U Wai Ang, directora da Associação Promotora de Saúde de Macau

Faltam números concretos sobre os casos de consumo de droga. O aumento de enfermeiros está a verificar-se e, “ainda bem”, porque Macau vai precisar de mais destes profissionais. A Educação Sexual continua a ser tabu, até entre os jovens universitários. São declarações de U Wai Ang, directora da Associação Promotora de Saúde de Macau, que indica ser necessário ensinar as crianças mais cedo para evitar problemas

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]sua Associação realizou um inquérito no ano passado que mostra que mais de metade dos profissionais de saúde não sabem lidar com casos de abuso de drogas. Acredita que podem existir melhorias?
O inquérito serviu para vermos que os cursos de Enfermagem e Medicina se centram nas doenças e os seus tratamentos. Não há um ensino sistemático sobre o abuso de drogas, os sintomas e a sua influência. Mas fico satisfeita por saber que o Instituto de Acção Social (IAS) está a tentar melhorar os conhecimentos dos seus funcionários sobre o assunto. Também estamos a negociar com o Governo sobre as acções de formação que podem ser feitas, não apenas com os enfermeiros e médicos, mas com toda a população, incluindo os jovens. Através de outro estudo descobrimos que os jovens têm muita confiança nos profissionais de saúde e achamos que estes podem ensinar os mais novos sobre estes assuntos.

A Associação tem planos concretos para aumentar o nível de conhecimento sobre essa área?
Temos muitos planos para esta área. Queremos criar dois ou três cursos de formação, de forma sistemática, para que os profissionais de saúde possam mais facilmente identificar casos de abuso de droga, os tipos de estupefacientes e os processos de reabilitação existentes. Actualmente é normal esses funcionários não saberem essas informações porque não está dentro do âmbito do seu trabalho. Queremos ainda fazer um novo estudo mais aprofundado sobre as causas da dependência, os custos e até que ponto o consumo é escondido.

Tem existido uma boa coordenação entre o sector e o Governo sobre esta matéria?
O Governo tem o Sistema de Registo Central dos Toxicodependentes em Macau e os dados são actualizados em conjunto com as associações. Mas sabemos que muitos jovens viciados vão a clínicas privadas quando se sentem mal em vez de irem aos hospitais, para não serem descobertos. O Governo não conhece os dados vindos das clínicas, por isso não temos números exactos, não sabemos se o consumo está a aumentar ou a diminuir. O Sistema de Registo Central deve incluir os dados das clínicas, do hospital Kiang Wu e da Universidade de Ciência e Tecnologia, para ser mais científico.

É professora no Instituto de Enfermagem do Kiang Wu. O número de alunos tem aumentado?
Muito. Actualmente temos 80 alunos por ano, mas há quatro ou cinco anos eram apenas 40.

Esse aumento deve-se à falta de enfermeiros?
Sim, porque Macau tem actualmente três enfermeiros para mil residentes. Esperamos atingir números internacionais, que devem ser de quatro enfermeiros por cada mil residentes. A necessidade de enfermeiros é grande e vai aumentar, não apenas nos hospitais ou clínicas, mas também em escolas ou lares de idosos. Isso faz com que os alunos optem mais por esta carreira. u wai

O Governo quer criar um regime de Desenvolvimento Profissional Contínuo no futuro Regime Legal da Qualificação e Inscrição para o Exercício da Actividade dos Profissionais de Saúde. O que acha desta medida?
Considero que é um bom regime, porque actualmente os profissionais de saúde renovam as licenças mas não são exigidos créditos através do Desenvolvimento Profissional. O regime é bom para que possamos atingir um patamar internacional, mas é preciso ouvir mais opiniões e chegar a um máximo de consenso. É preciso ter em conta as pressões sentidas pelos profissionais, que têm de aceitar a formação nos hospitais e precisam de ter mais créditos.

