VozesMacau – Manual da sobrevivência Fernando Eloy - 25 Nov 201522 Dez 2016 Está em Macau há pouco tempo? Não está mas pensa vir? Não vem cá há muito tempo ou tem curiosidade sobre o lugar? Então aqui fica um manual incompleto de sobrevivência, de A a Z, completamente parcial e sem a mínima preocupação de ser politicamente correcto. Alguns termos são contraditórios. Mas é assim mesmo A Advogados – Espécie muito populosa; Todos têm pelo menos um amigo que é. Ácido – Arma dos pobres. Activistas – Indivíduos que não entram em Macau. AL – Câmara dos horrores. Alcatraz – Desde há uns anos sinónimo de Macau para algumas pessoas. Ambiente – Departamento do governo. Andaimes – Eram de bambu e funcionavam na perfeição. São cada vez menos quiçá por força de algum lobby do metal, quiçá por alguém achar pouco moderno. Ar Condicionado – Sistema de suporte de vida, sempre a menos de 18º. Arriscar – Sentimento completamente riscado da praxis local. Normalmente associado à exclamação: “Nem pensar!” ASAE – Nem nada que se pareça. Associações –Algumas têm utilidade pública de facto mas a grande maioria são grupos de uma pessoa desenhadas para acesso a dinheiros públicos. “Sem tostão? Queres promoção? Monta uma associação” é o lema. Todas têm estatutos mas poucas os cumprem. Associação Comercial de Macau – Governo sombra. Austeridade – Moda Europeia importada para dar um ar internacional à cidade. Autocarros – Públicos: transporte barato que chega a todo o lado injustamente desvalorizados; Privados: praga. Automóvel – Objecto de estimação (convém ter mais do que um por agregado); Objectos responsáveis pelo aquecimento global da cidade; Algo que é mais importante do que uma pessoa. B Barriga – O que serve para empurrar (hábito local muito popular). Biblioteca Central – Elefante branco em formação; Como gastar 900 milhões numa obra inútil. Bicicleta – Objecto inútil. BNU – Tubo de oxigénio da CGD. Bo Zai Fan – Arroz em pote de barro com salsicha chinesa, pedaços de porco ou vaca ou o que o cozinheiro lhe der na mona. Comida de Cantão mas especialmente bem feita por aqui. Há um sitio onde é melhor do que em todos os outros. Não, não digo onde, tem poucas mesas. Bolinha – Jogo aproximado ao futebol conde o campo e as balizas são mais pequenas mas a bola é do mesmo tamanho, por incrível que pareça Buffet – Mania local (ver também D – Desperdício) Buzinas Automóveis – Fenómeno recente. (ver C – Carro e T- Trânsito) C Camões – “Ninho dos Pombos Brancos” em Chinês. Cantão – A grande fábrica aqui do lado. Cantopop – Versões intermináveis de um mesmo tema composto nos anos 80 do século passado Cantonês – A língua da terra por mais que nos queiram mandarinizar. Cantopop – Versões intermináveis de uma mesma música inventada no século passado. Carro – Objecto de estimação; Convém ter mais do que um por agregado para se estar “in”; Objectos responsáveis pelo aquecimento global da cidade. Casinos – Orçamento. CCAC – Forma de ameaça (Ex.: “Olha que vou ao CCAC!”). Chefe do Executivo – O máximo chefe visível. Choi – Há muitos mas há que perceber as diferenças. Chu Chai Pao – Quer uma carcaça? É esta, só “pao” e sai um pão qualquer. Algumas são horríveis, outras muito boas. É como em Portugal. Chu Pá – Costeleta de porco; também serve para designar uma mulher feia; (Experimente chamar isso às suas amigas chinesas e vai ver o que lhe acontece) Coloane – Lá longe. Comida – Desporto popular. Consulta Pública – Pró-forma. Corpos – Estrutura orgânica de base de carbono que aparecem com frequência a boiar aqui ou acolá. Corrupção – Mito urbano. COTAI Strip – Região Casinística Especial de Macau ou Centro Económico de Macau; Nevadasismo. Cretinos – Espécie muito