Rui Reininho, músico: “Vim para Macau afinar o meu diapasão a Oriente”

Há muitos anos, da última vez que cá esteve, o território deu-lhe uma música para construir. Agora, a convite dos Balla, regressa para um concerto no Bazar, ao final da tarde de hoje. Espera levar daqui outras perspectivas, porque o Oriente lhe faz bem. Rui Reininho está aqui

[dropcap]A[/dropcap] última vez que o Rui esteve em Macau para um concerto foi em 1990.
Eu tenho isso bem fresco porque temos uma página na biografia dos GNR, a que chamamos as impressões orientais, onde estão as fotos de Macau, indesmentível. Estava escrito no palco “Rock Macau – 90”, e encontrei uma t-shirt que levei de recuerdo que diz, precisamente, GNR Rock Macau 90. Portanto, 26 anos depois regresso a convite do “homem Balla”. Vim numa bala.

Qual é a sensação de regressar a Macau passado tanto tempo?
É preciso coragem, especialmente na circunstância em que estava. A viagem é longa, custa um bocadinho, mas vale a pena quando se chega e se vêem aqui coisas tão interessantes. Há indícios de Portugal em todo o lado, os autocarros dizem “seja cordial”, é muito interessante ver o registo linguístico de Portugal. Depois começam as estórias todas, parece que estão a querer limpar todos os símbolos do colonialismo português, mas depois esquecem-se de outras coisas como a esfera armilar que ainda está ali. É bonito, de uma certa maneira, há uma certa violência num sítio que foi ganho aqui ao mar. Em 1990 não havia sequer aeroporto. Mas há coisas que são impressionantes. Nós ontem viemos no jetfoil e passámos sob aquela ponte enorme. Pronto, são cidades que apostam muito na engenharia, na construção. Isto devia ser um paraíso para a Mota Engil e para a Soares da Costa. Para mim, é só um espanto.

Qual a sensação de estar prestes a voltar pisar o palco em Macau?
Macau é daqueles sítios que nos ficam, sem prejuízo para o Bombarral e Trancoso, terras que eu guardo com saudade. Mas, de facto, os espectáculos aqui foram tão marcantes quanto aqueles que as pessoas nos atribuem como emblemáticos, por exemplo o do Estádio de Alvalade.

Há uma história de cumplicidade com o Armando Teixeira.
Tornou-se numa grande amizade. Contactamos há muitos anos, a partir de um projecto pequenino a convite da Fnac para fazer uma versão do “Once in a lifetime” dos Talking Heads. Depois surgiu o convite da Sony para fazer um disco a solo, e eu convidei o Armando para produtor. Para mim, ele é o produtor mais brilhante da música pop nacional, mas ecléctico, sem comparação com mais ninguém. O Armando é completo. Além de dar muito atenção ao som, corta e cose muito bem, é um mestre em editing. Tem uma visão muito global e específica. Ainda por cima, trabalhar com um amigo é extraordinário, e tem ascendência sobre mim, sim. É aquela pessoa que me ralha. Mesmo em termos de comportamento, ele é muito mais disciplinado. Eu tenho aquele lado infantilópide que mantive e o Armando disciplina e diz “não, tens de fazer outro take”, é daquelas pessoas que vai buscar o melhor de mim e conhece-me bem.

Vocês fizeram uma colaboração num livro com música, o “Chá, café e etc”…
Sim, nós vamos começar o espectáculo com um intro de quatro chás seguidos. É um início difícil, espero que as pessoas não pensem que o espectáculo é só isso. Depois temos os Balla. Aí vem a minha parte como artista convidado, vamos tocar também o “Vídeo Maria” dos GNR.

Como é ver outros artistas pegarem nos temas dos GNR?
Nós, os grandes, como a dona Amália, não gostamos muito de ver os outros a fazer interpretações dos nossos temas. Estou a brincar (risos). Por acaso, não é coisa que me agrade muito, aquelas versões televisivas ou em concursos. Não é pensar que tenho mais mérito, mas acho estranho, esquisito. Espero que me poupem nas exéquias, porque eu, como na música “Valsa dos detectives”, dou uma volta no caixão. Não darei porque uma das minhas vontades é ser “cromado” (risos) ali na Rua da Torrinha numa cromagem de pára-choques (risos). Curiosamente, gostei da chamada homenagem no disco “Revistados” porque era outra geração com gente ligada ao R&B e Hip Hop, e acho que tem ali versões muito engraçadas.

