Macau – Manual da sobrevivência

Está em Macau há pouco tempo? Não está mas pensa vir? Não vem cá há muito tempo ou tem curiosidade sobre o lugar? Então aqui fica um manual incompleto de sobrevivência, de A a Z, completamente parcial e sem a mínima preocupação de ser politicamente correcto. Alguns termos são contraditórios. Mas é assim mesmo

A

Advogados – Espécie muito populosa; Todos têm pelo menos um amigo que é.
Ácido – Arma dos pobres.
Activistas – Indivíduos que não entram em Macau.
AL – Câmara dos horrores.
Alcatraz – Desde há uns anos sinónimo de Macau para algumas pessoas.
Ambiente – Departamento do governo.
Andaimes – Eram de bambu e funcionavam na perfeição. São cada vez menos quiçá por força de algum lobby do metal, quiçá por alguém achar pouco moderno.
Ar Condicionado – Sistema de suporte de vida, sempre a menos de 18º.
Arriscar – Sentimento completamente riscado da praxis local. Normalmente associado à exclamação: “Nem pensar!”
ASAE – Nem nada que se pareça.
Associações –Algumas têm utilidade pública de facto mas a grande maioria são grupos de uma pessoa desenhadas para acesso a dinheiros públicos. “Sem tostão? Queres promoção? Monta uma associação” é o lema. Todas têm estatutos mas poucas os cumprem.
Associação Comercial de Macau – Governo sombra.
Austeridade – Moda Europeia importada para dar um ar internacional à cidade.
Autocarros – Públicos: transporte barato que chega a todo o lado injustamente desvalorizados; Privados: praga.
Automóvel – Objecto de estimação (convém ter mais do que um por agregado); Objectos responsáveis pelo aquecimento global da cidade; Algo que é mais importante do que uma pessoa.

B

Barriga – O que serve para empurrar (hábito local muito popular).
Biblioteca Central – Elefante branco em formação; Como gastar 900 milhões numa obra inútil.
Bicicleta – Objecto inútil.
BNU – Tubo de oxigénio da CGD.
Bo Zai Fan – Arroz em pote de barro com salsicha chinesa, pedaços de porco ou vaca ou o que o cozinheiro lhe der na mona. Comida de Cantão mas especialmente bem feita por aqui. Há um sitio onde é melhor do que em todos os outros. Não, não digo onde, tem poucas mesas.
Bolinha – Jogo aproximado ao futebol conde o campo e as balizas são mais pequenas mas a bola é do mesmo tamanho, por incrível que pareça
Buffet – Mania local (ver também D – Desperdício)
Buzinas Automóveis – Fenómeno recente. (ver C – Carro e T- Trânsito)

C

Camões – “Ninho dos Pombos Brancos” em Chinês.
Cantão – A grande fábrica aqui do lado.
Cantopop – Versões intermináveis de um mesmo tema composto nos anos 80 do século passado
Cantonês – A língua da terra por mais que nos queiram mandarinizar.
Cantopop – Versões intermináveis de uma mesma música inventada no século passado.
Carro – Objecto de estimação; Convém ter mais do que um por agregado para se estar “in”; Objectos responsáveis pelo aquecimento global da cidade.
Casinos – Orçamento.
CCAC – Forma de ameaça (Ex.: “Olha que vou ao CCAC!”).
Chefe do Executivo – O máximo chefe visível.
Choi – Há muitos mas há que perceber as diferenças.
Chu Chai Pao – Quer uma carcaça? É esta, só “pao” e sai um pão qualquer. Algumas são horríveis, outras muito boas. É como em Portugal.
Chu Pá – Costeleta de porco; também serve para designar uma mulher feia; (Experimente chamar isso às suas amigas chinesas e vai ver o que lhe acontece)
Coloane – Lá longe.
Comida – Desporto popular.
Consulta Pública – Pró-forma.
Corpos – Estrutura orgânica de base de carbono que aparecem com frequência a boiar aqui ou acolá.
Corrupção – Mito urbano.
COTAI Strip – Região Casinística Especial de Macau ou Centro Económico de Macau; Nevadasismo.
Cretinos – Espécie muito populosa. Encontram-se um pouco por todo o lado com uma particular incidência em lugares de tomada de decisão.
Criatividade – Canecas estampadas.
Construção civil – Uma das três actividades de Macau, as outras duas são Jogo e Comércio de Retalho
Cuidados de Saúde – Forma composta da expressão “Cuidado!”
Cultura – Dinheiro; Conceito vago e abstracto

