Salário mínimo criativo

[dropcap style=’circle’]C[/dropcap]omo o Jacinto não dá notícias faz duas semanas, volto à realidade macaína, inspirado pelo último Festival de Investimento em Cinema e pela anunciada mega obra do Antigo Tribunal – novecentos milhões custará, diz Ung Vai Meng.
Em relação ao Festival parabéns ao IC pela sua participação e aos governos de Cantão e de Hong Kong. Os cineastas precisam disto.
De lá saiu uma conclusão: procura-se ‘filet mignon’ mas ninguém está disposto a alimentar os vitelos. Ou seja, se se perguntasse a um dos investidores presentes ao que vinha a resposta era, invariavelmente, “um filme que faça dinheiro.”
Não vou entrar no que isto representa para o cinema, fica para outro dia. Mas vou entrar na importância que é a existência de planos de apoio ao desenvolvimento de projectos para que possamos chegar a estes mercados em melhores condições, com produtos mais elaborados e melhor construídos.
Para darem dinheiro, ou apenas para ficarem bem feitos, os filmes precisam de projectos bem montados. Em primeiro lugar um bom guião, que demora meses a desenvolver, depois o elenco certo e a equipa de filmagem indicada.
Preparar e desenvolver este tipo de projectos custa tempo e tempo, como se sabe, é dinheiro. Ou seja, para voltar à alegoria bovina, querem-se projectos de primeira mas ninguém dá o passo para criar um programa de apoio ao desenvolvimento de projectos. Aqui fica uma ideia para associar ao festival.
No cinema, como noutras artes, o desenvolvimento do projecto é sempre o mais complicado, especialmente quando se está na presença de iniciados como é o caso dos produtores e da grande maioria dos criadores de Macau.
Mas eu proponho mais ainda: a criação de um salário mínimo criativo.
O palavreado pode ser novo mas a lógica não. Está, inclusivamente em prática em Macau e em muitos outros lados. Chama-se “apoio a atletas de alta competição”. A RAEM tem e muitos outros países têm. Mas alguém dá “apoios a criadores de alta competição”? Não que alguma vez me tenha chegado ao conhecimento. Mas não faz sentido que exista? Faz, todo.
Antes de qualquer outro tipo de argumentação, não tenho nada contra o apoio aos atletas de alta competição. Nem aqui, nem em lado nenhum. Antes pelo contrário, mais exista, mais seja empregue. Nós precisamos dos atletas. Porque nos entretêm, mas especialmente por nos revelarem histórias de superação, por nos inspirarem, por poderem constituir excelentes exemplos de vida e trazer vida à vida. Faz todo o sentido dar-lhes apoios de alta competição para que não tenham de ir vergar para um escritório, ou sítio pior, e poderem dedicar-se à sua modalidade. Os artistas passam exactamente pelo mesmo processo. Precisam de se dedicar a tempo inteiro sem estarem sempre a viverem a angústia para pagar a renda da casa, do estúdio ou de ambos, quando ambos não são o mesmo. Para não terem de agarrar empregos que lhes limitam o tempo e roubam a criatividade.
Não me vou dedicar a critérios de selecção, por entender existirem bases legais de trabalho suficientes, nomeadamente o regulamento para atletas de alta competição, e suficiente bom senso para se chegar a uma solução viável. Acho, todavia, que o processo deveria mover-se em duas fases: primeiro para residentes permanentes, numa segunda fase para outros residentes até porque o mundo criativo precisa de renovação.
Não se pode dizer que uma cidade está virada para as indústrias criativas sem serem criados mecanismo de subsistência, numa primeira fase e de apoio ao desenvolvimento numa segunda fase.
Os artistas normalmente deslocam-se para zonas mais deprimidas, fora dos centros urbanos, para poderem dedicar-se á sua arte sem o peso ameaçador das rendas e/ou para zonas que inspirem e onde se encontrem pessoas que laborem na mesma área. Assim surgiu o espaço 798, assim se desenvolveram muitos outros centros criativos. A comunicação, a troca de ideias e de experiências, é fundamentai no sector criativo.
Macau é caro e aos poucos vai perdendo a poesia (espaços de tranquilidade) como a escritora Lolita Hu bem assinalou quando aqui esteve no último Festival de Letras.
Macau, quer, no entanto, ser uma cidade dedicada às indústrias criativas, daí que um apoio financeiro aos criativos, tal como se entrega aos atletas de alta competição faz todo o sentido. Eles trazem medalhas, orgulho social e exemplos de vida. Os artistas trazem tudo isso também e andam têm a potencialidade de gerar riqueza.
Quando se apregoam novecentos milhões para uma biblioteca que não faz falta, percebe-se facilmente que o problema não será orçamento. Duzentos que fossem os artistas a receberem um subsídio de, especulemos, 20 mil patacas por mês, e o valor anual para o orçamento seria de 48 milhões de patacas.
Em relação à futura biblioteca central, já antes o disse e volto a dizer: disparate. Para quê mudar o que está bem? Não duvido que se ganhe alguma coisa com a centralização das bibliotecas e mais não o sei o que resolvam lá colocar, mas não valeria mais (e seria menos oneroso) conservar o imóvel e deixá-lo estar como está, um espaço fabuloso para todo o tipo de acções culturais que não se coadunam com o Centro Cultural ou outros espaços? Vale mais um mono cultural ou acção cultural efectiva?
Um salário para criativos locais seria a forma de Macau conseguir, de facto, transformar-se numa cidade criativa e gerar a tão necessária massa crítica necessária para que isso aconteça.

Música da Semana

“Moonage Daydream” (David Bowie, 1972 )

I’m an alligator, I’m a mama-papa coming for you
I’m the space invader, I’ll be a rock ‘n’ rollin’ bitch for you
Keep your mouth shut,
you’re squawking like a pink monkey bird
And I’m busting up my brains for the words

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