Da Ordem do Templo à de Cristo

[dropcap style=’circle’]P[/dropcap]ara complementar os dois anteriores artigos, “O Lavrador do Mar Português” e “Por Cima do Hábito, a Armadura”, seguimos com o episódio da passagem dos Templários para a Ordem de Cristo durante o reinado de D. Dinis.
Para situar o período em que D. Dinis viveu, no ano do seu nascimento, 1261, os bizantinos reconquistaram Constantinopla aos Cruzados. A cidade fora saqueada e tomada em 1204 durante a IV Cruzada, desviada do Egipto pelo Doge de Veneza, tornando-se a capital do Império Latino. Os gregos, com a ajuda dos genoveses, em 1261 restauraram o Império Bizantino.
Em 1276, o português Pedro Hispano foi eleito Papa e tomou o nome de João XXI, mas a 20 de Maio do ano seguinte faleceu em Viterbo, devido aos ferimentos provocados pelo desabamento de uma parte do palácio pontifício. Castelo de Tomar
Já na China, em 1276 os mongóis marcharam sobre Hangzhou, a capital da dinastia Song do Sul e ocuparam-na, levando para Norte como prisioneiro Gong Di, que em 1274 com cinco anos se tornara o Imperador Zhao Xian. O restante da corte fugiu para Sul e durante essa viagem foram sagrados dois novos imperadores, os últimos da então nómada dinastia Song do Sul. Perseguida pelos mongóis, veio a dinastia terminar em 1279 na batalha naval de Yamen, embocadura do Rio Xi próximo de Macau. Assim, no primeiro ano do reinado de D. Dinis, 1279, na China subia ao trono o mongol Kublai Khan, que se tornou o primeiro imperador da dinastia Yuan com o nome Shi Zu (1279-1294). Passaram os mongóis a dominar e unificaram um vasto território, que ia do Pacífico à fronteira com a Europa. Andava o mercador veneziano Marco Polo pela China para em nome de Kublai Khan investigar e fazer-lhe relatórios do que via.
Já na Europa e ainda durante o reinado de D. Dinis, a 18 de Julho de 1290 Eduardo I promulgou o decreto que consagrou a expulsão dos judeus da Inglaterra e dezasseis anos depois, em 1306 foram eles expulsos de França.
Em 1291 era fundada a Confederação Helvética, com a união de Uri, comunidade livre do vale de Schwyz e Nidwalden.
Em Portugal, a Ordem de Avis foi por bula papal criada em 1319, mas a independência desta Ordem em relação a Calatrava só se deve ter consumado no reinado de D. João I.