D

D2 – “Fazer o quê?”; Lugar onde se consomem apenas bebidas de lata, senão… (ver letra C “Cuidados de Saúde”); Prostíbulo dançante.
DD – Ressaca fortíssima.
Decidir – Actividade de risco.
Democracia – Conceito vago em que ninguém acredita. Pronto, meia dúzia.
Dengue – Há mas podia ser pior.
Deputados – Pessoa normalmente de baixo nível que não compreende grande coisa sobre coisa nenhuma; Desconhecido
Desperdício – Resultado prático dos milhares de buffets servidos diariamente na cidade.
Diu! – Palavra muito popular que tem vindo a ocupar progressivamente o espaço da expressão mo man tai (ver letra M). Muito usada, tal como em português utilizamos o “foda-se” porque quer dizer exactamente a mesma coisa.
Diversificação Económica – Mito urbano.
Docas – Saudosismo de lisboetas; Lugar onde se ouve péssima música.
Dome – Versão local de um elefante branco.

E

“É Assim” – Expressão normalmente antecedida da palavra “Macau” e utilizada para explicar o inexplicável.
Ego – Um animal de estimação alheio comum que se deve alimentar selectivamente para subir na vida;
Eleições – Comédia popular realizada a cada quatro anos.
Elites – E o resto é conversa.
Ensino – Eufemismo. Actividade realizada no estrangeiro (ver também P – “Prego”).
Erre – Forma infalível de fazer um chinês babar–se. Literalmente.
Escolas – Forma popular de fazer dinheiro à custa do erário público.
Escola Portuguesa de Macau = Molho de brócolos.
Esplanada – Nem pensar nissoEstrangeiros – Bem vindos desde que fiquem mais de dois dias e menos de uma semana;
Estrangeiros – Bem vindos desde que fiquem mais de dois dias e menos de uma semana.
Estrelas de Hong Kong – Mercadoria promocional.
Exótico – Uma questão de perspectiva. Ideia que nos apercebemos depois de vivermos aqui um tempo (Ex.: O que é mais exótico? Uma igreja ou um templo?).
Extremo Oriente – Mito colonialista. Igual a dizer que Portugal fica no extremo ocidente.

F

Fachada – Património; Forma de estar.
Fai Chi – Essencial para ingerir comida chinesa. Nem sabe ao mesmo de outra forma. Mesmo! Por falta de imaginação, que nem 400 anos de presença portuguesa resolveram, nós chamamos-lhe “pauzinhos”.
Fai Chi Kei – Por muito que pareça não é nenhum paraíso dos “fai chi” mas sim um bairro onde se torturam cães.
Fama – Essencial.
Fala-barato – Alcunha dada pela malta local a Alexis Tam, Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura. Vá–se lá saber porquê…
Fat Siu Lau – A versão local do “deitar-se à sombra da fama e descansar.”
Fei Jai – Forma carinhosa de chamar gordo a um homem ou rapaz.
Fei Lo – Gordo e velho; Forma menos carinhosa de chamar gordo a um homem; Chefe do Executivo.
Feira Internacional de Macau – Mercado de rua armado em fino.
Festival da Gastronomia – Arraial saloio de má catadura.
Ferreira do Amaral – Palavrão em chinês.
Festa da Lusofonia – Uma forma hábil de deixar os selvagens entreterem-se uns com os outros; Exótico (ver letra E). Bodo aos pobres.
Festival de Artes – O que costumava ser bom; Cultura institucionalizada para assistir sentado, sem fumar e sem mexer.
Filipino – Pessoa apenas com direito a trabalhar. Burro de carga.
Filipina – Pau para toda a obra; Ódio de estimação das mulheres portuguesas.
Fiscal do Tabaco – Cães de fila; Paladinos (para o Governo).
Fôdásse – Forma exótica de dizer “Diu”.
Fogo de Artificio – Por tudo e por nada; Final seguro para filmes institucionais. Substituto do ópio.
Fong Sói – Primeiro estranha-se, depois entranha-se.
Fórum de Macau – Sopa dos pobres.
Fumadores – Bandidos perigosos.
Fumar – Crime hediondo.
Funcionário público – “Yes person” (ver letra P – “Pregos”).
Fundação Macau – A versão local da lenda irlandesa do pote de ouro no final do arco íris. Acessível a viajantes experimentados.
Fundação Oriente – Antigo pote de ouro, agora vazio.
Futebol – Actividade desportiva local vagamente semelhante à original.

G

Gnnnnnnnh! – Contrição diária gerada pela interacção com cretinos (ver letra C).
Guangdong – O verdadeiro nome da província que insistimos em chamar de Cantão.

