Esplanadas são raras no território. IACM cauteloso na atribuição de licenças

Estar sentado ao ar livre e partilhar mesa com um ou dois amigos enquanto se petisca ou bebe qualquer coisa é costume transversal às culturas que habitam Macau. Mas os espaços para isso são cada vez menos. As autoridades não facilitam o processo de licenciamento e os critérios são pouco claros

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]xistem em Zhuhai, Shenzhen ou Hong Kong, mas são raras em Macau. São as esplanadas, locais de partilha de refeições, cafés ou chás, leitura de livros ou jornais e, acima de tudo, espaços fora das quatro paredes do quotidiano onde a conversa é sempre bem-vinda.

O HM foi saber o que motiva a ida à esplanada. O Outono acabou de chegar, o calor e humidade dão tréguas e as filas à espera de mesa para almoçar a “apanhar ar” começavam a aparecer.

A azáfama era muita, no café Caravela, para almoçar, beber café ou comer um pastel de nata. Do outro lado da rua, os restaurantes de gastronomia local tinham igualmente as esplanadas cheias de clientes de origem chinesa. O hábito de comer na rua é transversal às culturas do território. A elas juntam-se os turistas que amontoam caixas de pastéis de nata que vão saboreando por ali.

Macau isolado e entre paredes

“É importante ter uma esplanada para as pessoas poderem aproveitar o ar livre, fumarem, conversarem, estarem na rua e verem quem passa ou mesmo desfrutarem da natureza”, diz ao HM Alberto Pablo, administrador do café Caravela. O responsável aponta que, à volta de Macau, é comum encontrar este tipo de equipamento: “Basta ir a Zhuhai, e está cheia de esplanadas, e esplanadas bonitas, com estrados, cordas, vasos com plantas, etc. Tudo instalado em ruas cuidadas, que não estão em ruínas e que não têm ratos e baratas a correrem de um lado para o outro”, diz.

Para o administrador de um espaço que oferece um equipamento “tão desejado” seria importante que as políticas da China Continental se espalhassem por Macau, de modo a haver “mais beleza, mais vida”. “Uma coisa é as pessoas estarem dentro de quatro paredes; outra coisa seria, por exemplo, os próprios políticos passarem de carro e verificarem que há turistas, há portugueses e chineses, todos sentados em esplanadas e a conviverem entre eles”, ilustra, em tom de esperança.

As dificuldades no licenciamento, para Alberto Pablo, não estarão tanto associadas ao preço, apesar de considerar que a restauração está cada vez mais sujeita ao somar de custos. “A maior parte dos comerciantes, se fossem autorizados a colocar esplanadas, avançaria pelo pedido de licença. O problema é que não são autorizadas”, afirma.

Um bem comum

Do lado de cá do balcão e já de prato servido está Sérgio Perez. Para o macaense, a esplanada é um espaço de eleição porque “é menos formal para se conversar e, por outro lado, está em contacto com o céu”, explica ao HM. “Principalmente na hora do almoço e em dias de trabalho, as pessoas gostam de ter uma quebra de modo a saírem do ambiente do escritório.”

Para o residente, as esplanadas em Macau existem, mas são poucas e “seria positivo apostar mais neste tipo de espaços”. As questões que se podem colocar, nomeadamente relativas ao clima – um território com um Verão muito húmido e quente –, acabam por ser facilmente contornáveis. “Estive em Las Vegas, no deserto, com um calor enorme, mas há todo um sistema de refrigeração que permite às pessoas estarem ao ar livre”, conta.

As esplanadas ao lado de Sérgio Perez estavam cheias. Dadas as características gastronómicas, a clientela era, na sua maioria, de origem chinesa. “Basta olhar à volta e vemos que está tudo cheio, entre chineses e portugueses” constata, ao mesmo tempo que recorda outros tempos de Macau. “Nós tínhamos bastante disto [esplanadas]. Lembro-me do princípio dos anos 80 em que existia uma zona só de esplanadas em frente ao antigo tribunal. Apesar do território ter sofrido muitas mudanças, a raridade destes espaços tem, agora, tudo que ver com uma questão de licenciamento e planeamento.”

