Álvaro Barbosa, director da Faculdade de Indústrias Criativas da USJ

As indústrias criativas seguem em bom percurso, mas são áreas que por si só implicam tempo. Álvaro Barbosa, director da Faculdade das Indústrias Criativas da USJ e docente, defende a utilização da criatividade como chave para encontrar soluções para gestão de políticas e problemáticas públicas e anuncia ainda a intenção de criar um curso de Cinema – uma proposta a ser entregue ao GAES em breve

[dropcap style=’circle’]H[/dropcap]á anos que se fala nas indústrias criativas como alternativa ao sector do Jogo. Já defendeu várias vezes que não é possível, ainda assim mantemo-nos no mesmo caminho. Continua com a mesma opinião?
Essa é uma questão que já nos colocámos muitas vezes. O meu entender é que não existe nenhuma alternativa viável no sentido de substituir a indústria do Jogo, por uma razão simples: é que há muito poucas indústrias que proporcionam o tipo de rendimentos que esta indústria de entretenimento e Jogo proporciona em Macau. Muito dificilmente haverá enquadramento em Macau para haver uma indústria que seja alternativa ao Jogo.

Falamos então de algo complementar…
Quando se coloca esta questão não pode ser de alternativa, sim de complementaridade. Penso que é preciso encontrar indústrias que de alguma forma tenham alguma relação, alguma articulação, com esta indústria que é central em Macau e que proporcionem uma diversificação da economia. Mas não numa lógica de substituir o Jogo, no sentido de que – se um dia esta indústria deixar de funcionar – Macau vai manter o seu nível de rendimentos. Acho que isso seria muito difícil num território desta dimensão.

O apoio que o Governo diz atribuir às indústrias criativas está a acontecer da forma correcta?
O que o Governo está a fazer é mais do que proporcionar apoio. Há alguns anos houve um entendimento de que as indústrias criativas são uma área que se estão a desenvolver pelo mundo fora, como uma área que é relevante e que tem impacto. E faz sentido no mundo actual, em que os serviços e produtos começam a entrar numa certa velocidade de cruzeiro e numa certa redundância e, por isso, a questão da criatividade torna-se essencial para a inovação. As indústrias criativas são essenciais para a inovação e para o empreendedorismo nos dias de hoje. A criatividade tem um papel muito importante e, consequentemente, as indústrias criativas. Em Macau, as pessoas sabem o que se passa no mundo e perceberam que isto é uma das indústrias que é vital em regiões desenvolvidas. Aqui, esta indústria do Jogo e entretenimento parece ser um casamento que faz sentido. A ideia de que podemos ter um conjunto de actividades complementares relacionadas com as indústrias criativas fez com que o Governo percebesse que seria uma aposta que faz sentido.

Actividades complementares como por exemplo…
Turismo, património, gastronomia, design, arquitectura.

Diz que não é só apoio…
O que foi feito não foi propriamente um apoio, em primeiro lugar houve um estudo e uma comissão criada no sentido de tentar perceber qual o enquadramento que existia em Macau. Porque estas coisas, mais do que em outras áreas, fazem-se de baixo para cima, e não de cima para baixo. É preciso primeiro perceber o que é que existe e depois configurar algo que faça sentido. Houve primeiro uma etapa em que foi criada essa comissão e foram desenvolvidos um conjunto de subsectores, que fazia sentido em Macau, pelo seu enquadramento e massa crítica. Com base nesse primeiro passo foi criado, num segundo momento, um mecanismo de apoio, nomeadamente financeiro para alavancar o desenvolvimento de projectos nestas áreas. O apoio está portanto a acontecer.

Daí a criação do Fundo para as Indústrias Criativas…
Sim, está a financiar projectos, dando os primeiros passo. Estas coisas demoram tempo, não se fazem instantaneamente. Penso que o caminho que está a ser percorrido é o caminho correcto, com os seus solavancos normais do desenvolvimento de uma área. É uma área que está a ser desenvolvida pelo mundo fora. Claro, que em alguns países está um pouco mais consolidada, mas penso que não há ninguém no mundo que possa dizer que já fez tudo o que há para fazer nesta área.