populosa. Encontram-se um pouco por todo o lado com uma particular incidência em lugares de tomada de decisão. Criatividade – Canecas estampadas. Construção civil – Uma das três actividades de Macau, as outras duas são Jogo e Comércio de Retalho Cuidados de Saúde – Forma composta da expressão “Cuidado!” Cultura – Dinheiro; Conceito vago e abstracto D D2 – “Fazer o quê?”; Lugar onde se consomem apenas bebidas de lata, senão… (ver letra C “Cuidados de Saúde”); Prostíbulo dançante. DD – Ressaca fortíssima. Decidir – Actividade de risco. Democracia – Conceito vago em que ninguém acredita. Pronto, meia dúzia. Dengue – Há mas podia ser pior. Deputados – Pessoa normalmente de baixo nível que não compreende grande coisa sobre coisa nenhuma; Desconhecido Desperdício – Resultado prático dos milhares de buffets servidos diariamente na cidade. Diu! – Palavra muito popular que tem vindo a ocupar progressivamente o espaço da expressão mo man tai (ver letra M). Muito usada, tal como em português utilizamos o “foda-se” porque quer dizer exactamente a mesma coisa. Diversificação Económica – Mito urbano. Docas – Saudosismo de lisboetas; Lugar onde se ouve péssima música. Dome – Versão local de um elefante branco. E “É Assim” – Expressão normalmente antecedida da palavra “Macau” e utilizada para explicar o inexplicável. Ego – Um animal de estimação alheio comum que se deve alimentar selectivamente para subir na vida; Eleições – Comédia popular realizada a cada quatro anos. Elites – E o resto é conversa. Ensino – Eufemismo. Actividade realizada no estrangeiro (ver também P – “Prego”). Erre – Forma infalível de fazer um chinês babar–se. Literalmente. Escolas – Forma popular de fazer dinheiro à custa do erário público. Escola Portuguesa de Macau = Molho de brócolos. Esplanada – Nem pensar nissoEstrangeiros – Bem vindos desde que fiquem mais de dois dias e menos de uma semana; Estrangeiros – Bem vindos desde que fiquem mais de dois dias e menos de uma semana. Estrelas de Hong Kong – Mercadoria promocional. Exótico – Uma questão de perspectiva. Ideia que nos apercebemos depois de vivermos aqui um tempo (Ex.: O que é mais exótico? Uma igreja ou um templo?). Extremo Oriente – Mito colonialista. Igual a dizer que Portugal fica no extremo ocidente. F Fachada – Património; Forma de estar. Fai Chi – Essencial para ingerir comida chinesa. Nem sabe ao mesmo de outra forma. Mesmo! Por falta de imaginação, que nem 400 anos de presença portuguesa resolveram, nós chamamos-lhe “pauzinhos”. Fai Chi Kei – Por muito que pareça não é nenhum paraíso dos “fai chi” mas sim um bairro onde se torturam cães. Fama – Essencial. Fala-barato – Alcunha dada pela malta local a Alexis Tam, Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura. Vá–se lá saber porquê… Fat Siu Lau – A versão local do “deitar-se à sombra da fama e descansar.” Fei Jai – Forma carinhosa de chamar gordo a um homem ou rapaz. Fei Lo – Gordo e velho; Forma menos carinhosa de chamar gordo a um homem; Chefe do Executivo. Feira Internacional de Macau – Mercado de rua armado em fino. Festival da Gastronomia – Arraial saloio de má catadura. Ferreira do Amaral – Palavrão em chinês. Festa da Lusofonia – Uma forma hábil de deixar os selvagens entreterem-se uns com os outros; Exótico (ver letra E). Bodo aos pobres. Festival de Artes – O que costumava ser bom; Cultura institucionalizada para assistir sentado, sem fumar e sem mexer. Filipino – Pessoa apenas com direito a trabalhar. Burro de carga. Filipina – Pau para toda a obra; Ódio de estimação das mulheres portuguesas. Fiscal do Tabaco – Cães de fila; Paladinos (para o Governo). Fôdásse – Forma exótica de dizer “Diu”. Fogo de Artificio – Por tudo e por nada; Final