Duas mesas ao lado, estava Lina Ramadas a ler o jornal. A residente que “gosta de ali estar, especialmente nesta altura do ano”, considera que “poder fumar é uma maravilha e estar ao ar livre é outra”. Entretanto, Irene Abreu entra no restaurante porque não havia lugar cá fora. “É pena que as autoridades de Macau não permitam mais espaços destes, ao ar livre”. Recorda uma noite, na Taipa, em que “havia umas mesinhas cá fora e estavam ali pessoas interessadas em beber por ali uma cerveja, mas a polícia apareceu e, pura e simplesmente, mandou recolher as mesas”.

“As pessoas tentam, mas penso que, devido a reclamações por causa do barulho, acabam por não ser permitidas”, explica Irene Abreu. Mas “há espaços onde não vive muita gente onde isso também acontece”, ilustra, sublinhando ainda que é uma pena não haver mais esplanadas porque “as pessoas gostam”. A residente dá como exemplo a vizinha Hong Kong, onde estes equipamentos estão, normalmente, cheios. “Vou a Shenzhen e a Cantão e são cidades cheias delas e cheias de gente”, desabafa.

Irene Abreu não entende este “tabu em Macau em que parece que as pessoas que estão à frente destes assuntos têm medo”. “Este é o único local do mundo que não investe em esplanadas por causa do medo dos governantes”, atira.

Uma questão de tradição

A tradição das esplanadas é também abordada pelo arquitecto João Palla. “Macau já teve muitas esplanadas”, diz ao HM ao lembrar os tempos vividos nos anos 80 e 90. “Antigamente, não havia tantos aparelhos de ar condicionado como há hoje, nem havia a mania de estar tudo enfiado nos espaços interiores como há hoje”, o que não impede que “aqui ao lado, em Zhuhai, haja muitas esplanadas e as pessoas usufruam delas e da vida ao ar livre”.

João Palla fala do passeio repleto de espaços exteriores onde as pessoas podiam sentar-se e comer, e que ia do Porto Interior à Barra. “Eram sítios de convívio, não só de portugueses, mas também da comunidade chinesa que ali convivia”, ilustra.

Para o arquitecto, todas as pessoas gostam de estar ao livre, não obstante se colocarem questões relativas ao clima. “Macau cresceu muito em altura e há menos ventilação ou arejamento e, hoje em dia, é uma cidade mais quente pelo que, se existir um ou dois graus a mais, isso faz a diferença”, explica. No entanto, este não é motivo para que não haja esplanadas: “Há vários sítios no mundo que têm tanto sistemas de refrigeração, como de aquecimento neste tipo de equipamentos, de modo a que sejam usados em condições mais adversas”, afirma o arquitecto.

“A ideia de que os chineses só gostam de ar condicionado é uma falsa questão”, considera João Palla, convicto. “Se formos à zona norte vemos muitos cafés com mesinhas cá fora em que as pessoas estão ali a tomar o pequeno-almoço, por exemplo. No Porto Interior também ainda há uma ou outra, resquícios de coisas que faziam parte da cidade.”

A dificuldade em fazer jardins e esplanadas na RAEM é uma preocupação, mas este tipo de equipamentos tem de existir. “São necessários a todos e há sempre espaço para fazer estas estruturas”, afirma. João Palla refere, a título de exemplo, as obras que ultimamente estão em curso e que visam o alargamento de passeios, pelo que as esplanadas também são uma questão de desenho, de política e de vontade”.

Quando são pensadas, “as cidades têm de ir para além dos espaços de construção, os espaços cheios, e ter em conta os espaços vazios, como praças, esplanadas ou jardins. É neste contraponto que está o equilíbrio”, conclui o arquitecto.

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