MancheteAu Kam San, deputado e ex-membro da Associação Novo Macau Filipa Araújo - 10 Fev 201620 Jun 2016 Au Kam San fechou a porta. Cansado – e menos tolerante que Ng Kuok Cheong – o deputado abandona o projecto que criou há 20 anos. Agora é tempo de virar a página e apostar noutras áreas, cívicas, aponta. O tempo de deputado poderá também estar a terminar, sendo que chegou a hora de se dedicar à família Esta semana anunciou a sua saída da Associação Novo Macau (ANM). Já apontou as razões aquando o anúncio, mas não nega que esta decisão representa uma vontade de há muito tempo? Não acho que a minha saída da ANM deva ser notícia. Acontece que a associação é um grupo que não vai ao encontro daquilo em que acredito e quero. Não é adequado para mim, e por isso sai. Quais são os pontos de discórdia entre o deputado e a ANM que o levaram à saída? É normal que a nova liderança, por ser tão jovem, tenha ideias diferentes. É normal. Não quero criticar o trabalho que eles desenvolvem, mas não concordo com as suas ideias. É perfeitamente natural que tenha existido esta mudança, mas por mim, não quero continuar a seguir esta ‘regra do jogo’. Esta nova liderança que, como diz, é tão jovem tem as bases e o conhecimento político que se pretendia quando a ANM foi criada? Não posso julgar, não quero dizer que eles estão errados ou certos. Para mim não é certo. Não sei qual será o caminho, o novo rumo da associação. Há 20 anos, quando criei a Novo Macau as pessoas também acharam que as ideias eram muito novas e ambiciosas e agora, o talvez estas ideias sejam vistas como conservadoras para os jovens. Há claramente um mudança no comportamento. Acha que o deputado Ng Kuok Cheong também vai sair da ANM? É preciso ver que o Ng Kuok Cheong é mais paciente e tolerante que eu. (risos) Eu sou mais agitado e mais impaciente. Não posso falar pelo Ng Kuok, nem saber o que é que ele vai fazer, mas acredito que ele assuma a postura do “os jovens são mais revolucionários, vamos ter paciência”. Ele é assim, eu não. Voltando aos jovens e à política. A sociedade jovem de Macau está mais atenta ao mundo político? Tem espírito critico? Existem duas questões importantes. A primeira é a análise do caso de Hong Kong. Depois da transição daquela região para a China, as condições de vida da população piorou em alguns aspectos. Isto fez com que a sociedade, e principalmente os jovens, começassem a lutar por aquilo a que já tiveram direito e deixaram de ter. Assim se justifica os movimentos dos jovens na política, a sua participação é bem maior, o ambiente é diferente. Os jovens sentem-se prejudicados e isso leva-os a sair à rua. O mesmo não aconteceu com Macau. Com a transição passámos de aldeia para grande cidade internacional e a oferta e as condições de vida para os jovens melhoraram muito. Ganharam coisas que não tinham, claro que isto os fez considerar não ser importante a vida na política. Porque o Governo resolve e dá. Relativamente ao assédio sexual. Apresentou um projecto para legislar que acabou por ser chumbado na generalidade. O maior argumento foi a intenção do Governo em alterar o Código Civil, estando para isso a decorrer uma consulta pública. Acha que é algo que vai acontecer no imediato? Como olha para este chumbo dos deputados? Lamento imenso que o projecto tenha sido chumbado. Acho que a consulta pública é algo que poderá durar muito mais tempo daquilo que é suposto. Este é um assunto que merece a nossa atenção no imediato. Não podemos esperar, sem saber quanto esperar. Considero que devemos legislar o assédio sexual primeiro e só depois entrar em outros pormenores. A consulta pública do Governo é muito extensa, tem muitos detalhes, abrange outras problemáticas. Isto vai dar muito trabalho, um processo que pode demorar muito tempo. Enquanto isso o assédio sexual não está legislado. Isto é um erro. Sobre a habitação pública, Au Kam San defendeu que o Governo “favorece o sector imobiliário” através do regime – de sorteio – de atribuição dos imóveis. Acredita que um regime de pontuação seria mais transparente? Na habitação pública a questão dos solteiros levanta muitas dúvidas. Este tipo de candidatos não sabe quando é que pode ter as suas casas, e sem oferta suficiente os candidatos são obrigados a comprar os imóveis ao privado. Isto está claramente a oferecer o sector do