicação da lei que estipula que os hospitais não podem rejeitar pacientes seropositivos e que despedir com base na doença é ilegal. “Os infractores raramente são punidos e a lei não prevê um castigo”, diz. Em 2012, o Presidente chinês, Xi Jinping, criticou a “ignorância” e “preconceitos” sobre a doença, referindo-se aos seropositivos como “irmãs e irmãos”, que deviam “receber amor de toda a sociedade”. Regulações e leis sugerem, porém, que o Governo chinês mantém uma posição contraditória. Os candidatos à função pública chinesa, por exemplo, são sujeitos a um exame físico que inclui o rastreio do vírus, estando automaticamente desqualificados os seus portadores. Em 2013, o Ministério do Comércio chinês elaborou mesmo um projecto de lei para banir seropositivos de frequentar casas de massagens e spas. A normativa não foi aprovada, mas Meng considera que “estas situações aumentam os riscos de transmissão”. “Devido à discriminação a que são sujeitos, muitos seropositivos optam por ocultar a doença, sendo forçados a viver na marginalidade”, diz.