EditorialAs folhas do Outono acumular-se-ão nas mesmas portas Carlos Morais José - 27 Out 2015 [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s astronómicos lucros do Jogo criaram em Macau uma espiral estranha. Não se pode dizer que tenha existido um sentido, uma direcção efectiva e racional para o crescimento. Ao invés assistimos ao desenrolar de algo que anda às voltas, num estranho e lento movimento ascendente, satisfazendo aqui, melhorando acolá, descuidando muito, piorando amiúde. Esta espiral, impulsionada pela avalanche de patacas, levou-nos de onde estávamos em 2003 até este ponto onde estamos em 2015. De algum modo, trata-se de uma espiral algo suicidária, no seu aparente distanciamento da mais óbvia racionalidade — o que deixa para trás, o que deixa cair, o que não acontece, mais do que qualquer outra coisa, revelam-se, ano após ano, fardos mais difíceis de carregar, de explicar, por quem detém o poder. Poder-se-ia julgar que a formal espiralada derivaria da “falta de experiência”, da “complexidade da região”, do “carácter único de Macau”, do “crescimento desenfreado”, etc.. Contudo, provavelmente, o percurso escolhido foi o único encontrado, num constante tactear da melhor solução, para uma divisão pacífica da riqueza. Deste ponto de vista, Macau parece ser um sucesso. Ao contrário de Hong Kong, a população permanece pacífica e sem agenda. A grande maioria das pessoas tem-se contentado com o cheque anual e outros benefícios efémeros que o Governo tem concebido. Isto enquanto se assistiu à degradação da Saúde, dos Transportes, da Habitação, entre outros sérios problemas que afectam o quotidiano dos residentes, independentemente da sua etnia. Macau tornou-se uma cidade repleta de gente, que se desloca em torvelinhos, remoinhos de turistas. A falta de intervenção estatal, o laissez faire, transformou o centro da cidade, património da UNESCO, num mercado de segunda linha, ao invés de espelhar a identidade e a cultura da cidade. Também do ponto de vista ambiental, tudo se transformou sem obedecer a um plano racional, numa espiral galopante de construção/especulação. O que Macau é hoje, ninguém previu, há 10 anos ninguém o sabia, como não sabemos o que daqui a 10 anos irá ser. É estranha esta espiral. Impossível de prever, impenetrável à adivinhação. As coisas giram e voltam a girar. À volta de um centro, é certo, mas imperscrutáveis. O vento poderá soprar por ora mais fraco. Por enquanto, as folhas do Outono acumular-se-ão nas mesmas portas.