O Secretário e a realidade

[dropcap style=’circle’]D[/dropcap]iz Lionel Leong: as pessoas que, eventualmente, venham a Macau participar de uma convenção poderão “gostar e considerar Macau como um sítio de bom ambiente”. A esperança do Secretário é que tal os faça voltar para outras actividades, vulgo turísticas.
O que eu me pergunto é há quanto tempo Lionel Leong não tenta fazer vida de turista em Macau. Deve ser há muito. Na cinzenta realidade, esta cidade não proporciona um bom ambiente, muito menos a turistas: os transportes são… o que se sabe; os táxis – para além da sua já lendária desonestidade – não conhecem o nome de nada, a não ser em cantonense; nas lojas, ser recebido por um empregado eficiente e simpático é uma agradável excepção; as carantonhas enfadadas dos croupiers só levam a aproximar das mesas quem tem muita vontade de jogar. E isto só para começar… e não falar, por exemplo, da qualidade do serviço em restaurantes, bares e cafés (brada aos céus).
O Secretário para a Economia e Finanças, para além de ter ficado “chocado” quando soube o elevado montante que a administração paga em rendas, como se fosse um estrangeiro à economia de Macau, parece também ser distante das reais condições que a cidade oferece aos turistas. Na verdade, não são famosas e ouvimos muito que poucos terão realmente vontade de voltar, quando aqui ao lado e também na China continental se encontra um ambiente mais agradável e acolhedor.
Um dos atractivos de Macau era a complacência, mesmo o seu lado um pouco sleazy, o estar-se à vontade, uma sensação hospitaleira de liberdade. Agora é ao contrário: liofilizaram a cidade, empurraram para debaixo do tapete e para as salas VIP o que era visível, chegando ao ponto risível de qualificar de “pornográficos” uns meros folhetos de massagens. Vivemos numa cidade vigiada. Um burgo fiscalizado, seja pelo tabaco ou pelo trato. Os sinais de “proibido”, isto e aquilo, proliferaram como cogumelos venenosos da alegria de estar e de viver.
Pensem nisto devagar, compreendam a identidade da cidade. Dá-se hoje por um vazio. Muitos não sabem quem são e de onde vêm. Para além de uma História, Macau tem uma tradição, uma maneira de fazer, um pressuposto de ser. A alternativa será algo muito diferente, sem alma nem emoções, a saber a gesso: ao mesmo gesso com que os casinos tentam fazer-nos acreditar que são reais.

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