Dinheiro é a única coisa precisa para apoiar este projectos?
O que poderia ser feito e está a ser feito é perceber que, tal como nos outros sítios, o essencial neste tipo de desenvolvimento é a educação. As infra-estruturas de ensino estarem direccionadas e recentradas nestas dinâmicas. Se a aposta da economia de Macau vai neste sentido, então as universidades e o ensino secundário devem de alguma forma abraçar e reflectir essas dinâmicas. Portanto faria pouco sentido Macau investir em áreas de tecnologia aeroespacial, por exemplo. O que faz sentido é que as universidade e as escolas sejam canalizadas para reforçar e criar uma cultura social nesta área. É preciso perceber que estas ideia das indústrias criativas tem de ser levada a par com uma dinâmica integrada com as universidades.

E isso está a acontecer?
Penso que estamos a trabalhar nesse sentido. Por parte da Universidade de São José posso dizer que foi uma aposta deste mandato investir nesta área. A tradição da Universidade Católica tem sido investir na cultura e da criatividade. Tem sido esta a tradição, investir em áreas que não estão a ser desenvolvidas em outras universidades de ensino público e que têm a ver com a cultura e arte. Faz sentido apostar. Álvaro barbosa

Indústrias culturais e criativas são coisas diferentes?
Não, são áreas que se relacionam. Costumo explicar desta forma: as indústrias culturais podem ser vistas como um subconjunto das criativas. As culturais dizem respeito às dimensões que nós, enquanto seres humanos, necessitamos como cidadãos, as nossas necessidades culturais – museus, património, artes performativas, músicas. É uma tipologia de indústria que normalmente, e é assim que devem ser visto embora as pessoas não queiram aceitar, são subvencionadas por fundos públicos. Em todo o mundo. O caso dos Estados Unidos – em que se dá a entender que os museus são apoiados pelo privado – é preciso ver que há uma nuance. O sector privado que financia as instituições culturais tem uma lei do mecenato que os favorece imenso. Portanto os descontos que obtêm com o seu apoio nos seus impostos, acabam no fundo por ser suportados pelo Estado.

As criativas?
As criativas vão para além disso. Estão mais relacionadas com as nossas necessidades enquanto consumidores. Os consumidores consomem produtos de design, online, digital, jogos de entretenimento. Há uma diferença no que é o domínio das artes performativas no plano cultural e no plano do entretenimento. Em geral o conceito abrange, de certa forma, as indústrias culturais. Onde é incluída a música, as artes performativas, etc.

Que tipo de criatividade está a precisar Macau?
É preciso esclarecer uma coisa. Normalmente as pessoas pensam que a criatividade é uma espécie de talento, que há umas pessoas que a têm e os outros não, que está relacionada com as artes. Não entendo a criatividade nesse sentido. Para mim criatividade é um processo, que se pode aplicar e praticar. Tem aplicações em muitos domínios, em muitas disciplinas, inclusivamente em indústrias que até parece não fazerem uso da criatividade. Hoje em dia, penso que o contexto em que a criatividade é mais essencial é na inovação. Em qualquer indústria. É preciso as indústrias posicionarem-se de forma competitiva. Só há três formas: relação com os clientes, preço e inovação. Para conseguir a inovação é preciso transformar cidades e problemas em oportunidades, para isso é preciso criatividade.

Aplicável em todos os sentidos…
Aplicável em todos os domínios, por exemplo, se quisermos resolver o problema do trânsito em Macau é preciso criatividade.

Como é que se resolve?
(risos) Acho que muitas vezes a solução de problemas, se seguir precisamente a ideia da criatividade sistemática, começa por nos focarmos no problema. Proponho é que antes de passarmos para a solução de aumentarmos as taxas para ver se as pessoas deixam de comprar mais carros, algo que parece não acontecer porque em Macau existe bastante capacidade financeira, o caminho é sempre tentar encontrar, antes de avançar para uma solução, várias potenciais soluções. E depois a solução que vamos encontrar não é uma, normalmente é uma solução multidimensional. A criatividade é isto.