É também especialista na área de conhecimentos sexuais por parte de crianças e jovens. Há ainda dificuldades destes se expressarem sobre estas questões?
Quando dou aulas deixo sempre que digam aquilo que pensam. Os jovens gostam de aprender mais coisas sobre sexo, incluindo formas de comunicarem com o sexo oposto. Querem saber mais coisas sobre o casamento e as relações familiares. Isso deixou-me surpreendida e contente. Penso que os pais têm de acompanhar melhor os filhos neste processo de aprendizagem.

O que se ensina actualmente nas escolas é suficiente?
Os alunos aprendem pouca coisa nas escolas sobre sexo. Os professores falam um pouco do assunto nas aulas de Biologia, mas ainda existem escolas tradicionais, em que, quando é ensinado o desenvolvimento do corpo feminino e do sistema reprodutor, os rapazes têm de sair da sala. De uma forma geral os jovens de Macau têm falta de conhecimentos sobre sexo e os professores precisam de ser pioneiros a ensinar essa matéria. E isso deve ser feito para toda a população, para que haja respeito e entendimento quanto às diferenças entre o corpo feminino e masculino. Muitas meninas começam a ter a menstruação com 12 anos, então é necessário ensinar Educação Sexual mais cedo, mesmo na escola primária. Os pais também têm de ensinar as coisas de forma correcta, porque há crianças que ainda acham que nasceram de uma pedra (expressão chinesa), os pais não explicam de forma correcta. Muitos alunos também não sabem que é crime o sexo entre maiores de idade e menores de 16 anos. Quanto mais cedo forem ensinados mais casos podem ser evitados.

A Educação Sexual também tem de ser reforçada junto dos estudantes universitários?
Já fiz palestras com estudantes universitários e ensino-os a usar os preservativos, mas acham que tenho a mente demasiado aberta. Mas se olharmos para as regiões vizinhas, os alunos do ensino secundário já têm conhecimentos sobre isso. Em Macau ninguém quer ensinar isso. Penso que temos de ser mais abertos porque os estudantes universitários fazem sexo e é necessário prevenir sobre doenças sexualmente transmissíveis, como a Sida.

“Formar é mais prático do que atrair os de fora”

O Governo baseia-se em teorias no que aos residentes “talentosos” diz respeito, diz a também presidente da Rede de Convergência de Sabedoria de Macau. Questionada sobre se considera viável o projecto piloto para atrair para Macau docentes universitários em licença sabática, U Wai Hang responde com outra pergunta.
“Será que os patrões deixam que os seus trabalhadores estejam um período a fazer outras funções no estrangeiro, ou mesmo as universidades? O Governo valoriza a formação e quer aproveitar os talentos que estão em Macau, mas baseia-se apenas em teorias, ou seja: recolhe os dados e tenta atrair esses talentos. Mas já fomos tentar perceber o que pensam os residentes que vivem lá fora? Porque é que não querem voltar para Macau?”, começa por indicar. “Já contactámos alguns e muitos afirmam que o mercado é pequeno e que não há empregos para que possam desenvolver as suas carreiras e não querem desistir da experiência que já obtiveram. Penso que é mais viável formar os talentos que já estão em Macau, dar aconselhamento a empresas para formações a curto prazo, por exemplo. Esta seria a forma mais prática em vez de chamar pessoas para trabalharem aqui a curto prazo. A população também pode pensar que o Governo valoriza mais os que estão lá fora.”
A Rede de Convergência de Sabedoria de Macau tem aberto cursos de formação de discussão de políticas para jovens. Segundo a responsável, já foram realizadas 12 sessões de cursos ao longo destes anos, tendo sido formados mais de 500 jovens. “A maioria são intelectuais, profissionais, funcionários públicos, mas também estudantes universitários. Uns docentes de Hong Kong surpreenderam durante as aulas, porque pensavam que Macau tem poucos talentos, mas descobriram que há jovens de Macau que têm muitos conhecimentos”, indica, acrescentando que a ideia da Rede é “criar o hábito de estarem atentos às notícias e os assuntos sociais de Macau, para que pensem nos problemas da sociedade e apresentem sugestões que possam servir de referência ao Governo”, para que “depois de acabarem os cursos os estudantes fiquem com maior capacidade de comunicação e se preocupem mais com questões sociais”.

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