H

Harmonia – Eufemismo; Jargão de político.
– Fixe. Tudo bem.
– Hós há muitos, seu palerma! Saber distinguir é preciso.
Hó Lan Yun – Rua dos Holandeses. A prova que eles andaram mesmo cá apesar de nós tentarmos disfarçar com o poético nome de Rua do Campo.
Ho Lan Tak – Forma fixe de dizer “fixe” na forma grosseira
Ho Tak – Forma fixe de dizer “fixe”.
Hong Kong – Ódio de estimação; Atracção fatal.
Hospital Público – A melhor campanha de marketing para as clínicas particulares. Também conhecido por “o único”.
Hospital da Taipa – Sinónimo de miragem.

I

I Má Lô – Mini Tailândia.
I Min – Quer esparguete? É este.
Ideias – Artigo cobiçado e alvo de roubos frequentes
Igrejas – Em tempos rivalizaram com o número de casinos per capita mas há muito perderam a guerra; Cenários preferidos para fotos de casamento.
Imbróglio – Marcar uma consulta em tempo de vida no hospital público.
Imobiliárias – Agiotas encartados.
Improvável – Nem por isso.
Incompetência – Forma local de competência.
Incrível – Notícias que surgem em ritmo quase diário na imprensa.
Indonésio – Filipino mais barato.
Instituto Cultural – Cultura institucionalizada.
Inveja – Prato do Dia.
Irreverente – Inconveniente.

J

Jai Alai – Jai era. Antigo fornecedor de namoradas tailandesas.
Jardim – Nome de prédio. Forma poética de baptizar os prédios que substituíram os jardins; “É como se fosse”.
Japoneses – Amados ou odiados, depende da fase; Restaurantes de sucesso.
Javalis – Turistas campónios do continente.
Justiça – Conceito vago e elitista.

K

Kon Chau Ngao Hó – Massa com carne. Imprescindível.
Kruatech – Comida tailandesa; Noites longas dos tempos áureos do Jai Alai.

L

La – Forma de enfatizar uma ideia. Porque sim.
Labrego – Palavra constituinte do slogan não oficial de Macau (”Macau, liberte o labrego que há em si”).
Lat Jiu Iao – Molho picante oleoso. Em lado nenhum se faz como em Macau. Tudo o resto são imitações de baixo quilate.
Lecas – Paus; Mocas; Biscas.
Lei Hon Kei – Lugar onde se serve a melhor comida cantonesa da cidade e com um sorriso. E estou-me nas tintas para quem discordar.
Leng Chai – Homem jeitoso; Conversa de comerciante.
Leng Loi – Mulher jeitosa; Idem.
Liberdade de Imprensa – Privilégio dos órgãos em português porque ninguém os entende.
Limitações – Muitas mas nenhuma relacionada com orçamento.
Locais – Espécie desprezada pelos locais; Animal de circo; Curiosidade turística.
Lótus – Aroma que se costumava sentir em Macau. Actualmente substituído por derivados do petróleo e sprays sintéticos nos hotéis e casinos.

M

– Más há muitos seu palerma, mas há que perceber as diferenças; Cavalo.
Macaense – Malta.
Macau – A razão pela qual aqui andamos todos. Não tem lugar igual no mundo, nem parecido.
Macaio – Forma simples de ofender a malta.
MacDonald’s – Nome de ponte.
Man Fá – Dinheiro.
Metro de Superfície – Versão local das obras de Santa Engrácia; Sistema de Transporte desenhado para turistas.
Minchi – Bitoque macaense; Utilizado em jeito de desafio: “o meu minchi é muito melhor que o teu”.
Ministério Público – Departamento do Governo; Comissariado político
Mo Man Tai – Não há problema; Alívio.
Mundo – Algo externo, distante e incompreensível; O que falta.

N

NAPE – Docas.
Nariz – Parte do corpo onde se situa o eu.
Natércia – Pessoa arrogante, incompetente e com a mania que sabe, incapaz de distinguir Pato à Milanesa de pato ali na mesa. “Não te armes em Natércia”, assim.
Noite – Esqueça.

O

OK La – Sofrível.
Otókfu – Escritório do Chefe visível.
Olho do Cú – Nome de uma rotunda.
Orçamento – o critério mais importante na adjudicação de serviços do Governo. Muito perto dos 50%; Os outros 50% servem apenas para justificar a razão pelas quais o negócio vai sempre parar aos mesmos.