seguro para filmes institucionais. Substituto do ópio. Fong Sói – Primeiro estranha-se, depois entranha-se. Fórum de Macau – Sopa dos pobres. Fumadores – Bandidos perigosos. Fumar – Crime hediondo. Funcionário público – “Yes person” (ver letra P – “Pregos”). Fundação Macau – A versão local da lenda irlandesa do pote de ouro no final do arco íris. Acessível a viajantes experimentados. Fundação Oriente – Antigo pote de ouro, agora vazio. Futebol – Actividade desportiva local vagamente semelhante à original. G Gnnnnnnnh! – Contrição diária gerada pela interacção com cretinos (ver letra C). Guangdong – O verdadeiro nome da província que insistimos em chamar de Cantão. H Harmonia – Eufemismo; Jargão de político. Hô – Fixe. Tudo bem. Hó – Hós há muitos, seu palerma! Saber distinguir é preciso. Hó Lan Yun – Rua dos Holandeses. A prova que eles andaram mesmo cá apesar de nós tentarmos disfarçar com o poético nome de Rua do Campo. Ho Lan Tak – Forma fixe de dizer “fixe” na forma grosseira Ho Tak – Forma fixe de dizer “fixe”. Hong Kong – Ódio de estimação; Atracção fatal. Hospital Público – A melhor campanha de marketing para as clínicas particulares. Também conhecido por “o único”. Hospital da Taipa – Sinónimo de miragem. I I Má Lô – Mini Tailândia. I Min – Quer esparguete? É este. Ideias – Artigo cobiçado e alvo de roubos frequentes Igrejas – Em tempos rivalizaram com o número de casinos per capita mas há muito perderam a guerra; Cenários preferidos para fotos de casamento. Imbróglio – Marcar uma consulta em tempo de vida no hospital público. Imobiliárias – Agiotas encartados. Improvável – Nem por isso. Incompetência – Forma local de competência. Incrível – Notícias que surgem em ritmo quase diário na imprensa. Indonésio – Filipino mais barato. Instituto Cultural – Cultura institucionalizada. Inveja – Prato do Dia. Irreverente – Inconveniente. J Jai Alai – Jai era. Antigo fornecedor de namoradas tailandesas. Jardim – Nome de prédio. Forma poética de baptizar os prédios que substituíram os jardins; “É como se fosse”. Japoneses – Amados ou odiados, depende da fase; Restaurantes de sucesso. Javalis – Turistas campónios do continente. Justiça – Conceito vago e elitista. K Kon Chau Ngao Hó – Massa com carne. Imprescindível. Kruatech – Comida tailandesa; Noites longas dos tempos áureos do Jai Alai. L La – Forma de enfatizar uma ideia. Porque sim. Labrego – Palavra constituinte do slogan não oficial de Macau (”Macau, liberte o labrego que há em si”). Lat Jiu Iao – Molho picante oleoso. Em lado nenhum se faz como em Macau. Tudo o resto são imitações de baixo quilate. Lecas – Paus; Mocas; Biscas. Lei Hon Kei – Lugar onde se serve a melhor comida cantonesa da cidade e com um sorriso. E estou-me nas tintas para quem discordar. Leng Chai – Homem jeitoso; Conversa de comerciante. Leng Loi – Mulher jeitosa; Idem. Liberdade de Imprensa – Privilégio dos órgãos em português porque ninguém os entende. Limitações – Muitas mas nenhuma relacionada com orçamento. Locais – Espécie desprezada pelos locais; Animal de circo; Curiosidade turística. Lótus – Aroma que se costumava sentir em Macau. Actualmente substituído por derivados do petróleo e sprays sintéticos nos hotéis e casinos. M Má – Más há muitos seu palerma, mas há que perceber as diferenças; Cavalo. Macaense – Malta. Macau – A razão pela qual aqui andamos todos. Não tem lugar igual no mundo, nem parecido. Macaio – Forma simples de ofender a malta. MacDonald’s – Nome de ponte. Man Fá – Dinheiro. Metro de Superfície – Versão local das obras de Santa Engrácia; Sistema de Transporte desenhado para turistas. Minchi – Bitoque macaense; Utilizado em jeito de desafio: “o meu minchi é muito melhor que