O sonho europeu

“The American Dream focuses on wealth, the European Dream on quality of life. The American Dream focuses heavily on property rights and civil rights, because they extend our individuality. In Europe, you focus very little attention on property rights and civil rights. You spend a lot of time on social rights, health care, retirement benefits, maternity leave, paid vacations, and what you call universal human rights.”

The European Dream: How Europe’s Vision of the Future Is Quietly Eclipsing the American Dream
Jeremy Rifkin

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s americanos vivem e morrem de acordo com a ética de trabalho, e os ditames da eficiência. Os europeus dão mais valor ao tempo livre, incluindo a ociosidade. A América sempre se viu como um grande caldeirão de culturas. Os europeus, no entanto, preferem preservar a sua rica diversidade cultural. Os americanos acreditam numa presença militar contínua, em todo o mundo. Os europeus, pelo contrário, enfatizam a cooperação e consenso, contra as abordagens de política externa unilaterais. A crise europeia, no fundo, não é uma crise económica.
A crise europeia é uma crise mental, talvez ainda mais, uma crise sobre como imaginar ter boa vida, para além do consumismo. Os críticos que levantam a voz contra a Europa, no seu anti-europeísmo, são prisioneiros de uma nostalgia nacional enferrujada, e nesse sentido argumenta, por exemplo, o filósofo francês Alain Finkielkraut, que a Europa acredita que se pode formar sem as nações, inclusive contra elas. Quer punir as nações pelos horrores do século XX. Mas não existe democracia pós-nacional.
A democracia é monolingue e para funcionar requer uma linguagem, referências vitais e um projecto comum. Não nascemos como cidadãos do mundo. As comunidades humanas têm limites, mas a Europa não toma em conta essa situação, e daí que a opinião pública europeia não se entusiasme com a União Europeia (UE). Esta crítica à Europa é suportada na mentira existencial nacional, de que na sociedade e na política europeias, poderia existir um retorno idílico ao Estado-nação.
Assume-se que o horizonte nacional, é a estrutura para diagnosticar o presente e o futuro da Europa. Quem faz tais críticas, deve abrir os olhos e observar que não apenas a Europa, mas todo o mundo, estão em uma transição, em que as fronteiras que funcionam, deixaram de ser reais. Todas as nações enfrentam uma nova pluralidade cultural, não só através da emigração, mas também, por meios da comunicação por Internet, alterações climáticas, crise do euro e ameaças digitais à liberdade. As pessoas das mais diversas origens, com diferentes línguas, valores e religiões, vivem e trabalham próximas, e os seus filhos frequentam as mesmas escolas, e tentam lutar por uma posição no mesmo sistema político e jurídico.
As nações avançam em plena aceleração, em direcção ao cosmopolitismo, e dois exemplos paradoxais são de realçar, como o da imprensa britânica que está repleta de queixas sobre a UE, ou seja, o eurocéptico Reino Unido, está inundado por uma vaga sem precedentes de opiniões sobre a Europa, e por outro lado, a China, desde há muito, tem sido um membro informal da zona euro, pela sua política de investimentos e as suas dependências económicas. Se o euro fracassar, a China será afectada até ao tutano. Tais casos, evidenciam, quando a globalização dissolve as fronteiras, as pessoas tentam restabelecê-las. A necessidade de fronteiras, tem tendência a ser mais forte, quanto mais cosmopolita se torna o mundo, sendo evidente no triunfo da Frente Nacional nas eleições municipais francesas, e que serve também para entender a máxima do presidente russo, de que a Rússia deve estar, onde vivam os russos.