Para D. Dinis chegar ao poder

Em 1279 morreu o Rei Afonso III e o seu filho D. Dinis ficou com a coroa de Portugal, apesar das lutas que seu irmão D. Afonso lhe moveu e de todos os entraves colocados pelo clero. Seguimos agora narrando um pouco sobre os factores e acasos que levaram D. Dinis a ser rei. De salientar os muitos D. Afonsos que nesta história vão aparecendo e que justificam a razão da primeira dinastia de Portugal ser denominada Afonsina.
Após a morte em 1248 do Rei D. Sancho II e como não deixara filhos, o seu irmão D. Afonso de Bolonha (1210-1279), que desde 1245 era regente de Portugal, foi aclamado rei. Segundo filho de D. Afonso II, aos dezasseis anos a tia materna D. Branca de Castela, rainha de França, mandou-o chamar para viver na corte de Luís IX, onde foi armado cavaleiro. Em 1238 casou com a Condessa D. Matilde de Bolonha, tornando-se por isso conde e vassalo do rei de França, a quem acompanhou em 1243 na Batalha de Saintes contra Henrique III de Inglaterra, distinguindo-se como cavaleiro.
D. Afonso III, que reinaria de 1248 a 1279 com o cognome O Bolonhês, organizou o reino na parte económica, política, administrativa e social. Em 1253 casou-se com D. Beatriz de Gusmão, filha bastarda de Afonso X, apesar de D. Matilde ainda se encontrar viva. Esse casamento de oportunidade veio resolver o conflito sobre a posse do Algarve, que o Rei de Castela Afonso X considerava por direito pertencer-lhe. Tal casamento, só mais tarde veio a ser conhecido pela primeira esposa D. Matilde, que recorreu à cúria pontifícia para que fosse anulado, por bigamia do rei “e por existir um parentesco em quarto grau entre os cônjuges, o que também contrariava o estipulado pelo direito canónico”, segundo Bernardo Vasconcelos e Sousa. Por tal, desde 1254 encontrava-se D. Afonso III sobre forte pressão de ser excomungado por quem anteriormente lhe entregara a governação de Portugal, tendo o Papa Alexandre IV lançado o interdito sobre o reino.
D. Afonso, Conde de Bolonha, do primeiro casamento com a Condessa Matilde não tivera descendência e após repudiá-la, já como rei teve de D. Beatriz sete filhos, entre os quais D. Branca (1259), D. Fernando nascido em 1262, mas que morreu ainda nesse ano, D. Dinis (1261), D. Maria e D. Afonso (1263).
“Só após a morte de Matilde em 1258, os bispos portugueses solicitaram ao papa o levantamento da sanção, que viria a ter lugar e a permitir a legitimação do casamento de Afonso III com Beatriz de Castela, em 1263”, como esclarece Bernardo Vasconcelos e Sousa. Assim, desses filhos do segundo casamento, só os nascidos após 1263 eram legítimos. Por tal razão, D. Afonso considerava-se com direito ao trono de Portugal e não D. Dinis, que à nascença era ainda bastardo, logo sem grandes hipóteses de vir a ser rei. Sendo o Infante D. Afonso o primeiro filho legítimo deveria ser ele o herdeiro da coroa. No entanto, foi D. Dinis que ficou rei desde 1279, apesar das lutas que seu irmão D. Afonso lhe moveu e de todos os entraves colocados pelo clero.
“O reinado de D. Dinis, entre os anos de 1279 e 1325, representa o grande impulso para a formação da consciência nacional, que se complementa nos finais do século XIV. O chamado valorizou a agricultura, com a secagem de pântanos e a plantação de pinhais na Estremadura; a marinha, com a renovação da esquadra de guerra e medidas em prol do comércio externo; e a cultura, com a criação do Estudo Geral de Lisboa, nos anos de 1288-1290, que foi o primeiro tronco da Universidade Portuguesa” Portugal e o Mundo de Joaquim Veríssimo Serrão.

