VozesEntre isto e outra coisa qualquer (Sobre o novo livro de Tiago Saldanha Quadros) Hoje Macau - 8 Out 2015 [dropcap style=’circle’]Q[/dropcap]uando em 2013 iniciámos o processo de concepção do livro Macau Sessions. Dialogues on Architecture and Society queríamos de alguma forma dar corpo, reunir, arquivar, partilhar uma espécie de estado da arte no que ao urbanismo e arquitetura de Macau diz respeito, numa perspectiva contemporânea e acessível ao público em geral, de forma a permitir o alargamento do debate de questões que afinal são do interesse de todos. Sentíamos que o conhecimento que se produz sobre Macau nesta área do saber estava muito disperso, sendo publicado por autores e especialistas sediados em Macau, mas também nos Estados Unidos, na Austrália, em Singapura, Hong Kong, China e Portugal. Como poderíamos nós reunir, compilar, partilhar esse conhecimento no sentido de iniciar uma reflexão e um debate que fosse mais universal, mais abrangente, mais relevante e sobretudo mais inclusivo? Explorámos ideias, alternativas, modalidades. Tratando o livro, como projecto curatorial, e seguindo o exemplo de Hans Ulrich Obrist, optámos pela entrevista, explorando “the idea of an interview with an artist (architect) as a medium” e assumindo que todo aquele que intervém na cidade participa e colabora na criação daquilo que desejaríamos que fosse uma obra de arte. A entrevista – entre o olhar de um e de outro Uma entrevista é um diálogo e situa-se entre o que um vê e o que vê o outro (entre-vistas). O diálogo é, por oposição ao discurso, a forma mais dinâmica da inteligência humana, é a inteligência interrompida, interrogada, e por isso estimulada à sua máxima expressão, acuidade, a assertividade no imediato da conversação. Diria mesmo que o diálogo é a inteligência em movimento. Como método de investigação a entrevista permite enunciar elementos de reflexão extremamente ricos. Há na entrevista, conversação, diálogo um contacto entre o investigador e os seus interlocutores, que obriga a uma sistematização e clarificação dos conteúdos muitas vezes difíceis de encontrar em textos de natureza académica, facilitando por isso um debate mais alargado, mais inclusivo. Por outro lado, a entrevista permitiria aos entrevistados a partilha de uma dimensão mais humanizada das suas práticas, da análise de problemas específicos, reconstituindo processos de acção, de experiências ou acontecimentos do passado. A assemblage Este livro transformou-se numa assemblage: pedaços de “coisas” que se reuniram num único contexto. O conjunto, agrupamento ou reunião dessas “coisas”, “ideias”, “pensamentos”, “práticas”, “pontos de vista” ou “pontos entre vistas” pode revelar e gerar um qualquer número de “efeitos”: In a book, as in all things, there are lines of articulation or segmentarity, strata and territories; but also lines of flight, movements of deterritorialization and destratification. Comparative rates of flow on these lines produce phenomena of relative slowness and viscosity, or, on the contrary, of acceleration and rupture. All this, lines and measurable speeds constitutes an assemblage. A book is an assemblage of this kind, and as such is unattributable. It is a multiplicity — but we don’t know yet what the multiple entails when it is no longer attributed, that is, after it has been elevated to the status of the substantive. On side of a machinic assemblage faces the strata, which doubtless make it a kind of organism, or signifying totality, or determination attributable to a subject; it also has a side facing a body without organs, which is continually dismantling the organism, causing a signifying particles or pure intensities or circulate, and attributing to itself subjects what it leaves with nothing more than a name as the trace of an intensity… (Deleuze) Entendido deleuzianamente, este livro pode produzir, pelo menos assim o desejamos, um número infindo de efeitos, em vez de se apresentar como um todo organizado e coerente que procura apresentar uma visão única e dominante. A beleza desta abordagem reside exactamente na liberdade obtida por via da falta de organização sistemática, permitindo a inclusão no seu corpo de um número muito diverso de elementos, que podem aglomerar-se entre si ou entrar noutras assemblages com os seus leitores, livrarias, ou bibliotecas. Ser curador, na sua dimensão mais contemporânea, significa preservar, no sentido de preservar o património, a arte; significa seleccionar novos trabalhos, ideias, pensamentos, ligá-los à história da arte e das ideias e da filosofia; e apresentá-los de forma única ao mundo, exibindo-os, partilhando-os. Joseph Beuys falou-nos na ideia de expandir a noção de arte. Gilles Deleuze procurou expandir a noção de livro e Hans Ulrich Obrist expandiu a noção de curadoria. Aqui procurámos situar-nos entre isto e outra coisa qualquer. Ou seja, procurámos o lugar da cidade enquanto obra de arte pública (no sentido em que todos podem/devem participar, colaborar), a entrevista enquanto médium e o livro enquanto assemblage deleuziana ou projecto de curadoria obristiana. Entre isto e tudo o que este livro assim concebido puder ou conseguir despertar, dar existência. Enfim, entre isto e outra coisa qualquer, porque ser-se entre, é ser-se por definição indefinido. Margarida Saraiva Directora Artística BABEL – Organização Cultural