o teu”. Ministério Público – Departamento do Governo; Comissariado político Mo Man Tai – Não há problema; Alívio. Mundo – Algo externo, distante e incompreensível; O que falta. N NAPE – Docas. Nariz – Parte do corpo onde se situa o eu. Natércia – Pessoa arrogante, incompetente e com a mania que sabe, incapaz de distinguir Pato à Milanesa de pato ali na mesa. “Não te armes em Natércia”, assim. Noite – Esqueça. O OK La – Sofrível. Otókfu – Escritório do Chefe visível. Olho do Cú – Nome de uma rotunda. Orçamento – o critério mais importante na adjudicação de serviços do Governo. Muito perto dos 50%; Os outros 50% servem apenas para justificar a razão pelas quais o negócio vai sempre parar aos mesmos. P Pacha – Exemplo manifesto da influência da cultura local numa marca internacional; Aplicação perfeita do slogan não oficial de Macau (ver letra L); Pagar muito por pouco. Panda – Animal com direitos. Pataca – Ficha de casino em forma de papel. Patuá – Dialecto da malta. Pé, A – Vai tu. Período – Ciclo menstrual feminino que pode atiçar os cães. Planeamento Urbano – Forma local de piada. Plataforma – Sistema complexo de angariação de fundos para países de língua portuguesa. Polícia – Pessoas fardadas de azul vistas normalmente à frente e atrás de carros pretos e em operações de auto–stop; Pessoa com actividade incerta. Poluição – Mito urbano. Português – Bebedor de café; Pessoa relaxada pouco amiga de trabalhar desenfreadamente; Nome de pastel que nós conhecemos por Nata. Prego – Palavra essencial num ditado local: “Em tábua com pregos, o saliente é para ser martelado” (sistema de ensino). Prostituição – Património Cultural não classificado; Indústria mais ou menos ilegal. Protocolo – Tudo o que interessa. Provisório – Definitivo. Q Q – Xis. R Rabo de porco – Macaense de origens humildes; Não presta. Rendas – Versão local do Inferno de Dante. Reorganização Administrativa – Chavão; Cosmética Ruínas de São Paulo – Meca dos javalis; Símbolo da cidade por ser apenas uma fachada; Cenário para Fotografias. S Saúde – Privilégio. Sauna – Eufemismo para actividade sexual. Sifu – Mestre; Pessoa que sabe fazer alguma coisa de jeito; Especialista. Sing Chao Chau Mein – “Massa frita à moda de Singapura” que não se vê em Singapura mas que em Macau se faz como deve ser. Imperdível. Sky 21 – Desperdício ostensivo de um espaço nobre. Sufrágio Universal – Palavrão na versão chinesa. T Tai Chi – Cena de cotas que não conseguem dormir. Tailândia – Versão exótica da Caparica mas sem ondas nem caracóis; Tema para fazer conversa entre portugueses. Táxi – Carros coloridos que gravitam à volta dos casinos mas extremamente raros no resto da cidade. TDM – Tudo o que parece uma estação de televisão mas não é. Templo de A Ma – Máquina de fazer dinheiro. Trânsito – Forma idiota de modernismo; Problema insolúvel. Transplantes – Actividade exercida no estrangeiro. Tufão – Tolerância de ponto. Turistas – Praga; Benesse; Javalis; Aqueles com quem o Governo local se preocupa. U Uber – Eles vêm aí. Finca pé. Universidade de Macau – Aquilo lá ao longe; Ensino armado em superior. Urbanidade – Mistério. V Venetian – Grande, dourado e com florões; Atractor de javalis; Kitsch. VIP – Doença local incurável cuja variante mais maligna dá pelo nome de VVIP. Visão – Conceito abstracto; O que se desconhece. W Wah! – O segredo. Won Ton – Os raviolis originais e que nos tornam a vida melhor. Não há como em Macau. Nem pensem. Wong Chiu – Nape. X XO – Um molho do caraças se souber onde o adquirir. Os seus grelhados nunca mais serão os mesmos. Uma variante do Lat Jiu Iao com marisco e peixe secos à mistura. Xi – Neo Mao. Y Yat Yuen – Torturadores de cães. Z Zape – Nape sem docas.