O fim da Ordem do Templo

Foi com D. Dinis que ocorreu a passagem dos bens dos Templários para a Ordem de Cristo, tal como este rei tentou “tornar independentes de províncias não portuguesas as ordens militares que existiam no nosso país, excepto a do Hospital (a de Avis já era propriamente portuguesa, apesar de seguir a regra de Calatrava)”, como refere José Matoso.
A Ordem militar do Templo fora fundada em Jerusalém no ano de 1119 com a finalidade de defender a Terra Santa e os peregrinos que visitavam o Santo Sepulcro. Em 1128, no Concílio de Troyes foi-lhes dado o manto branco, sendo acrescentada a cruz vermelha. Como na Península Ibérica também se realizava a reconquista cristã, esta Ordem, para além das outras referidas no artigo anterior, colaborava com os monarcas cristãos do extremo ocidental da Europa. Desde 1128, D. Teresa ofereceu-lhes o castelo de Soure e muitos outros bens mas, o empenho desta Ordem foi diminuto, tendo mesmo sido derrotada em 1144 próximo do seu castelo. Só após a conquista de Lisboa e Santarém se empenharam, talvez pela oferta dos direitos eclesiásticos desta última cidade. Tendo-lhes sido entregue “um vasto território em volta de Tomar, os Templários começaram a edificar vários castelos na fronteira do Tejo e a recrutar cavaleiros de origem portuguesa, que organizaram com maior cuidado as actividades militares, o que levou o rei a conceder-lhes novas terras e privilégios, no momento mais intenso da Reconquista” José Matoso. Devido a problemas com o Bispo de Lisboa, os Templários cederam os direitos eclesiásticos de Santarém “em troca de extenso território em torno do castelo de Cera, onde, em 1160, começaram a construir o castelo de Tomar”. Já em 1157 tinha sido nomeado como mestre procurador o português Gualdim Pais, que até 1195 governou a Ordem e além de mandar construir os castelos de Pombal, Tomar, Almourol, Castelo de Zêzere, Idanha e Monsanto, “deu foral a Redinha, e à maioria das povoações fundadas em torno dessas fortalezas, assegurando assim a exploração agrícola nos mesmos lugares e a fixação de povoações que podiam resistir eficazmente aos ataques muçulmanos” Matoso. Por tal, a Ordem do Templo tinha em Portugal inúmeros privilégios, assim como lhe foram doados para defender e consolidar amplos senhorios nas áreas conquistadas.
A história que pretendemos narrar, começou depois de 1291, após a queda de Acre, o último reduto cristão na Palestina, tendo por isso a Ordem do Templo abandonado o Próximo Oriente. A sua sede passou para o Chipre e o Rei Filipe IV de França convidou o Grão-Mestre da Ordem, Jacques de Molay, a instalar-se próximo de Paris, para onde foi levado o espólio templário.
Quando os Cavaleiros Templários, de alto valor militar, regressaram aos seus países de origem, tornaram-se uma fonte de preocupação para esses monarcas. Também a Ordem, para além de ter importantes fortalezas por toda a Europa, possuía muitas riquezas, fazendo empréstimos aos senhores de terra e aos monarcas europeus nas frequentes crises financeiras que sofriam. Por tudo isso, a Ordem do Templo estava em condições de vir a ser perigosa para a organização social da época. De salientar que o Rei Filipe IV (1285-1314), o Belo, era um dos muitos devedores insolventes da Ordem e pretendia, além disso, apoderar-se dos seus bens. Assim, num acordo secreto com Clemente, ainda este não era Papa, o rei planeou extinguir a Ordem do Templo, pois com as finanças reais muito em baixo, não conseguia pagar o grande empréstimo de dinheiro que os Templários lhe tinham feito, estando o prazo a terminar. Por interesses estratégicos, o Papa francês Clemente V foi coroado em Lyon a 5 de Junho de 1305, deixando-se ficar em França por não ter apoio em Roma e em 1309 instalou-se em Avignon, controlando assim Filipe IV a Cúria romana.
Decidido a suprimir a Ordem do Templo, o rei de França inventou e empolou uma série de crimes, como idolatria, blasfémia e sodomia, fazendo com eles uma acusação ao Papa. Assim, no dia 13 de Outubro de 1307, com um mandato da Inquisição apareceu à mesma hora a polícia real em todas as sedes da Ordem e em nome do Rei Filipe IV e do Papa Clemente V prenderam os Cavaleiros do Templo franceses. Perto de dois mil Templários foram sujeitos à tortura, tendo muitos morrido e outros terminado na fogueira.
Em 22 de Novembro de 1308, o Papa enviou por carta uma Bula a todos os reis e príncipes europeus, ordenando a prisão dos Templários e o confiscar dos seus bens, assim como estes fossem julgados por um tribunal provincial. Dessas inquirições, todas as comissões se manifestaram a favor da inocência e apenas a francesa os acusou. Mas no Concílio de Vienne (1312) em França, Filipe IV obrigou o Papa a abolir a Ordem.
Com a extinção da Ordem do Templo em 3 de Abril de 1312, muitos dos seus bens em toda a Europa foram para a Ordem dos Hospitalários e outro clero. Em Itália, em Nápoles e Piemonte foram perseguidos, na Sicília absolvidos. Na Alemanha fundaram a Ordem dos Cavaleiros Teutónicos, sendo os bens também distribuídos aos senhores feudais. Na Inglaterra foram absolvidos e os bens ficaram para a Coroa.
A 18 de Março de 1314, o Grão-Mestre dos Templários após a leitura pública que o acusava a ele e aos da Ordem de “blasfémia e heresia”, lançou, já envolto em chamas, ao Rei e ao Papa a sentença de comparecerem, com ele, dentro de um ano, perante o Tribunal divino. O Papa Clemente V morreu no mês seguinte e o Rei Filipe IV em Novembro desse mesmo ano.

