h | Artes, Letras e IdeiasO Clube dos Poetas Mortos Amélia Vieira - 5 Abr 20167 Abr 2016 [dropcap style=’circle’]É[/dropcap]este sem dúvida um belo filme, mas a particularidade é que ele gira em torno do poeta Walt Whitman, desde a sala de aula com a sua fotografia de fundo, imagem tutelar, bem como o que domina depois o espírito do filme, o poema magnífico de «Oh, Captain, my Captain» para nós, toda aquela insubordinação e camaradagem perante uma austera estrutura nos traz particularmente à memória outros Capitães. Aqueles de uma manhã que bem poderia ser um poema de Whitman. Tal como no filme, os capitães abandonam o palco onde nasceram punhados de coisas incríveis e, convidados a sair, existirão contudo alguns soldados que se levantarão prestando-lhes a homenagem merecida, os outros, nem tanto, entrando em silêncio no ritmo das coisas interrompidas, e o poema agora, começa a fazer real sentido, como de uma antevisão o poeta nos falasse. O meu Capitão não responde, os seus lábios estão pálidos e imóveis. O navio ancorou são e salvo a viagem terminou e está concluída. Mas eu com passo desolado caminho no convés onde jaz meu Capitão. Tombado, frio e morto. Este poema é quase um alegoria a todo um tecido social, é uma visão precisa, belíssima, e traz em si a morte do poeta, do capitão. Whitman fora jornalista e ensaísta também, em seu tempo, e considerado o pai do verso livre, a sua obra está centrada em «Leaves of Grass» havendo dela várias edições com acrescentos numa mesma colectânea. Fernando Pessoa teceu-lhe várias homenagens dizendo que a sua poesia influenciou toda a posterior, e sem dúvida a sua própria, referindo-se à sua verve como um profundo hino à vida. Portanto, Witman é também um pioneiro, um poeta que se destaca por uma liberdade que ajuda a libertar os seus pares. Nunca esteve parado numa vida alegadamente susceptível ou contemplativa, foi um guerreiro, trabalhando para o exército como voluntário em hospitais militares, mas toda a compilação de « Leaves of Grass» agora com novos poemas acerca da Guerra Civil e da sua experiência, valeram-lhe um despedimento por indecência da parte do Departamento do interior. A partir de aqui, segue a sua pobreza que alguns admiradores e amigos tentam colmatar. A vida deste “Capitão” é a de um poeta, acrescentando páginas a um livro, pois que um poema nunca está concluído , tendo sempre sínteses fantásticas de um mesmo nomear. Estamos numa trincheira, num vapor violeta que não sucumbe ao ultraje numa maré viva de bem conduzir a Barca, numa realização suprema. Sem estes acrescentos, sem esta caminhada de um percurso constante, não há comando possível, dado que as viagens, não raro distraem o viajante acerca do propósito inicial, e muitos vêm morrer à praia contemplando o horizonte por que nada tinham a dizer. Mesmo Ulisses na sua permanência pela Ilha Encantada, não se esquecera de Penélope, pois que há homens como sonhos e heróis como poetas. Salgueiro Maia, foi arquetipicamente este Capitão, e por isso, devemos alguma reflexão aos mitos de natureza poética, dado que eles representam os Homens e sagram vencedora aquilo a que apelidamos de Humanidade. Talvez as manhãs nubladas tragam o «Desejado» que depois de materializado é esquecido, como as próprias nuvens e os sonhos. Os Clubes, mantemo-los, para que nos oiçam para fora do tempo como uma invocação, um treino, uma vontade. Com mais tempo, ter-lhe-íamos dado uma forma mais precisa, mas, há tempos que não se interligam, nem andam pela mão nas coisas correntes. Nos socalcos que transpomos e nas vidas que habitamos, faltam-nos os Cânticos e o «Cântico de mim mesmo» um Juan de La Cruz, um Salomão…. Falta-nos de novo entrar neste segredo imenso onde só os Clubes se distinguem à revelia das escutas em surdina de uma forma gasta. E, por que os Capitães são jovens e o grupo um núcleo de um coração para todos, o próprio Witman nos diz: Oh, instante da juventude! Elasticidade infatigável! Oh, equilibrada virilidade, florida e plena. para depois: Velhice soberana que desponta! Bem-vinda sejas, inefável graça dos dias que morrem! A nossa seiva já não tem a mesma sede, a nossa guerra não tem já inimigos, o nosso tempo contempla a sorte de termos vivido o momento de um rito que um Clube de homens parecidos a Aquiles nos fizeram viver num poema em carne viva. Perante factos assim, não se deve julgar, há coisas que acontecem como dádivas, instantes de amor. Julgar, é não compreender. Depois, não somos juízes, e esta é de facto para muitos uma causa alheia. Comum, têm-se as ideias, as formas de vida, os ritmos quotidianos, alguns pequenos Clubes e uma língua que se esforça, de incomum, temos aqueles que são incomuns, que nos lembram algo que quando estamos tentados a esquecer, renasce, para nos relembrar: Um chamamento no meio da multidão É a minha própria voz, avassaladora e final. Temos medo, sim, de ter afugentado estas sedes, estas fomes, estas forças, que elas por descaso e tristeza se tenham afastado de nós, temos vazios tão duros como balas, e uma paz que se sustem só em conforto, temos medo, muito medo, pois que sabemos que ultrapassámos um limite onde podemos vir a não ser contemplados. Por isso, se os invocarmos, estamos a nomear os caminhos por onde eles retornarão. Ficar sem a sua presença é pior que tudo e o nosso esforço nunca será recompensado se não tivermos acesso a uma pequena fimbria dos seus “Clubes.” Eles também vêm para o Banquete. Um Banquete vivo de uma temporada que nos galvanizará para sempre. A ti, peito que apertas outro peito! A ti, emaranhada sebe de cabeça, barba e músculo! Gotejante seiva de ácer! Fibra de trigo viril, a vós! A vós, ventos que me roçais com vossos genitais! A vós, amplos campos musculares, ramos de azinheira vadiando amorosamente nos meandros dos meus caminhos.