EditorialO génio, a sombra e outras elucubrações pícaras Carlos Morais José - 28 Jul 2015 [dropcap style=’circle’]Os[/dropcap]antigos romanos diziam que no momento do nosso nascimento surgia igualmente no mundo um outro ente, que por todo o lado nos acompanha. Deram-lhe o nome de Génio. É um ser que, por vezes, se confunde connosco, nos protege; mas doutras faz simplesmente sentir a sua presença, como naqueles dias em que carregamos uma culpa. Lembro-me de Lord Jim, de Joseph Conrad e da história de um homem que percorre o mundo vergado pelo remorso e pela vergonha. Lá está o mesmo mecanismo, a mesma pré-eutanásia de uma identidade insuportável, a quem resta o seu Génio como daimon, como demónio, como companhia maldita. Um homem nunca se consegue livrar da sua sombra. É curiosa, aliás, a metamorfose da sombra em luz, sob o efeito da noite. Esbatidas as cores e desmaiados os contrastes, as sombras transmutam-se agora nas luzes várias dos pensamentos. O Génio não nos abandona, é um trocista irmão mais velho, um camarada que nos revolta ao vício. A presença constante da sombra é incomodativa. Diógenes mostrou ao imperador Alexandre que somos, antes de mais, um empecilho: a tua sombra tapa-me o Sol. “És a mais”, vocifera a presença do meu Génio. “Não somente uma inutilidade, mas um empecilho e projectas-me a mim, a tua sombra. Como somos ridículos…”. Sem a tendência cínica para a vida de barril, considero, contudo, a possibilidade da candeia. E mando o Génio vaguear, como Lot, na procura vã da equidade. Ele vai e volta, as mãos retintas dos frutos roubados a travessas e raparigas singulares. Lá no alto, uma estátua de sal adverte, ainda hoje, a cidade. Ele é assim: acompanha-nos como um desassossego. Fala a várias vozes, emite juízos, éditos, bolsa sentenças imorais. Não é fácil lidar com o nosso Génio. Não gostamos de admitir que ele se parece muito connosco, quando dele discordamos; mas pretendemos ser como ele, quando entre travessuras, dotado de uma graça que em nós não reconhecemos, nos surpreende e encanta.