Da Modernidade

Giddens , Anthony, Consequências da Modernidade, Oeiras, Celta, 1995.
Descritores: Modernidade, História, Holismo, Capitalismo Tardio, 148 p., ISBN: 972-8027-27-3

[dropcap style=’circle’]T[/dropcap]odas as obras sobre a problemática da Modernidade me interessam. A minha posição é de defesa quase incondicional da Modernidade, ou seja, reconheço as perversidades inerentes ao progresso mas não as atribuo à Filosofia das Luzes e portanto também não à Modernidade como a concebo, mas a uma contrafacção da Modernidade engendrada pelos seus detractores.
Convém distinguir três variantes na análise da crise da Modernidade.
Uma perspectiva centra-se na ideia de que a Modernidade já acabou e que vivemos agora segundo um outro paradigma, o da Pós – Modernidade.
Outra perspectiva, enfatiza a ideia de que a Modernidade é um projecto falhado para a humanidade, um caminho mal escolhido e aí se defende um regresso ao passado, digamos assim, assinalando uma espécie de nostalgia pelas sociedades pré-modernas. Ora não me parece que assim seja. Nem num caso nem noutro.
Finalmente muitos sustentam que a Modernidade é um projecto incompleto e que interessa continuar, como é o caso de Habermas.
Em síntese a Modernidade é considerada como a crença na Verdade, alcançável pela Razão, e na linearidade histórica rumo ao progresso. Eu destacaria ainda a predominância do Paradigma Sociológico. Mas isso é muito discutível, pois as filosofias do sujeito contêm em si a possibilidade de um paradigma antropológico de orientação humanista.
Dentro do leque de autores pós – modernos eu salientaria Jean François Lyotard, Gianni Vattimo, Richard Rorty, Jean Baudrillard, e talvez Michel Foucault.
Comecemos pelos pós-modernos: Segundo Gellner “O pós-modernismo é um movimento contemporâneo. É forte e está na moda. E sobretudo, não é completamente claro o que diabo ele é. Na verdade, a claridade não se encontra entre os seus principais atributos. Ele não apenas falha em praticar a claridade mas em certas ocasiões até a repudia abertamente… A influência do movimento pode ser discernida na Antropologia, nos estudos literários, na filosofia… etc. As noções de que tudo é um “texto”, que o material básico de textos, sociedades e quase tudo, é significado, que significados estão aí para serem descodificados ou “desconstruídos”, que a noção de realidade objectiva é suspeita – tudo isto parece ser parte da atmosfera, ou nevoeiro, no qual o pós-modernismo floresce, ou que o pós-modernismo ajuda a espalhar. O pós-modernismo parece ser claramente favorável ao relativismo, tanto quanto ele é capaz de claridade alguma, e hostil à ideia de uma verdade única, exclusiva, objectiva, externa ou transcendente. A verdade é ilusiva, polimorfa, íntima, subjectiva … e provavelmente algumas outras coisas também. Simples é que ela não é… Tudo é significado e significado é tudo e a hermenêutica o seu profeta. Qualquer coisa que seja, é feita pelo significado, conferido a ela…”
Para o crítico marxista norte-americano Fredric Jameson, a Pós-Modernidade é a “lógica cultural do capitalismo tardio”, correspondente à terceira fase do capitalismo, conforme o esquema proposto por Ernest Mandel.
O sociólogo polaco Zygmunt Bauman, um dos principais popularizadores do termo Pós- Modernidade no sentido de forma póstuma da modernidade, prefere contudo usar a expressão “Modernidade líquida” para designar este tempo apelidado de Pós-Modernidade uma realidade ambígua, multiforme, na qual, como na clássica expressão do manifesto comunista, tudo o que é sólido se desmancha no ar. Zygmunt Bauman é essencialmente um crítico da Modernidade, mais do que um teorizador da Pós-Modernidade. Mais próximo de uma teorização da Pós-Modernidade e segundo uma perspectiva original encontra-se Gianni Vattimo que a partir do conceito de Aufbhung dialéctica hegeliana, procura conceber o fim da Modernidade e a sua não superação, pois essa seria, embora com outra designação ainda, da ordem da Modernidade. Lipovetsky, como sabemos, embora identificado com a Pós- Modernidade, prefere usar o conceito de Hiper-Modernidade para identificar os tempos actuais.
No âmbito dos nostálgicos eu identificaria sobretudo Leo Strauss, Eric Voegelin, Charles Taylor (Mal Estar na Modernidade), Alisdair MacIntyre (After Virtue), enfim entre outros. O mal-estar na Modernidade cola com facilidade a um mal-estar na Democracia e isso leva-nos naturalmente a uma crise reconhecida da Representação, que é em si considerada Pós- Moderna. Mas a crise da representação atravessa todas as formas da vida social desde as políticas às formas da representação no domínio da Arte. Há episódios e opiniões que possuem um valor inestimável. Leo Strauss considerava Cassirer, que o orientou em sede de doutoramento, um anão quando comparado com Heidegger. Percebe-se a influência nefasta que Heidegger desempenhou junto dele e de onde é que virá o seu reaccionarismo radical. A posição de Leo Strauss é a todos os títulos anti moderna. Dele se disse e com propriedade: “While modern liberalism had stressed the pursuit of individual liberty as its highest goal, Strauss felt that there should be a greater interest in the problem of human excellence and political virtue”. Conheço não só estas posições como conheço também as suas consequências. A sua posição de fundo propõe um regresso a perspectivas holistas, como se a mistura explosiva entre o holismo e o sagrado não estivesse intimamente associada, às hierarquias, às castas, isto é à desigualdade. E tudo isto significa aquilo contra o qual o Iluminismo se bateu. E tudo fica muito claro se atendermos às seguintes afirmações produzidas por Strauss:

“Strauss taught that liberalism in its modern form contained within it an intrinsic tendency towards extreme relativism, which in turn led to two types of nihilism: The first was a “brutal” nihilism, expressed in Nazi and Marxist regimes. In On Tyranny, he wrote that these ideologies, both descendants of Enlightenment thought, tried to destroy all traditions, history, ethics, and moral standards and replace them by force under which nature and mankind are subjugated and conquered. The second type — the “gentle” nihilism expressed in Western liberal democracies — was a kind of value-free aimlessness and a hedonistic “permissive egalitarianism”, which he saw as permeating the fabric of contemporary American society. In the belief that 20th century relativism, scientism, historicism, and nihilism were all implicated in the deterioration of modern society and philosophy, Strauss sought to uncover the philosophical pathways that had led to this situation. The resultant study led him to advocate a tentative return to classical political philosophy as a starting point for judging political action”.

Enfim, Leo Strauss justifica uma abordagem específica e sistemática, tal como Eric Voegelin.
No âmbito dos que defendem a tradição da Aufklarung e da Modernidade saliento Habermas. O filósofo alemão Jürgen Habermas relaciona o conceito de Pós-Modernidade a tendências políticas e culturais neoconservadoras, determinadas a combater os ideais iluministas. E é no essencial o que eu próprio penso. Mas eu contextualizo essa reacção no quadro de um equívoco estrutural que identifica mal o Iluminismo.
Trata-se portanto de um conjunto inarticulado:
Segundo o francês Jean-François Lyotard, a «condição pós-moderna» caracteriza-se pelo fim das metanarrativas. E o fim das matanarrativas resulta do desmentido brutal que Auschwitz representa para as ilusões da Modernidade. Como pensar o progresso e o seu programa emancipador depois da calamidade moral do nazismo?
Para Lyotard a pós-modernidade implica o abandono da crença num fundamento seguro do saber, e a renúncia à fé no progresso tecnológico da humanidade. Ela caracteriza-se pela falência das metanarrativas que nos permitiam situar dentro do processo histórico (A História), no qual o futuro é dotado de sentido e ainda de uma história em que nós nos encontramos num tempo que se situa entre um passado inteligível e um futuro previsível.
A visão pós-moderna distingue uma pluralidade de saberes homogéneos onde a ciência não ocupa já o primeiro lugar.
Para Giddens não estamos na perspectiva de entrar numa época pós-moderna mas antes num tempo de radicalização e extensão das consequências da modernidade.
As doutrinas evolucionistas impediram-nos uma visão onde se deveria salientar o carácter descontínuo da modernidade. Mesmo o marxismo apesar de privilegiar as ideias de corte e de ruptura e das consequentes descontinuidades (revolucionárias) acabou por salientar a perspectiva de que a história possui uma direcção de conjunto governada por princípios dinâmicos gerais.

CONTRARIEDADES

Max Weber foi um dos primeiros grandes sociólogos a entrever os aspectos negativos da modernidade. Centrado na ideia de desenvolvimento burocrático (consequências da utilização da razão instrumental), que afecta a criatividade individual e a autonomia individual, como contraponto ao progresso material. Salientando que não se percebeu atempadamente, por exemplo, que o avanço das forças produtivas produziu um efeito destruidor sobre a natureza.
Por outro lado evidenciou também que o reforço do poder político conduziu ao advento do totalitarismo e que esses fenómenos não seriam alheios à modernidade; tudo isto associado também à estreita ligação quase congénita entre a inovação e a organização industrial por um lado e o poder militar por outro lado, que é coetâneo das origens da industrialização.
O que cintila no horizonte da modernidade é o sentimento de fim da fé no progresso, o abandono de uma historicidade ingénua, de um inevitável futuro mais feliz e seguro, etc. O sentimento de que a História não vai a parte nenhuma.
Os elementos dinâmicos da modernidade:
O capitalismo que justifica a emergência do fenómeno Marx…
A divisão complexa do trabalho e o seu dinamismo próprio. A industrialização.
A racionalização que contudo se metamorfoseia em burocracia, tanto no domínio tecnológico quanto no domínio da organização das actividades humanas.
Mas para Giddens a modernidade é multidimensional. Não é possível reduzir a sua dinâmica a qualquer item em particular.
Para ele
De onde vem o dinamismo da modernidade:
Dissociação do tempo e do espaço.
Deslocalização dos sistemas sociais.
Organização e reorganização reflexivas das relações sociais à luz dos implementos trazidos pelo conhecimento que entretanto afectam as acções dos indivíduos e dos grupos.

PÓS-MODERNIDADE

Tanto Nietzsche quanto Heidegger, a despeito das diferenças, possuem dois elementos em comum:
Ambos ligam a modernidade à ideia segundo a qual a História se pode identificar a uma apropriação progressiva dos fundamentos racionais do saber. (p. 53)
Cada um deles é atraído pela necessidade de se distanciar das fontes de legitimação das Luzes mas sem o poder fazer a partir de formas de legitimidade superior ou melhor fundadas. Eles abandonaram a noção de ultrapassagem crítica, o que de algum modo os manteria ainda dentro do quadro das Luzes.
A verdade é que Giddens toca na ferida ao considerar que este tipo de posições se aparenta mais à perspectiva da compreensão da modernidade enquanto tal. Mas também diz que o triunfo da razão das Luzes se assemelha a uma recaída da Providência. A apologia da razão é homóloga da apologia da Providência. A razão recoloca a Providência. Não a substitui. Ela é providencial.

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