Coloane | Publicação de relatório “depende da vontade” da construtora

O CPU diz que não recebeu para discussão o projecto previsto para um empreendimento de luxo em Coloane e a DSPA diz que, se o público quer saber do impacto que a construção pode trazer para a natureza, tem de pedir à própria construtora

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]publicação do relatório ambiental que indica que “não vai haver impacto” no ambiente com a construção do empreendimento de luxo em Coloane só poderá ser feita se a construtora assim o quiser. Quem o diz é a subdirectora dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA), Vong Man Hung.
Depois de a União Green Student de Macau ter pedido no início da semana ao organismo que torne público o relatório que já fez com que o anteprojecto da obra fosse aprovado, a responsável vem dizer que a publicação do conteúdo do relatório “depende da vontade de quem está a cargo do projecto”.
Vong Man Hung disse ainda que a DSPA avaliou o impacto da construção na natureza “mais de dez vezes” desde 2009 e que a obra vai ter como referência os métodos das regiões vizinhas para diminuir a influência das obras no meio natural. Evitar danos, reduzi-los ou compensar os que foram feitos são as medidas que Vong Man Hung assegura estarem a ser pedidas à construtora.
O empreendimento de luxo que poderá ser construído na montanha de Coloane voltou a ser polémica recentemente, depois de já ter levado manifestantes à rua em 2013. O prédio, que terá duas torres de habitação, fica mesmo ao lado da bomba de gasolina entre Seac Pai Van e Coloane, numa área verde. Para Lam U Tou, vice-presidente da Associação Choi In Tou Sam, ligada à Federação das Associações dos Operários de Macau, não há dúvidas: o Governo não está a demonstrar querer proteger Coloane, mas sim “assegurar o desenvolvimento do projecto”. Lam diz-se preocupado com que o começo desta obra tenha um efeito “dominó”, levando a que mais projectos ocupem as montanhas de Coloane.
O vice-presidente da Associação relembrou ainda que, apesar da Lei de Planeamento Urbanístico ter entrado em vigor em 2014, este projecto “não precisou de passar os procedimentos mais rigorosos que a lei regulamenta”. Lam U Tou exemplificou com a inexistência de recolha de opiniões públicas e a discussão no Conselho de Planeamento Urbanístico (CPU), obrigatórias por lei.
O vice-presidente do CPU, Leong Keng Seng, afirmou ontem que não recebeu o projecto para avaliação e frisou mesmo que, se este tivesse seguido o procedimento normal, deveria ter sido discutido pelo Conselho.

Ponto de viragem

Ao Jornal Cheng Pou, Lam U Tou frisou que os organismos públicos asseguram ter “exigido sempre” ao construtor a entrega de documentos suplementares sobre o projecto, mas ainda assim o responsável duvida da intenção da empresa construtora, que tem o empresário e político Sio Tak Hong como um dos investidores.
“Se o construtor tivesse razão, então podia começar a obra logo, não? Os organismos não rejeitaram o pedido [de construção] mas foram exigindo sempre a entrega de documentos até que o projecto correspondesse aos requisitos”, apontou. “Não estou a ver que a atitude do Governo seja proteger Coloane de demasiado desenvolvimento, estou a ver é que o Governo está mais preocupado em assegurar a execução do projecto de construção, mas sem razões nem justificações”.
Lam U Tou considera que o empreendimento de luxo pode ser um ponto de viragem nas montanhas de Coloane e preocupa-se que, caso este projecto possa vir a “escavar uma montanha, outros construtores também vão pedir o desenvolvimento noutras montanhas”. O vice-presidente defende também que o Governo deve publicar todas as plantas para a zona das montanhas em Coloane e dar explicações ao público sobre a construção.
Coloane, recorde-se, tem uma reserva total protegida de mais de 198 mil metros quadrados.

Arquitecto diz que há impacto

Mário Duque, arquitecto local, defende que há impacto no ambiente natural de Coloane com esta construção – e com qualquer uma. Num email enviado ao HM, o arquitecto explica que “não se pode dizer que uma qualquer mudança da cobertura superficial do solo não tem impacto ambiental”, porque, defende, sempre que se mudam os materiais da camada superficial do solo existe impacto ambiental. “Mais que não seja porque se alteram as condições de conversão e de degradação da energia solar”, atira, acrescentando que neste caso é ainda mais óbvio esse impacto “por se tratar de uma substituição de materiais de coberto vegetal com materiais de coberto construído, mesmo sequer considerando tudo o que acompanha ou segue essa substituição”. “O que se poderia dizer é que o impacto se vai dar a um nível que não põe em causa, ou em crise, condições e sistemas desejáveis, necessários ou essenciais”, defende, explicando contudo que, por isso mesmo, é que os “impactos ambientais necessariamente se quantificam” para se concluir se são ou não nocivos. “Quais são os standards de toxicidade no ambiente natural e cultural aceitáveis na ilha de Coloane, por que se devem aí pautar as intervenções?”, questiona Mário Duque.

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