Bodies in Urban Spaces | Projecto de Willi Dorner encaixa artistas pela cidade

Bodies in Urban Spaces, do coreógrafo austríaco Willi Dorner, chega a Macau amanhã. A população vai ver, de manhã e ao final da tarde, pessoas encaixadas, dobradas, empoleiradas e empilhadas, a escalar e a esconderem-se pelos prédios, passeios e degraus da cidade

[dropcap style=’circle’]D[/dropcap]e cabeça erguida ou baixa, a paisagem será sempre a mesma: uma hora de almoço mal chega para saborear a refeição, quando mais apreciar a cidade em que vivemos. É a pensar na percepção visual que as pessoas têm das suas cidades que Willi Dorner, coreógrafo e artista austríaco, desenhou e deu vida ao projecto Bodies in Urban Spaces. A ideia é que o comum transeunte vá acompanhando um roteiro preparado pela equipa e que vá captando as mais estranhas formas de caber por cima de uma porta, na fresta de um corrimão e uma parede ou entre dois prédios.
A assistente de Dorner, Esther Steinkogler, está no território para apresentar e coordenar os dois espectáculos da companhia. Estes têm lugar já amanhã: o primeiro acontece às 10h00 e o segundo, às 19h00. Steinkogler estudou Dança em Salzburgo e a sua participação no projecto começou depois de ter sido escolhida pelo coreógrafo para fazer parte da equipa. A ideia destes espectáculos é não só criar arte em espaços exteriores, mas também alterar a percepção das pessoas do ambiente que normalmente as circunda. Outro dos objectivos é “mostrar aos habitantes as restrições” das cidades.
Na hora de escolher os melhores locais para se empilharem, escalarem, equilibrarem ou trancarem, Steinkogler menciona que tudo é bem-vindo, desde zonas industriais aos bairros mais antigos, passando pelas áreas modernas. As áreas negligenciadas da cidade também entram nesta equação, porque há vontade de “conduzir a percepção das pessoas para zonas [da cidade] que geralmente não seriam visitadas”.
Mas de que forma é isto feito? Steinkogler explica: “medimos o espaço com o corpo humano”, ou seja, ao invés do produto ser criado em função dos seus consumidores, este projecto explora a forma como o ser humano pode fundir-se com os objectos já existentes. A ideia, continua, é despertar mentalidades e olhares de quem por cá vive há algum tempo e deixa de vislumbrar os pormenores da sua cidade para a ver apenas como um labirinto de roteiros. “Como trabalhamos muito em função do ambiente que nos circunda, o que fazemos é sempre diferente”, disse. JWP-02601-720x480

É de proporção humana

A adaptação do projecto a Macau caracteriza-se como desafiante. “Aqui, tudo é megalómano, tirando determinadas zonas da cidade. Para preencher a porta de um casino, por exemplo, precisaria de umas 50 pessoas e isso é impossível”, justifica a coreógrafa.
Bodies in Urban Spaces partiu da genialidade de Dorner, quando decidiu passar a trabalhar com a cidade e não dentro de um estúdio. Interessado por Arquitectura e Estética, tem um hábito pouco comum: altera, várias vezes, a disposição dos móveis em casa para “se manter alerta”. Partindo desta estratégia, foi fácil desenvolver o resto. Primeiro, entre estantes e sofás, depois, na rua.
O projecto conta com uma equipa de um ou dois coreógrafos – que levam a ideia de Dorner ao local da performance – e artistas locais.
“Uma das características é trabalhar com pessoal local, para que haja um intercâmbio”, explica a jovem. Steinkogler tem estado presente em todos os espectáculos. Até agora, foram executados espectáculos na Áustria, França, Alemanha, Austrália, Japão e vários outros países.

Interesse acima da obediência

A jovem conta alguns episódios peculiares que espelham as características de cada sociedade. É que a reacção da população na Alemanha, Áustria, Reino Unido ou EUA é bastante diferente daquela captada por estes lados.
“Não há um senso de obediência tão forte como na Alemanha, por exemplo”, explica. Segundo a co-fundadora da BABEL, Margarida Saraiva, o feedback “tem sido positivo” e tem despertado a atenção de quem passa ou mesmo de quem está em casa e de repente se depara com uma pessoa pendurada na sua janela. No final do primeiro ensaio do grupo, as performances já tinham sido difundidas em mais de mil partilhas no WeChat.
“As pessoas estavam curiosas para saber o que era e houve mesmo quem pensasse que uma das performances – um dos dançarinos com a cabeça dentro de uma caixa da CTM – fosse um manifesto contra a lentidão da internet”, conta Margarida, entre risos. O interesse da BABEL em ter o projecto no território é a necessidade de cor nesta cidade.
“Macau é uma cidade cinzenta e dourada. Precisamos de cor”, disse.

Preocupação inocente

Steinkogler explica a diferença: “em alguns países europeus, somos várias vezes abordados com raspanetes e advertências de possível ilegalidade, mas aqui as pessoas mostraram-se curiosas e algumas até preocupadas com o nosso bem-estar”.
O único telefonema que um cidadão quis fazer para a polícia foi a pensar na segurança dos artistas. “Queria ligar porque pensou que alguém estava magoado”, confessou a coreógrafa.
Estas reacções são, decerto, curiosas e surpreendentes, pensando-se em Macau como uma cidade cinzenta, caótica e cujos passeios estão constantemente lotados. O ponto de encontro para os interessados está disponível na página do evento, que pode ser acedida através da BABEL.
As sessões são, naturalmente, gratuitas e exigem algum fôlego para seguir os artistas Macau adentro. Para os mais preguiçosos, aqui fica o ponto de encontro: zona coberta frente aos Lagos Nam Van.

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