imobiliário. Há um benefício. Concordo com o capitalismo, mas neste caso, em que o mercado do imobiliário não está saudável considero ser necessário implementar um regime transparente, claro, como o regime de pontuação. É preciso um ajustamento do Governo no que se refere ao mercado do imobiliário. A polémica questão dos terrenos e das suas concessões. Para si a Lei de Terras está errada? Foi aprovada “à pressa”? Para mim a Lei de Terras não é errada. As falhas que têm não colocam em causa o seu objectivo. Só existem pequenas coisas que podem ser melhoradas. Antes desta nova lei ser aprovada a questão dos 25 anos de aproveitamento já existia, portanto não é uma falha da nova lei. Para mim, a culpa desta grande polémica como é o caso do Pearl Horizon é das concessionárias. Eles sim erraram quando de forma liberada não informaram os compradores da situação em que as construções estavam. Enganaram. As concessionárias enganaram os compradores. Além disso, as agências imobiliárias e os advogados – aquando as assinaturas dos contratos – deviam, e devem, avisar os investidores em que situação se encontra a construção. Para que os compradores fiquem alertados. Mas também o deputado já apresentou algumas críticas ao Governo… Sim, tenho, mas também não posso negar que o Governo tem uma postura de abertura quando publica todas as informações possíveis nos sites. O que considero errado é a apreciação dos documentos, ou seja, o Governo diz muitas vezes que pelos processos estarem em tribunal não pode falar, eu acho que pode e devia falar. A decisão do tribunal não está directamente ligada com o caso, ou seja, não afecta mais ou menos se o Governo explicar detalhadamente cada caso. Nos casos como o Pearl Horizon, o Secretário para dos Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, disse, esta semana na Assembleia Legislativa que não pode avançar mais informações. Eu acho que pode e devia. Já chega do “não vamos comentar”. Pediu ainda esta semana, para o Governo avançar com um estudo sobre o desenvolvimento da economia e a sua diversidade. O Governo não se mostrou convencido..acha que o vai fazer? O Governo quer criar condições para diversificar a economia, estamos muito presos ao sector do Jogo. Isso não é bom. Acho que devemos apostar, mas saber no que apostar, e por isso é preciso estudar, fazer um estudo sobre quais os sectores em que o Governo devia apostar para atingir a diversidade. Fiz a pergunta ao Secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, esta semana. Mas não acredito que o Governo faça este estudo, ele diz que está a tentar apostar e é a sua preocupação. Mas não acho que o estudo faça parte dos seus planos. O grupo criado por si, Iniciativa para o Desenvolvimento da Comunidade de Macau, nasceu sem cunho à política. Agora, que tem mais tempo para se dedicar a esta associação, ganhará ela uma função mais política? Não, a associação continuará sem estar ligada à política. Não terá essa função política. O que ela vai promover é a sociedade civil. Terá um trabalho de mais atenção aos assuntos comunitários, às necessidades das pessoas, da sociedade. Agora poderei dedicar-me mais ao trabalho desta associação e ao trabalho também do escritório como deputado, mas são coisas que não se misturam. É importante saber que eu criei esta associação ainda envolvido na ANM. A verdade é que esta última estava a dedicar-se profunda e quase exclusivamente a questões políticas, era tudo nesta área. Achei que estava em falta a área cívica. Por isso é que esta associação foi criada, para colmatar essa lacuna. E agora, o futuro? Agora vou-me dedicar mais ao atendimento no escritório de deputado. Candidatar-se-á nas próximas eleições para a AL? Pode ser que sim, mas também pode ser que não. (risos). A questão é que estou num momento de conflito interno. Há 20 anos candidatei-me pelo lado pró-democrata, ainda era jovem. Agora no próximo ano, faço 60 anos, estou seriamente a pensar muito na minha família. Já não sou o jovem que era. Talvez esteja na altura de passar mais tempo com a minha família. Tanto eu como o Ng Kuok Cheong estamos numa situação decisiva. Por exemplo, não sei se o Ng Kuok Cheong se vai candidatar, talvez se os jovens assumirem uma candidatura ele se mantenha apenas como orientador nos bastidores, sem se candidatar. Não sei, tenho de pensar.