Do golfe e da gula

[dropcap style=’circle]T[/dropcap]alvez Steve Wynn não tenha razão. Talvez Steve Wynn tenha razão. Para quem vive fora deste peculiar mundo dos negócios que o jogo é, há razões que a razão desconhece. Steve Wynn queixa-se, basicamente, de não saber as regras do jogo que aí vem.
Quem cá está desde o início disto tudo lembra-se bem da postura eu-quero, posso-e-mando do magnata que baptizou o império que construiu com o seu nome e fiou-se na virgem, neste caso nada virgem e chamada mercado VIP. Mas quem cá está há um bom par de anos também já percebeu que o Governo, salvo raras excepções, não é um exemplo em termos de comunicação e é mestre no fingimento. A lei do tabaco é um bom exemplo, com trocas e baldrocas e intenções de mudança a cada passo, com exigências a cada passo também.
Agora é Sheldon Adelson que, após a divulgação dos descendentes resultados da Sands, veio dizer que não sabe o que esperar de Macau. É uma incógnita, é um ponto de interrogação. O octogenário dono da Venetian que, como bem sabemos, também não fez fortuna pela sua moderação e ponderação, foi menos acutilante do que o colega Wynn, mas não deixou, no entanto, de apontar a incerteza que se vive no jogo. E se há incertezas no jogo, há incertezas no resto de Macau.
Bem-vindos à RAEM, Steve Wynn e Sheldon Adelson. Bem-vindos a Macau. Em traços gerais, nos últimos anos, os que mandam no jogo e nas empreitadas estiveram bem habituados: sabiam com o que podiam contar e aquilo com que puderam contar foi sempre mais, sempre a crescer. Não foi este o caso para o povo, para quem não faz contas aos milhões. static1.squarespace
Depois das incertezas da transferência de administração, das incertezas dos primeiros anos de um novo Governo, Macau cresceu sem que nos explicassem para onde se estava a caminhar. Um crescimento incerto, opaco, sem uma ideia que o orientasse, em que as únicas certezas foram chegando até nós nos números das rendas das casas, nos preços dos produtos mais básicos do supermercado, na conta da luz, na dificuldade em nos mexermos, na dificuldade em respirarmos. E no preço que tudo isto vale, porque tudo nesta terra tem um preço.
Agora são os senhores do jogo que, vindos de fora, não sabem com o que podem contar. Acho mal que assim seja, porque tanto a gente grande no dinheiro que tem, como a gente pequena nas poupanças que não faz devia saber mais ou menos com o que pode contar. Mas bem-vindos a Macau, que Macau há muito que foi nisto que se transformou.
No fim-de-semana passado, um antigo ministro da Economia de Portugal passou por cá para falar de criatividade e deixou a ideia de que se Macau não enriquecer do ponto de vista humano, de nada lhe valerá enriquecer com o jogo. Steve Wynn e Sheldon Adelson têm, como é óbvio, outras preocupações no que toca ao enriquecimento e muitas das pessoas que cá vivem também: isso da riqueza de espírito não enche barrigas, não compra bons carros, nem enche de rechonchudos diamantes os dedos das esposas e menos-esposas.
Agora que o jogo já deu mostras de ser um chão para dar uvas finitas, uvas certas conforme o mês da colheita, façam-se outras contas, para que os próximos anos não sejam tão incertos como foram os últimos 15. Explique-se aos investidores o que se espera deles e diga-se ao povo o que se pode esperar de Macau. Façam-se contas ao que se ganhou, mas reconheça-se que muito se tem perdido – os dedos das mãos não chegam para esta contabilidade.
Da China chegam novas que nos dizem que lá em Pequim o luxo é uma coisa em desuso. Não cai bem. Já sabíamos que era assim e isso reflecte-se nas contas dos casinos e de quem pulula em torno deles. Desde esta semana, a golfe e a gula passaram a ser pecados quase mortais para o Partido Comunista Chinês.
É melhor não mexer no golfe local, actividade predilecta do antigo Chefe do Executivo. Quanto à gula, se Macau ouvir a mãe-pátria, não há na cidade nutricionistas que cheguem. Numa terra de incertezas, em que quase tudo é um ponto de interrogação, sabe-se porém que uma dieta não fazia mal a muito boa gente. E a gente menos boa também.

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