O que falta em Macau?
O que falta é utilizar a criatividade como um recurso. Como um recurso que pode ser utilizado num processo e de forma sistemática. Isso aplica-se em todos os domínios, até na banca. Desde que seja enfocada nesta forma.

Os jovens têm essa noção?
Normalmente nas minhas aulas dou o exemplo de Macau. Não me foco tanto no negócio mas sim na solução de problemas. Na criatividade sistemática como a metodologia de solução de problemas. E o exemplo do trânsito é muito usado, porque é uma das dificuldades que a sociedade tem. Temos chegado a soluções óbvias e a outras muito criativas. Problemas complexos nunca têm só uma solução. Na Holanda têm um departamento nesta área e que utilizam precisamente para encontrar soluções de gestão de políticas públicas que são mais eficazes e eficientes do que aquelas que seguem os processos tradicionais de solução de problemas.

Faria sentido esse departamento em Macau?
Absolutamente. Faria todo o sentido, a gestão dos serviços públicos em Macau é eficaz mas poderia ser muito mais eficaz, muito mais sustentável. Temos tido, não no sector público, algumas solicitações de departamentos de formação das corporações, nomeadamente casinos, para darmos formação.

Portanto há abertura?
Naturalmente. Estamos a falar da criatividade sistemática que tem uma aplicação fora das indústrias culturais. A ideia de instituir a criatividade sistemática na gestão das instituições está mais do que identificado, mesmo na China. Conheço várias empresas em Shenzen que são de consultadoria nesta área. Em Macau faz sentido e naturalmente irá acontecer.

Se Macau quer ser competitivo tem de ser diferente. Como é que se consegue?
Já é (risos). A forma como Macau se distancia dos seus concorrentes já está estabelecida e é diferente dos olhos para que ela olham. Temos a consciência que na China continental o apelo de Macau, aos turistas e investidores, não é exactamente o mesmo que na Europa, por exemplo, que olha para Macau pela sua integração na China. Já na China, Macau tem o seu encanto através da sua relação com a Europa. Aqui, a competitividade tem de ser pensada pelos seus segmentos. alvaro barbosa

Pensar que a China imita e não cria é um erro?
É uma ideia que já nos remete para o passado. É preciso ver que a China imita, mas todos imitamos. A verdade é que a única possibilidade para sermos criativos é copiando, adaptando ou misturando. São as três receitas para a criatividade. O que a China faz, se calhar fez durante algum tempo de forma menos encapsulada, não é mais do que foi feito por todo mundo. A ideia da originalidade absoluta é uma ideia romântica. Essa ideia de que a China copia é um estigma um pouco exagerado. O que acontece é que muitas vezes há uma réplica literal e há uma tentativa de falsificação. Mas não existe só aqui. Talvez se note mais porque tem a maior infra-estrutura de produção da região e talvez do mundo, de produtos. O que está acontecer é que a China está a emergir para as áreas de serviços, principalmente na área do design, da comunicação digital.

Casos como o Alibaba…
Sim, grandes exemplos como desta dinâmica. O Wechat, o Alibaba, há também uma aposta na impressão em 3D, na área da microelectrónica. A ideia de que a China é apenas um país que se copia está a esvanecer.

Falando da USJ: quais os projectos que abraçaram agora?
O primeiro mandato foi no sentido de definir uma estratégia, dentro da Faculdade de Indústrias Criativas consolidámos as três grandes áreas que tínhamos: comunicação e media, arquitectura e design e iniciámos um processo de ter uma constelação de áreas que fizesse com que esta faculdade contemplasse os grandes vectores de indústrias criativas que fazem sentido em Macau. Iniciámos um processo de novos programas e isso é uma coisa que leva o seu tempo. Por exemplo, faz sentido haver uma escola de cinema, Licenciatura de Realização e Produção de Cinema e estamos a avançar com a proposta de um curso que será submetido ao GAES [Gabinete de Apoio ao Ensino Superior] e a nossa expectativa é introduzi-lo no próximo ano, em 2017.

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