O agressivo nacionalismo intervencionista do presidente russo, mostra que não é possível projectar o passado das nações sobre o futuro da Europa, sem o destruir. Não servirá, quiçá, o etnonacionalismo do presidente russo como uma saudável terapia de choque, a uma Europa assolada pelo egoísmo nacional? Quem jogue a cartada do nacionalismo extremado, volta a conjurar pelo desmembramento da Europa, e que serve quer ao presidente russo, como também, de outro modo ao Reino Unido e à direita e esquerda anti-europeia. A todas estas situações, Alain Finkielkraut, responde que os europeus estão traumatizados por Hitler, pois desprezava o conceito de nação, e queria substitui-la pela de raça.
Actualmente, são as nações que têm de purgar os excessos racistas. Muitos interrogam, se não será esse trauma devido ao “Holocausto”, que faz que os alemães queiram açambarcar todo o nacionalismo. Certamente não será, pois mais que nunca, o mundo precisa de uma abordagem europeia, para terminar com os males da globalização, como as alterações climáticas, pobreza, desigualdade extrema, guerra e violência. A guerra contra os riscos globais, é uma tarefa hercúlea, e poderia até criar uma nova ideia de justiça, com alcance global. Se a Europa quer verdadeiramente superar a sua crise de convivência, deve seguir outros dos conselhos de Alain Finkielkraut, o de encontrar a sua identidade nas grandes obras europeias, monumentos e paisagens da cultura. Nada há a opor à releitura das obras de Shakespeare, Descartes, Dante e Goethe, ou deixar-se encantar pela música de Mozart e Verdi.
O conceito de literatura mundial de Goethe é politicamente interessante, e referia-se a um processo de abertura ao mundo, em que a alteridade do exterior se converte em parte integrante da nossa consciência. É nesse sentido, que Thomas Mann fala do alemão mundial, a que devia ser adicionado o italiano, o espanhol, o francês mundial, e assim por diante, ou seja, uma Europa de nações cosmopolitas. A partir das costas de África onde nasci, vê-se melhor o rosto da Europa e sabemos que não é bonito, escreveu Albert Camus, Prémio Nobel da Literatura de 1957. A beleza era para Albert Camus, discípulo de Friedrich Nietzsche, um critério de verdade e boa vida, e o segredo da Europa constatava friamente, é de que tinha deixado de amar a vida, pois para ser humanos, a partir do desespero, os europeus acabaram por atirar-se aos excessos desumanos, e como negavam a verdadeira grandeza da vida, tiveram que focar-se no único objectivo, que era a sua própria perfeição. Na falta de algo melhor, deificaram-se, e começou a sua miséria. Eram deuses cegos. Poderia perguntar-se qual é o antídoto, a fórmula idónea para uma UE, distinta da que vive no momento, a alegria apenas do presente? Por exemplo, o sonho de um tálamo mediterrânico, em que o Oriente e Ocidente, Norte e Sul se respeitariam e cooperariam. Surge assim, uma Europa das regiões, digna de ser vivida e querida. O nexo aparentemente entre o Estado, identidade e a língua nacional, é dissolvido.
A UE, os Estados membros e as regiões ocupar-se-iam gradualmente do bem-estar dos cidadãos. Seriam porta-vozes num mundo globalizado, por um lado, e por outro, transmitiriam uma sensação de abrigo e identidade. A democracia adquire múltiplos níveis, tal como a estamos a começar a praticar. O Mediterrâneo, como saber viver, alegria vital, indiferença, desesperança, beleza e fé, ou seja, uma mistura paradoxal que os europeus do norte, imaginam romanticamente e projectam sobre o sul, como esses jardins meridionais, em que florescem os limoeiros de que falava Goethe, e que não podia ser outra que Sevilha. A miragem da dívida também impôs um rosto cinzento e disforme, a essa existência mediterrânica cheia de alegria de viver e cosmopolita. O pensamento regional e com traços confederais do Mediterrâneo, sobreviveu, às grandes ideologias nacionais e políticas, e é talvez a única utopia social do século XXI, que terá futuro.