A criação da Ordem de Cristo

Com uma sequência diferente José Matoso refere: “Em 1307, as acusações suscitadas por Filipe, o Belo, contra os seus membros levaram Clemente V a mandar celebrar na Hispânia um concílio que averiguasse as suas responsabilidades efectivas. Os padres reunidos em Salamanca (…) concluíram pela sua inocência. Apesar disso, o papa mandou sequestrar os seus bens na Península, e alguns eclesiásticos, como os Cónegos Regentes de Santa Cruz e o bispo da Guarda, quiseram apoderar-se deles. O rei não consentiu (1308), mas depois instaurou um processo judicial com o objectivo de os incorporar na coroa, obtendo sentença favorável em 1310. Neste mesmo ano reuniu-se novo concílio em Medina del Campo, e a seguir um outro em Salamanca, tendo este a presença de prelados portugueses”.
Assim, em Portugal no dia 27 de Novembro de 1309 todos os bens reverteram para a Coroa. O clero reclamava um dote para si e então, D. Dinis, aliando-se com Fernando IV de Castela, fez a Convenção de Salamanca, em Janeiro de 1310, na qual mais tarde o Reino de Aragão entrou, para conseguirem manter os bens da Ordem dos Templários na Coroa, ainda que o Papa ordenasse o contrário. Já no Concílio de Vienne (1312) o pontífice permitia que os domínios da Ordem na Hispânia não tivessem que ser entregues aos Hospitalários. Isabel Morgado Silva refere: D. Dinis, “mais preocupado com a aplicação dos bens templários existentes no seu território a favor de uma entidade não nacional, a Ordem do Hospital do que com o próprio processo desencadeado contra a Ordem de Templo, fundamenta a necessidade da criação de uma milícia – à qual seriam entregues os bens do Templo – na guerra santa e justa.” “Manobra de grande habilidade político-diplomática”.
Dante, na Divina Comédia, escrita entre 1302 e 1321, condenou os reis da Península Ibérica por estes se terem apoderado e tomado para si os bens da Ordem. Mas o que Dante desconheceu foi o trabalho de D. Dinis na transposição do legado dos Templários para a nova Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo formada em 1315 e institucionalizada a 14 de Março de 1319 pela bula Ad ea quibus do Papa João XXII, “atribuindo-lhe a regra de Calatrava, sujeitando-a à jurisdição espiritual do abade de Alcobaça e colocando a sua sede em Castro Marim. Em Novembro desse mesmo ano, foi eleito o primeiro mestre e em 1321 foram aprovados os primeiros estatutos. O rei seguia, assim, o exemplo do de Aragão, que, com o património dos templários valencianos, criou a Ordem de Montesa, embora entregasse o restante do património aragonês aos Hospitalários. O rei de Castela incorporou na coroa a maioria dos domínios dos extintos cavaleiros do Templo. Como se vê, D. Dinis seguiu em todos estes passos uma política de nacionalização extremamente coerente e de tal modo determinada que se pode considerar como precursora de processos de concentração das forças políticas nacionais usados depois pelas monarquias da segunda metade do século XV”, José Matoso.
Entre 1319 e Fevereiro de 1324 ocorreu em Portugal uma intermitente guerra civil, muito devido à revolta do Infante D. Afonso (o futuro Rei Afonso IV) contra o seu pai D. Dinis, pois considerava estar a ser preterido na sucessão do trono pelo irmão bastardo D. Afonso Sanches. Como D. Dinis durante todo o seu reinado tinha combatido o partido senhorial da alta nobreza, esta juntou-se a D. Afonso, acabando o rei por ceder a várias das suas exigências.
Com a morte de D. Dinis em 1325, sucedeu-lhe o filho como Rei D. Afonso IV (1291-1357), que reinou de 1325 a 1357 com o cognome O Bravo.

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