O que é que o público de Macau pode esperar hoje?
Será surpreendente e acho muito interessante que este festival aconteça numa zona da cidade que é de grande incidência da cultura chinesa. Recordando o concerto de 1990, a reacção foi um bocado fria, até porque as pessoas não conheciam as músicas. Também havia os sorridentes mas eles, na altura, estavam mais interessados numa banda pop rock de Hong Kong.

Chegou há pouco tempo a Macau, como têm sido estes primeiros tempos?
Ainda não aterrámos, mas estamos num sítio maravilhoso, a Casa Garden, a cinco minutos do Jardim Camões. É uma casa colonial, tropical, com bambus. Acredito muito nas vibrações dos sítios, portanto, é um sítio com uma portugalidade muito intensa e antiga, mercantil. É interessante este toque colonial, gosto muito da decadência dos impérios e de os visitar. Aliás, um dos próximos países que hei-de visitar são os Estados Unidos da América do Norte. Acho que nos próximos anos vamos ter ali surpresas.

Os GNR celebraram agora 35 anos…
Estamos sempre a celebrar porque nunca parámos. Foi um ano cheio de espectáculos e vamos fazer um prolongamento. Para o ano sou eu a fazer 35 anos de GNR – como entrei um ano a seguir, temos mais uma desculpa. Vamos também fazer um espectáculo no Porto. O Porto fica sempre assim com aquela pedra no sapato, “foram a Guimarães e não vieram aqui?”, parece o Porto a rosnar. Começamos por Coimbra, na passagem de ano.

Voltar a estúdio está nos vossos planos? 
O estúdio é nosso, o selo é nosso. Mesmo agora, quando fizemos a biografia, eu e o Toli juntámo-nos e acabou por nascer o “Arranca coração”, que é o chocolatinho no café. Há sempre a necessidade e o prazer de estar a funcionar e a trabalhar, porque temos de investir em nós próprios. A música em Portugal, infelizmente, não é uma indústria, o que tem para oferecer agora é pouquinho, exige mais do que dá.

Voltando ao DVD…
Quando já não se usam DVDs vamos fazer um objecto obsoleto, vintage, porque temos aqueles fãs teimosos que perguntavam, sem parar, “para quando um DVD dos GNR”. Foi um problema que tivemos com as editoras, nunca nos fizeram um DVD. Agora é o máximo de liberdade. Este DVD foi baseado no concerto do Campo Pequeno, está agora a ser editado e deve sair em Fevereiro.

Fez anotações numa edição do “Alice no país das maravilhas” do Lewis Carrol, e as letras dos GNR sempre tiveram algo de poético e surreal. Alguma vez pensou em experimentar a literatura?
Não posso disparar em todas as direcções, se não mandam-me internar (risos). As “Dunas” deixo para o povo. Às vezes digo, por graça, que apesar da pretensão de ser um liricista, ou poeta, vou ficar mais conhecido na minha pequena história como o homem que inventou o “paptchiuariauá”. É quase o meu “obladiobladá” dos Beatles. Tenho um esboço de romance, e alguns convites, mas acho que já vou um bocado tarde. Mas da última vez que estive em Macau surgiu-me a “Ana Lee”, e ali ao lado saiu o “Tóquio Joe”.

O que é que o Rui gostava de fazer no futuro?
O libretto que estou a fazer, maior que estes edifícios em termos de gigantismo, será o meu Godzilla. Tenho o sítio, referências e as pessoas indicadas para o projecto. Neste domínio é muito bom viajar, ter recuo. Para mim, a maior felicidade era que me despoletasse assim uma coisa, um livro de sonetos por aí fora, à Byron.

Que música é que o Rui ouve em casa?
Muito pouca, tenho ouvido o “Substance” dos Joy Division, mas também posso ir ao “Out of the blue”, do Miles Davis, ou a um Mahlerzinho. Infelizmente, já não tenho aquelas incidências vínicas que me permitam beber uma taça de espumoso.

(ouve-se, em plano de fundo, um piano a ser afinado)

Ele toca o “tim tim tim”, o afinar de um piano, é um momento perturbante. Digamos que vim aqui a Macau afinar pelo diapasão oriental. Vai ser bom para perspectivar, e de certeza que esta semaninha vai trazer mudança na minha vida. Vou afinar as minhas frequências com o Oriente, há aqui outro comprimento de onda.

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