A cerimónia da entrega do “Prémio Internacional Carlos Magno”, foi a mais atípica até ao momento realizada, não só porque o palco foi Roma, mas também, pelo discurso do vencedor do prémio, o Papa Francisco. A referência a refugiado, não foi proferida uma única vez no seu discurso. Que quis dizer com tal atitude? O de renunciar ao papel que assumiu na crise dos refugiados? O Papa Francisco queria algo mais, pois durante o seu discurso de aceitação do prémio, quis chamar a atenção para o novo humanismo europeu. A questão dos refugiados e a sua percepção na Europa, é muito debatida no Vaticano. O Papa Francisco, trata o tema com acções concretas, como aconteceu na sua visita a Lesbos e, dessa forma, mostra como a Europa e a política europeia não estão a actuar. O Papa Francisco, em abono da verdade, fala como um filho que tem as raízes da sua vida e da sua fé na mãe Europa.
Os seus pais fugiram um dia da pobreza do Piemonte, e o filho nunca esqueceu esse dramático episódio familiar, e durante o seu discurso, falou de forma apaixonada e quase como entoando um hino, do que representa para si a Europa, defensora dos direitos humanos, democracia e liberdade, pátria de poetas, filósofos e artistas. A Europa mãe de povos e nações. O que existe de errado na Europa? O Papa Francisco estruturou o seu discurso com palavras de integração, diálogo e criatividade. Assim, tornou-se na realidade político, uma vez que coloca a Europa, como exemplo, para recordar o que tiveram de passar milhões de jovens, sobretudo dos países europeus do sul, que não têm formação, emprego e futuro, revelando toda a indignidade da situação de uma Europa que se pretende eminentemente social. O Papa no seu discurso, apenas citou o jesuíta polaco Erich Przywara, e sua obra “A ideia da Europa”, cuja leitura recomendou várias vezes. A ideia europeia de um jesuíta nascido na Polónia, realça a notável contribuição do Presidente do Conselho Europeu e ex-primeiro-ministro da Polónia.
O problema é que a Europa apoiou os Estados Unidos na criação e incitamento de conflitos, onde quer que seja, na Síria, Ucrânia e Líbia, e essas pessoas, que são seres humanos, e não se deve esquecer essas acções, fogem de guerras, insegurança, fome e tentam salvar os seus filhos. É a consequência de não ter ajudado, honestamente, muitos países da África subsarianos, a saírem da terrível situação que criaram. É uma grande tragédia humana a vaga de emigração que varre o continente europeu, e que a Europa tem uma grande quota de responsabilidade. O que é absurdo é que podem passar vários anos no limbo, e permanecerem na Europa. É obrigação moral aceitar os emigrantes ou rapidamente, apenas em situações extremas, rejeitá-los e fazê-los regressar aos seus países de origem, sem mais delongas e histórias. A Europa muito irá chorar pelo seu desleixo em matéria de imigração. Quem não é elegível para ser considerado refugiado, deve ser expulso do território da UE.
O Canadá gasta fortunas para expulsar quem não reúne condições para permanecer no seu território, e pode ser o exemplo a seguir, pelo menos, sobre a imigração. A situação é fácil de resumir, pois se lhes concedem asilo, podem permanecer na Europa. Se não obtiverem asilo, podem permanecer na Europa, ou seja, em ambas as situações, recebem benefícios. Aparentemente, a diferença está, em que sendo considerado refugiado, terá maiores benefícios. O sonho europeu, faz que qualquer pessoa que ponha o pé na Europa, despoleta burocracia e a aliança de instituições profissionais de boa vontade, como a ONU, UE e jornalistas especializados, que se encarregam de tornar impossível a sua devolução aos países de origem, e é essa e não outra, a razão de que cheguem cada vez mais emigrantes à Europa, o que curiosamente não ocorre, em nenhum dos riquíssimos países muçulmanos do Golfo. E entretanto, o estado de bem-estar é desfeito, a Europa fica islamizada, e o terrorismo jiadista está cada vez mais presente.

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