P

Pacha – Exemplo manifesto da influência da cultura local numa marca internacional; Aplicação perfeita do slogan não oficial de Macau (ver letra L); Pagar muito por pouco.
Panda – Animal com direitos.
Pataca – Ficha de casino em forma de papel.
Patuá – Dialecto da malta.
Pé, A – Vai tu.
Período – Ciclo menstrual feminino que pode atiçar os cães.
Planeamento Urbano – Forma local de piada.
Plataforma – Sistema complexo de angariação de fundos para países de língua portuguesa.
Polícia – Pessoas fardadas de azul vistas normalmente à frente e atrás de carros pretos e em operações de auto–stop; Pessoa com actividade incerta.
Poluição – Mito urbano.
Português – Bebedor de café; Pessoa relaxada pouco amiga de trabalhar desenfreadamente; Nome de pastel que nós conhecemos por Nata.
Prego – Palavra essencial num ditado local: “Em tábua com pregos, o saliente é para ser martelado” (sistema de ensino).
Prostituição – Património Cultural não classificado; Indústria mais ou menos ilegal.
Protocolo – Tudo o que interessa.
Provisório – Definitivo.

Q

Q – Xis.

R

Rabo de porco – Macaense de origens humildes; Não presta.
Rendas – Versão local do Inferno de Dante.
Reorganização Administrativa – Chavão; Cosmética
Ruínas de São Paulo – Meca dos javalis; Símbolo da cidade por ser apenas uma fachada; Cenário para Fotografias.

S

Saúde – Privilégio.
Sauna – Eufemismo para actividade sexual.
Sifu – Mestre; Pessoa que sabe fazer alguma coisa de jeito; Especialista.
Sing Chao Chau Mein – “Massa frita à moda de Singapura” que não se vê em Singapura mas que em Macau se faz como deve ser. Imperdível.
Sky 21 – Desperdício ostensivo de um espaço nobre.
Sufrágio Universal – Palavrão na versão chinesa.

T

Tai Chi – Cena de cotas que não conseguem dormir.
Tailândia – Versão exótica da Caparica mas sem ondas nem caracóis; Tema para fazer conversa entre portugueses.
Táxi – Carros coloridos que gravitam à volta dos casinos mas extremamente raros no resto da cidade.
TDM – Tudo o que parece uma estação de televisão mas não é.
Templo de A Ma – Máquina de fazer dinheiro.
Trânsito – Forma idiota de modernismo; Problema insolúvel.
Transplantes – Actividade exercida no estrangeiro.
Tufão – Tolerância de ponto.
Turistas – Praga; Benesse; Javalis; Aqueles com quem o Governo local se preocupa.

U

Uber – Eles vêm aí. Finca pé.
Universidade de Macau – Aquilo lá ao longe; Ensino armado em superior.
Urbanidade – Mistério.

V

Venetian – Grande, dourado e com florões; Atractor de javalis; Kitsch.
VIP – Doença local incurável cuja variante mais maligna dá pelo nome de VVIP.
Visão – Conceito abstracto; O que se desconhece.

W

Wah! – O segredo.
Won Ton – Os raviolis originais e que nos tornam a vida melhor. Não há como em Macau. Nem pensem.
Wong Chiu – Nape.

X

XO – Um molho do caraças se souber onde o adquirir. Os seus grelhados nunca mais serão os mesmos. Uma variante do Lat Jiu Iao com marisco e peixe secos à mistura.
Xi – Neo Mao.

Y

Yat Yuen – Torturadores de cães.

Z

Zape – Nape sem docas.

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Leocardo
26 Nov 2015 13:20

Bem tirada, como um A a Z sempre convida. Permitam-me uma adenda, e uma vez que ja tem ai “DD”, e’ adequada aos tempos que correm e tudo:

D2: mesquita do Islao ultra-moderado/permissivo

ciao

Emílio
Emílio
28 Nov 2015 11:10

“É assim!” também conhecido pela comunidade Macaense (geralmente mais velha) “sã assim!” de origem patuá, mas ainda bastante popular devido à canção Macau Sã Assim

Macaense
Macaense
28 Nov 2015 20:44

Faltou aí o “fai ti ” de “rápido”, tão comum!

Ana Albuquerque
Responder a  Macaense
3 Dez 2015 23:36

O agri-doce de Macau. O humor pode retirar peso às coisas mas também lhes confere seriedade quando feito de uma forma inteligente como o que acabei de ler.
As saudades ainda não sossegaram, ao longe ainda consigo vislumbrar o seu olhar quente e húmido. É preciso sentir esta terra para entender.
Um abraço e obrigada por este momento.