Salesianos | Demolição de edifício antigo é “acabar” com história de Macau

O edifício mais antigo do Instituto Salesiano vai ser demolido. A decisão parece não agradar a todos que consideram que a história arquitectónica de Macau se está a perder. Um edifício que está escondido e que não mereceu a atenção do IC, aponta um membro do CPU

[dropcap style=’circle’]É[/dropcap]um caso muito mal contado. É assim que alguns membros do Conselho do Planeamento Urbanístico (CPU) classificam a decisão de avançar com a primeira proposta do Instituto Cultural (IC) para o Instituto Salesiano, onde se fala na manutenção da fachada do edifício que se vê da rua, mas não há qualquer referência ao edifício mais antigo da escola – aquele que outrora recebeu o dormitório e a cantina para os rapazes.
Este edifício tinha inicialmente três andares e foi construído antes de 1922 com uma estrutura de madeira e tijolo. Em 1931, parte do prédio é reconstruído a betão, tendo em atenção a construção inicial e as suas características. Este é o edifício da polémica.
Por partes: um grupo de ex-estudantes do Instituto entregou uma petição à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), que a recolheu, para que o novo projecto – há muito pedido pela própria administração do Instituto – contemplasse o edifício mais antigo, mantendo-o ou reconstruindo respeitando as suas características. A petição, entregue no final de 2015, reuniu menos de cem assinaturas.
“O Governo recebeu a petição mas nada fez”, começa por explicar ao HM Lam Iek Chit, membro do CPU, que se mostra contra a decisão do Governo. Lam referia-se ao primeiro projecto apresentado pelo IC que não contemplava o edifício, deixando que o mesmo fosse demolido. salesianos
Opção bastante criticada durante a reunião do CPU, em que vários membros explicaram que o prédio em causa deveria ter sido tido em conta e que uma nova versão da proposta do Governo deveria assumir a sua importância, obrigando o Instituto a mantê-lo ou a reconstruí-lo, respeitando as suas características.

Obrigado, mas não

Em contra resposta, o director do Instituto, Jacob Tu Fu Keng, convidou o Governo e os membros do CPU a visitar o espaço, algo que não está acessível ao comum residente de Macau, que não pode entrar no local sem autorização da administração.
Atendendo ao pedido de alguns membros do CPU, o Governo apresentou uma nova proposta, onde o IC obrigava o Instituto a ceder ao pedido de manutenção ou reconstrução do prédio, respeitando as suas características arquitectónicas. Em reacção, a “equipa de construção do Instituto” e a sua administração entregaram em mãos uma carta ao Governo, à qual o HM teve acesso. Carta esta datada de 18 de Abril, antes da segunda reunião onde foi decidido o futuro do colégio.
“Entre os dias 8 e 11 de Abril, o nosso grupo de reconstrução discutiu de forma franca com os representantes do IC e da DSSOPT. Explicámos o nosso ponto de vista e agradecemos muito que o IC não tenha qualquer exigência em manter o edifício da parte da escola antiga”, escreveu o director, referindo-se ao edifício em causa. “Assim, esperamos que o CPU possa discutir e aprovar novamente o caso do Instituto Salesiano tendo em conta ‘a proposta original’”, pode ainda ler-se na carta.
O director garantiu ainda que prometia manter a “estátua de Santa Maria e um banco que está situado no corredor do edifício”.
Ainda que com algumas vozes contra, a revisão ao projecto não foi aprovada pelo CPU e a “proposta original” foi a opção escolhida.

Uma questão de tempo

“Não concordo, acho que o prédio deveria ficar. Eles podiam arranjá-lo para aumentar o número de salas de aula e até de condições para os alunos mas deixarem estar as suas características”, partilhou ao HM Charles, ex-aluno do Instituto, acrescentando que toda a história do espaço é contada e mantida por aquele prédio, visto o edifício referente ao ensino secundário – o último de todo o espaço – ter sido demolido para ser construído um novo em 1999, com a assinatura do arquitecto Carlos Marreiros.
Tom, também ex-aluno do Instituto, não assinou a petição, mas concorda que o tenham feito. “Acho que é preciso criar as condições para haver mais salas de aulas. Há algumas instalações que têm de ser melhoradas, estão velhas. Não me parece que esta obra possa demorar mais tempo, porque há muito tempo que a ideia de renovação existe”, conta, indicando que já na altura em que era aluno, em 2010, o espaço precisava de obras. “Se for possível manter as características do edifício e ao mesmo tempo melhorá-lo, com certeza que concordo. Aquilo é a nossa história, antes e depois de nós”, argumentou.

Fim do que fomos

“Demolir a parte da escola que tem mais de cem anos é uma profunda perda. Expliquei tudo na última reunião do CPU: pedir à escola que reconstrua conforme as características originais não é difícil, nem coloca em causa o espaço e as metas da [administração] da escola”, apontou Lam Iek Chit.
Apesar do urbanista entender que aquele edifício não está visível à população, não quer dizer “que não se deva manter”. “No futuro as pessoas vão deixar de ter construções que possam [mostrar] o que foram os traços arquitectónicos de Macau”, acrescentou.
Lam não consegue entender como é que o IC não considera necessária a preservação do edifício. Quando quisermos, argumentou, contar a história da religião em Macau não temos arquitectura que a mostre. “Esta mensagem antiga deve ser deixada para o território, para as gerações futuras”, adiantou.

Mal argumentado

Relativamente à decisão final, Lam considera que a argumentação do IC não é suficientemente forte. “Acredito que se, tanto o IC como o CPU, tivessem em conta o acesso do público ao edifício – por não conseguirem ver – não era necessário proteger, mas não pode ser assim, porque aquele edifício faz parte do nosso conteúdo histórico de Macau, faz parte de um todo, é um sítio importante, tem valor, ali foram formados muitos talentos que trabalham agora para Macau”, frisou.
Um dos argumentos apontados na última reunião foi a necessidade de decisão rápida para não prejudicar os alunos e as suas aulas. Questionado sobre o assunto, o urbanista acha que não se justifica.
“Para os outros membros esperar mais dois ou três meses para debatermos o assunto é muito. Nem a escola quer esperar esse tempo. Assim como não quer o edifício. Não posso fazer nada para definir como é que a escola deve ou não fazer. Não está nas minhas mãos”, rematou.
A decisão está tomada. O edifício vai abaixo. O que se segue ainda ninguém sabe.

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